Indisponibilidades - Palestra de Madalena Teixeira em Porto Alegre


XXXIII ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL
Indisponibilidades

Madalena Teixeira
*

 


Madalena Teixeira é conservadora em Loulé, Portugal

 

Definição


Tomando por início da exposição o conteúdo do direito de propriedade, podemos dizer que:


Em face do sistema legislativo Português o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, ficando, assim, estabelecida uma conformação positiva e uma delimitação negativa do conteúdo do direito de propriedade.


Se, por um lado, se trata de direito real máximo porquanto:

  • Não existe acima dele qualquer outro poder sobre a coisa (gozo de modo pleno);

  • É exclusivo, pois confere ao seu titular o direito de impedir que outros invadam a sua esfera jurídica; Concede o uso, a fruição – o aproveitamento da coisa e o recebimento dos seus frutos naturais ou civis;

  • Compreende o direito de disposição da coisa enquanto poder de alienação e poder de realização de actos materiais de transformação da coisa.

E é esta a sua conformação positiva


Por outro lado, a sua função social, a tutela de outros interesses e a interferência de outros direitos sobre a coisa podem limitar o exercício das faculdades reconhecidas ao seu titular.


SENDO ESTA A SUA DELIMITAÇÃO NEGATIVA


E porque assim é, não podemos reconduzir simplesmente o direito de propriedade ao jus fruendi, utendi e abutendi dos jurisconsultos romanos, pois para além das faculdades ou poderes que a lei confere ao seu titular, salvaguardam-se na lei civil as restrições e as limitações que lhe forem impostas por lei.


É que:


Além das disposições que subordinam a propriedade privada ao interesse colectivo;


Além do relevo dado ao instituto do abuso do direito;


Confere a lei protecção a determinados interesses particulares que podem colidir com o direito do titular da propriedade ou exigir dele um determinado comportamento positivo ou negativo, um dever de colaboração ou um especial dever de diligência.


Admite, por isso, a lei civil a limitação de quaisquer faculdades inerentes ao direito de propriedade, desde que haja previsão legal nesse sentido.


Quando a limitação não existe na lei mas é negociada pelas partes, quid iuris?


Desde que a limitação seja temporária e, por isso, não viole o princípio da livre comercialidade e da livre disponibilidade dos bens inerente ao direito de propriedade que, como vimos, só admite no seu estatuto as restrições legalmente impostas, o negócio pode ser válido.


Contudo, o seu efeito é meramente obrigacional.


Só as restrições legalmente previstas têm efeito erga omnes pois apenas essas preenchem o estatuto do direito real de propriedade. As restantes, podendo ser válidas se limitadas no tempo, não se impõem senão às partes.


ÂMBITO PROCESSUAL


Enunciado o conteúdo do direito de propriedade,


Passemos agora ao âmbito processual.


E aqui, se entendermos a indisponibilidade do bem em sentido amplo de modo a abranger a não alienação e, bem assim, a não transformação material e económica do bem, podemos encontrar diferentes espécies de providências judiciárias consoante a situação de carência em que se encontrem os direitos ou as faculdades do requerente.


Vejamos as seguintes hipóteses:


1ª Hipótese


Sabendo-se que do estatuto do direito real de propriedade apenas fazem parte as limitações ou restrições impostas por lei, se, em face do incumprimento de uma determinada disposição legal que limite a livre comercialidade de um determinado bem, como se verifica, por exemplo, com os bens classificados de interesse nacional, se pretende judicialmente obter o reconhecimento dessa limitação legal e a consequente reparação de modo a repor o status quo anterior, há que lançar mão de uma acção principal.


Neste caso, não sendo a acção constitutiva da indisponibilidade do bem, mas apenas declarativa da sua existência, o objecto imediato do registo predial não será, naturalmente, a indisponibilidade mas antes a decisão judicial que, reconhecendo a existência legal da indisponibilidade, determina a nulidade ou anulação do facto jurídico que a ignore, consoante a sanção que a lei preveja para a situação em tabela.


Isto não significa que a indisponibilidade de per si não seja objecto de registo.


Mas para isso é necessário que a indisponibilidade figure no elenco dos factos sujeitos a registo fixado no Código do Registo Predial ou que a tal publicidade se ache obrigada por via de uma disposição legal especial.


E porquê?


Porque o sistema registral português não segue um critério de utilidade que permita a qualquer interessado ou sequer a uma autoridade judicial demandar o registo, antes segue um critério de imposição legal.


Só estão sujeitos a registo e só devem ser registados os factos que por via da lei a ele se achem sujeitos.


Vejamos agora uma


2ª Hipótese


Procedimento cautelar


Não se verifica qualquer limitação legal à livre disponibilidade dos bens, mas alguém tem fundado interesse em que a coisa se mantenha ou conserve na esfera patrimonial da pessoa pelo tempo necessário a fazer valer em tribunal um determinado direito garantindo, deste modo, a eficácia ou efeito útil de uma eventual procedência do pedido
.


Também este interesse é tutelado pelo direito, mas aqui mediante um procedimento cautelar adequado o qual, se tiver por objecto a proibição judicial de disposição dos bens se enquadrará, no sistema processual civil Português, no leque das providências cautelares inominadas ou não especificadas.


REQUISITOS E TÍTULO


Como quaisquer providências cautelares, a proibição judicial de dispor dos bens tem como pressuposto ou como requisitos essenciais:


1º Requisito

  • A existência ou a probabilidade séria da existência de um direito que se pretende fazer valer judicialmente;

Não é necessário provar a existência do direito. Basta que o direito seja verosímil.



2º Requisito

  • O fundado receio de lesão desse direito em termos irreparáveis ou dificilmente reparáveis;

Não basta um simples receio.


Não basta um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num exame precipitado das circunstâncias.


Por outro lado, este fundado receio pressupõe que o titular do direito se encontra perante meras ameaças.


Se a lesão já está consumada, a providência não tem razão de ser, por falta de função útil, porque não há que evitar ou acautelar um prejuízo se este já se produziu.


Por isso, o justo receio tem de ser actual.



3º Requisito

  • A adequação da providência ao resultado pretendido de modo a demonstrar-se que a providência mais idónea face à situação descrita pelo requerente é aquela e não outra.

Título


Vejamos agora o título


Ao contrário do arresto e do sequestro de bens, esta providência não consiste numa apreensão judicial com privação do bem mas apenas na imposição judicial de um dever de abstenção por parte do seu titular.


Consiste, por isso, na decretação judicial de uma obrigação de não fazer que se comprova por certidão simples do respectivo despacho.


O REGISTO


Reunidos os requisitos e decretada a providência, passemos ao seu registo.


Considerando tratar-se de uma providência que afecta a livre disposição dos bens, será a mesma objecto de registo por força da lei, designadamente do disposto na al. n) do nº1 do artº 2º do CRP, sem necessidade, por isso, de determinação judicial nesse sentido.


Também como qualquer outro facto sujeito a registo predial, será o mesmo objecto de qualificação no exercício do princípio da legalidade que norteia a actividade do conservador.


Contudo, o facto de se tratar de uma decisão judicial, obsta a que lhe sejam colocados obstáculos que contendam com a separação de poderes.


Estando constitucionalmente consagrado o dever de acatamento dos actos judiciais, não pode o conservador avaliar da bondade da decisão; não pode o conservador apurar da competência ou da incompetência técnica do juiz; da correcção ou da incorrecção da sua actuação jurídica; em suma, da boa ou da má aplicação das leis.


Porém, tal não significa que, por se tratar de decisão judicial, esteja o conservador impedido de verificar todos os aspectos de ordem tabular, designadamente a identidade do prédio e o cumprimento do trato sucessivo, permitindo o ingresso definitivo nas tábuas apenas quando se apresente a prova documental do facto e se demonstre a harmonização do título com o conteúdo da ficha, quer quanto ao prédio quer quanto aos sujeitos do facto.


Visto isto, em que momento pode a providência judicial aceder ao registo?


A providência pode ser registada logo após ser decretada pelo juiz, não tendo de ficar a aguardar o trânsito em julgado da decisão.


Como sabemos, os recursos podem ser mais ou menos morosos, pelo que se entendeu dever ser acautelado o interesse do requerente, permitindo-lhe o acesso imediato ao registo de modo a acautelar o efeito útil ou a eficácia da providência em relação a terceiros com quem o requerido se encontrasse disposto a contratar como forma de se subtrair ao cumprimento da mesma.


É possível, por isso, neste como em outros casos tipificados no Código do Registo Predial, antecipar os efeitos registrais mediante a feitura do registo provisório do facto, a converter em definitivo após a conclusão dos trâmites processuais, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão, conservando o registo convertido a prioridade que tinha como provisório.


Se em sede de recurso o requerido conseguir contrariar o sentido da decisão da 1ª instância, o registo é cancelado.


EFEITOS SUBSTANTIVOS


Uma vez decretada a providência de proibição de disposição dos bens e efectuado o seu registo, importará perceber o seu alcance e designadamente os seus efeitos substantivos e registrais, procurando perceber quais as consequências no caso do seu incumprimento.


Tal não se afigura matéria fácil, senão vejamos:


Ao contrário do arresto, que é regulado quanto aos requisitos e aos efeitos em sede de direito substantivo e apenas na parte adjectiva no CPC, esta providência cautelar não encontra tratamento jurídico próprio fora do campo do processo civil, pelo que dificilmente se pode sustentar um efeito real ou uma oponibilidade em relação a terceiros que se traduza na invalidade dos actos praticados pelo requerido em incumprimento da mesma, ou sequer na sua ineficácia, a não ser através das regras do registo.


Com efeito, se não podermos defender a invalidade do acto de disposição proibido com base na falta de capacidade do requerido para o praticar, o que, de resto, não está previsto como efeito substantivo da providência, as sanções ou consequências do incumprimento da determinação judicial por parte do requerido só poderão passar:


1º Pela aceitação inequívoca da responsabilidade civil para com o requerente da providência;


2ª Pela da sanção criminal por crime de desobediência, a qual se encontra claramente assumida no CPC no seu artº 391º;


3ª Pelo recurso à acção executiva para prestação de facto.


EFEITOS REGISTRAIS


E o registo da providência que plus confere ao direito do requerente?


O registo da providência cautelar que afecte a livre disposição dos bens, além de auxiliar na prova da má fé daquele que adquiriu após o registo, confere, também, uma prioridade ou prevalência sobre factos posteriormente registados.


De tal forma que, na qualificação do registo da acção principal, da qual o procedimento cautelar é subsidiário, se considere como titular inscrito, para efeitos de trato sucessivo, o próprio requerido no procedimento cautelar e ora réu e não o terceiro que só posteriormente acedeu ao registo.


Esta é uma decorrência do disposto do artº 34º, nº2, 2º parte, do Código do Registo Predial que determina o seguinte:


No caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito.


Ora, se A., requerido no procedimento cautelar, vende a B. após a decretação e o registo da providência cautelar, B. pode registar definitivamente a sua aquisição pois esta não é inválida.


Contudo, vindo C., requerente no processo cautelar pedir na acção principal, o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio, basta que figure como réu o A. e já não o B., agora titular inscrito, para que se considere assegurado o trato sucessivo.


Não há intervenção do titular inscrito B. na acção principal mas há intervenção de A.


É o bastante pois a acção é consequência de um outro facto – a providência cautelar – inscrito antes do direito do B.


É, portanto, este o efeito útil do registo. A oponibilidade a terceiros do facto primeiramente inscrito.


Processo de insolvência


Vista a hipótese da indisponibilidade dos bens por decretação judicial, vejamos agora um caso de indisponibilidade de bens por força da lei mas em resultado de uma decisão judicial.


Trata-se da indisponibilidade pelo devedor dos bens integrantes da massa insolvente.

Começamos, então, por referir que no actual quadro legislativo português da insolvência e da recuperação de empresas, fruto de uma reforma iniciada no ano de 2003 e que culminou na aprovação do DL 53/2004, de 18 de Março, a declaração judicial de insolvência tem, por regra, como efeito imediato a privação dos poderes de disposição do insolvente sobre os bens que integram a massa falida, poderes esses que passam a ser desempenhados pelo administrador de insolvência.


Esta indisponibilidade dos bens, porém, não carece de ser determinada judicialmente, antes se apresenta como um efeito legal da insolvência, esta sim, judicialmente declarada.


Será, então, uma indisponibilidade que não é decretada por decisão judicial mas que, no entanto, ocorre por força de uma decisão judicial.


Também não se trata de uma limitação ao direito de propriedade que decorra das características materiais do bem, como no caso do condicionamento à transmissão de bens classificados de interesse nacional, antes resulta da particular situação em que se encontra o seu titular e da sua integração na massa falida sendo, por isso, uma indisponibilidade relativa que se caracteriza pela possibilidade do bem ser alienado mas não pelo seu proprietário.


Se o insolvente praticar os actos que lhe estão vedados, os mesmos são válidos mas ineficazes, excepto se forem celebrados a título oneroso com terceiros de boa fé e em data anterior à do registo da sentença da declaração de insolvência.


Bem se compreende, por isso, que, não sendo o bem em si mesmo indisponível mas apenas indisponível pelo insolvente, seu proprietário, o qual passa a ser substituído pelo administrador da insolvência em todos os actos de natureza patrimonial que respeitem aos bens integrantes da massa falida, não quis, em coerência, o legislador que se publicitasse na ficha do prédio esta particular situação do seu titular, apenas se assegurando o conhecimento da mesma, por forma indirecta, através do registo da declaração de insolvência no registo civil, no caso de pessoa singular, ou no registo comercial no caso de entidades a ele sujeito.


Apreensão de bens


REQUISITOS, TÍTULO E REGISTO


Objecto de registo predial será apenas a apreensão imediata dos bens integrantes da massa insolvente cuja penhora esteja sujeita a registo, isto é, dos prédios e dos direitos sobre eles sujeitos a registo predial e susceptíveis de penhora.


A apreensão é ordenada na própria sentença de declaração de insolvência, e, atenta a sua finalidade de conservação dos bens pode ser desde logo registada como provisória por natureza com base apenas em certidão judicial da referida sentença.


Uma vez realizada, mediante arrolamento, que consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens, ou por entrega directa através de balanço, a apreensão será, então, definitivamente registada com base em extracto do referido arrolamento ou do balanço assinado pelo administrador da insolvência.


Isto se o prédio estiver registado a favor do insolvente.


PROVISORIEDADE POR NATUREZA ( 92º, nº2, a) )


É que se o prédio ou direito apreendido estiver inscrito a favor de pessoa diversa do insolvente, a apreensão será registada como provisória por natureza, nos termos da al. a) do nº2 do artº 92º do CRP.


Esta provisoriedade dará lugar um procedimento especial previsto no artº 119º do Código do Registo Predial, através do qual o titular inscrito é chamado pelo juiz do processo de insolvência para dizer se o bem se mantém na sua esfera patrimonial e por isso lhe pertence ou, ao contrário, o bem já não lhe pertence porque o transmitiu a terceiro que não registou.


1º Se o titular inscrito disser que o bem lhe pertence, o juiz do processo remete os interessados para os meios processuais comuns onde se irá dirimir o conflito de titularidade;


2º Se o titular inscrito não disser nada, o silêncio vale como desinteresse e, por isso, o registo da apreensão passa a definitivo;


3º Se o interessado declarar que o bem já não lhe pertence, o tribunal comunica essa declaração à Conservatória para averbamento oficioso da conversão em definitivo do registo de apreensão.


EFEITOS


De sublinhar será o facto do legislador ter querido que, no âmbito do processo de insolvência, os efeitos substantivos, designadamente a ineficácia dos actos do devedor posteriormente realizados, não resultassem da apreensão ou do seu registo mas antes da própria sentença de declaração de insolvência, com ressalva apenas dos actos onerosos praticados com terceiros de boa fé antes do registo da sentença já referido.


Importará, em todo o caso, referir que, se o registo da apreensão não for oportunamente promovido e realizado com sucesso, um acto de alienação praticado pelo insolvente, não sendo nulo, pode e deve ser registado.


O terceiro que adquiriu o bem do insolvente e registou o seu direito antes do registo da apreensão, beneficia da presunção de titularidade pelo que, a partir daí, não poderão ser definitivamente registados quaisquer outros factos, decorrentes da insolvência do vendedor ou não, sem a sua intervenção.


Esta é a confirmação do princípio do trato sucessivo que obsta a que quaisquer actos praticados à revelia do titular inscrito mesmo que os que lhe são oponíveis independentemente do registo, possam ser registados sem a sua intervenção.


DIREITO BRASILEIRO/ DIREITO PORTUGUÊS


Posto isto, volto ao tema da indisponibilidade dos bens por decisão judicial e fazendo um esforço de comparação entre o direito Brasileiro e o Direito Português, descubro que no Brasil:

  • Além da possibilidade de se obter a decretação da indisponibilidade dos bens no âmbito de um processo cautelar cível;

  • Existe ainda a possibilidade da decretação de medida cautelar fiscal produz de imediato a indisponibilidade dos bens do requerido, conforme a Lei 8.397, de 06.01.1992;

  • Descubro também que ao juiz do processo fiscal é permitido decretar a indisponibilidade dos bens do devedor tributário, nos termos do artº 185ºA , aditado ao Código Tributário Nacional ( Lei 5172, de 25 de Outubro de 1966) pela  Lei complementar 118, de 09.02.2005;

  • E que, os bens penhorados em execução de dívida activa da União, suas autarquias e fundações públicas tornam-se indisponíveis, segundo julgo saber, por via da Lei 8.212, de 24 de Julho de 1991 – Lei Orgânica da Seguridade Social.

Ora, compulsando a lei portuguesa, verifico que:

  • Em sede de dívidas à Segurança Social se aplica no essencial a Lei Geral Tributária e o Código do Procedimento e do Processo Tributário na parte em que regula a cobrança coerciva das dívidas fiscais, e que, no âmbito do processo tributário e, do mesmo modo, no âmbito do processo de execução de dívidas à Segurança Social, não se impõe qualquer medida de proibição de dispor dos bens.

No entanto, em sede do processo judicial tributário, destinado essencialmente a dirimir conflitos de natureza fiscal, é legalmente admitida a adopção de medidas cautelares avulsas, às quais se aplicam subsidiariamente as regras processuais civis.


É, por exemplo, admitido o arresto, já aqui tratado e é também admitido o arrolamento enquanto providência destinada a sinalizar os bens do devedor e, com isso, evitar a sua sonegação.


E até mesmo no processo de execução fiscal, ou seja, na fase da cobrança coerciva das dívidas ao Estado, é admitida a figura do arresto, prevendo-se expressamente que, havendo justo receio de insolvência ou de ocultação ou alienação de bens, pode o representante da Fazenda Pública junto do competente tribunal tributário requerer arresto em bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido.


De salientar, é o facto de, tanto o arresto decretado no processo judicial tributário como o arresto decretado no processo de execução fiscal poderem ser convertidos em penhora.


Visto isto, poderei talvez afirmar que, em Portugal, o essencial das medidas judiciais que determinam a indisponibilidade dos bens se encontrará no leque das providências cautelares inominadas, tudo sem prejuízo de várias indisponibilidades dispersas em legislação avulsa e sujeitas a registo mas por força da própria lei, que assim o determina, sem necessidade, por isso, de reforço por decisão judicial.


Final


Meus senhores o tempo tomado é muito mas não gostaria de terminar sem que, em jeito de conclusão, algo mais se dissesse sobre a qualificação dos títulos judiciais nos quais se consubstanciam todas as medidas e providências aqui tratadas.


É certo que a questão da qualificação dos títulos judiciais se vai pacificando em Portugal mas, uma vez por outra, torna-se necessário recuperar todos os argumentos que, ao longo do tempo, foram consolidando uma posição sobre o assunto.


Ora já hoje se disse que em Portugal se tem vindo a repudiar, com mais ou menos determinação, a registabilidade de factos que não figurem do elenco fixado no Código do Registo Predial ou em legislação especial.


O sistema registral português é eminentemente declarativo e de natureza patrimonial, e a sua eficácia decorre expressamente da lei, pelo que, faltando a eficácia do registo como condição de oponibilidade do facto a terceiros, o registo não cumpriria a sua função e serviria apenas como mera publicidade-notícia, destinada apenas a informar e prevenir terceiros acerca dos actos que alguma forma lhes pudessem interessar, o que, de modo algum, se pode aceitar.    


O registo predial em Portugal tem eficácia de oponibilidade e, por isso, bem se compreende que também os títulos judiciais serão registáveis ou não consoante haja ou não disposição legal que o determine ou o permita.


Serão pontuais os casos em que um juiz terá a ousadia de dirigir uma ordem ao conservador no sentido de proceder ou não proceder ao registo.


Até mesmo quando o juiz do processo comunica determinado facto ao conservador para efeitos de registo oficioso, como no caso da adjudicação de imóvel em processo de expropriação, não o faz ordenando o registo mas apenas dando conta da ocorrência do facto, no exercício de um poder-dever que a lei lhe comete, cabendo, em qualquer caso ao conservador decidir sobre a a registabilidade ou irregistabilidade do facto comunicado.


As decisões do conservador só serão atacáveis em sede de recurso interposto pelo interessado e mesmo aí uma decisão judicial de sentido contrário terá de se basear em fundamentos de facto e de direito atinentes à questão jurídica colocada.


Nem caberia ser doutra forma pois como expressamente se consagra na Lei Constitucional, a República Portuguesa como estado de direito democrático impõe a separação e interdependência dos poderes mas impõe igualmente a fundamentação das decisões dos tribunais.


Donde, faltando uma disposição legal que atribua competência aos juízes para definir o conteúdo do registo ou tutelar a actividade registral fora dos mecanismos próprios do recurso, a instaurar pelos interessados, tem-se por assente a independência de qualificação dos conservadores, no exercício do princípio da legalidade, mesmo em relação a actos judiciais trazidos a registo.


Esta qualificação, decisora, desde logo, da sujeição ou não sujeição a registo da acção, decisão ou providência judicial, tem, contudo, especialidades, por via da obrigatoriedade de acatamento ou obrigatoriedade das decisões dos Tribunais por todas as entidades públicas e privadas, também consagrada na Constituição da República Portuguesa.


Quer isto significar que, no exercício de qualificação de um título judicial é dever do conservador apreciar e decidir sobre a feitura do registo, como, aliás, reconheceu o próprio Supremo Tribunal de Justiça ( Acórdão publicado na CJ, Ano II, Tomo I, 1994),  dizendo tratar-se de um juízo de admissibilidade e um acto de vontade, isto é, uma apreciação e uma decisão; um acto vinculado pela sujeição estrita às disposições legais que prevêem em pormenor quais as condições substanciais e formais que presidem à feitura do registo.  


Há, porém, limites. Não pode nem deve o conservador sindicar o mérito da decisão, a bondade da mesma, a boa ou má aplicação da lei ou sequer as nulidades processuais pois tal seria sempre uma ingerência na esfera de actuação dos tribunais; ingerência essa que a lei não concebe ou sequer admite a qualquer outro poder, designadamente ao poder executivo no qual se incluem os Serviços dos Registos.


O que pode e deve fazer o Conservador é verificar das formalidades externas do documento, ou seja, da sua suficiência formal, e da harmonização do seu conteúdo com as tábuas, apreciando da identidade do objecto mediato do registo – o prédio – e certificando-se da intervenção no processo do titular inscrito, em conformidade com o princípio do trato sucessivo consagrado no artº 34º do CRP.


Em suma, pode e deve o conservador qualificar os títulos judiciais e decidir em 1º lugar se os mesmos podem ser admitidos a registo e em que termos por confronto do seu conteúdo com o conteúdo registral vigente.


Não pode o conservador interferir na esfera de actuação do juiz, assim como este não pode invadir a esfera de actuação do conservador, sobrepondo o seu entendimento à decisão do conservador fora do processo de recurso.


Cumpre sublinhar que mesmo em sede de recurso pode o conservador reagir à posição do juiz, recorrendo para o Tribunal da Relação e, deste modo, procurando fazer valer a sua tese em instância superior.


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Madalena Teixeira é conservadora em Loulé, Portugal.


Fonte: Boletim Eletrônico IRIB n. 2662 - 22/09/2006

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