Indenização - Prédio residencial - Vaga de garagem - Uso - Propriedade - Registro de Imóveis - Convenção de condomínio - Prova - Existência - Acordo - Caráter formal - Ausência - Improcedência do pedido

 

Ementa: Condomínio. Vaga de garagem. Documento administrativo. Propriedade. Prova. Registro imobiliário. Convenção de condomínio. Acordo. Comprovação.

- A propriedade de bem imóvel não pode ser comprovada por meio das plantas aprovadas pela Prefeitura. Prevalece, neste caso, a certidão do Registro Imobiliário.

- É a Convenção de Condomínio registrada no Registro de Imóveis, e não a planta arquivada na Prefeitura, que determina a extensão da propriedade exclusiva no condomínio horizontal, conforme a regra do art. 9°, § 3°, alínea 'a', da Lei 4.591/64.

- Não é crível que as partes tenham realizado acordo no qual uma delas se compromete a pagar elevada soma em dinheiro à outra sem que haja o mínimo de formalização nesse sentido.

- Aplicação da regra geral de distribuição do ônus da prova.

Apelação Cível n° 1.0024.06.098003-4/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelantes: Bráulio dos Santos Nogueira e outro - Apelado: Marcos César Toledo - Relator: Des. Nilo Lacerda

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar a preliminar e dar provimento.

Belo Horizonte, 26 de setembro de 2007. - Nilo Lacerda - Relator.

N O T A S  TA Q U I G R Á F I C A S

Produziu sustentação oral, pelos apelantes, o Dr. Estevam Pessoa Carneiro.

DES. NILO LACERDA - Trata-se de apelação cível interposta por Bráulio dos Santos Nogueira e Elzilar Pessoa Costa contra a r. sentença de f. 155/159 proferida nos autos da ação ordinária proposta por Marcos César Toledo.

A r. sentença guerreada julgou procedentes os pedidos formulados pelo apelado, para condenar os apelantes a pagarem R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) a título de indenização pela utilização da vaga de garagem coberta objeto da lide. A parte ré, de acordo com a prova dos autos, teria se obrigado a pagar a mencionada quantia. Aplicou ao caso a tese da venire contra factum proprium. Julgou improcedente o pedido de indenização pelas despesas efetuadas desde agosto de 2003, uma vez que não possuem lastro probatório. À condenação deverá ser acrescida correção monetária conforme a tabela da Corregedoria-Geral de Justiça, a contar da distribuição, e juros de mora de 1% ao mês desde a citação. Condenou os apelantes ao pagamento de custas e honorários advocatícios, no importe de 10% sobre a condenação, uma vez que o apelado decaiu de parte insignificante de seu pedido.

Embargos de declaração opostos às f. 160/164, que foram conhecidos e rejeitados pela decisão de f. 165/167.

Irresignados, os apelantes recorrem da mencionada decisão ao fundamento de que, em outra ação julgada no Juizado Especial Cível desta Capital, o rumo do processo foi diverso, mormente porque o apelado seria proprietário apenas de duas vagas de garagem. Sustenta que a vaga pretendida pelos apelados na presente ação pertence efetivamente ao apartamento nº 203, pertencente ao apelante. Alega que o projeto aprovado na prefeitura corrobora suas alegações, constando nele apenas duas vagas para o apartamento do apelado. De igual forma, o registro de imóvel do apartamento tem o mesmo teor, fortalecendo a tese do apelante. Sustenta que a ação de perdas e danos deveria ter sido proposta contra a construtora, visto que esta lhe vendeu apartamento com duas vagas de garagem, dizendo que possuía três vagas, conforme consta da sentença proferida nos autos de ação reivindicatória entre as partes, na qual a questão também foi discutida. Aduz, ademais, que nunca houve qualquer acordo entre as partes, ao contrário do que decidiu o MM. Juiz a quo.

O apelado apresentou suas contra-razões às f. 183/189.

Os apelantes juntaram aos autos a petição de f. 200/211, na qual aduzem que são partes ilegítimas para figurar no pólo passivo da presente demanda. Sustentam que não possuem qualquer vínculo com o apelado, razão pela qual requerem o reconhecimento da mencionada preliminar.

A mesma matéria preliminar foi argüida da tribuna por ocasião do julgamento do feito.

Preliminar de ilegitimidade passiva.

Alegam os apelantes que não seriam partes legítimas para figurar no pólo passivo da presente demanda, visto que não há nos autos qualquer prova de condutas suas que pudessem gerar o suposto dano alegado pelo apelado. Sustentam que não teriam participado do acerto no qual restou pactuado o pagamento de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais).

A análise da preliminar demonstra que suas assertivas merecem cuidadoso exame das provas carreadas aos autos e dos acontecimentos narrados nos autos, pelo que se verifica que a preliminar se confunde com a própria matéria de mérito, visto que envolve os ajustes realizados pelas partes quando da aquisição do imóvel.

Por essa razão, rejeito a preliminar.

Cuidam os autos de ação de indenização por perdas e danos ajuizada por Marcos César Toledo em face de Bráulio dos Santos Nogueira e sua mulher, Elzilar Pessoa Costa.

Sustenta a sua pretensão em um suposto acordo havido entre as partes, no qual os apelantes se teriam obrigado ao pagamento de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) pela utilização da vaga de garagem pertencente ao apelado.

A r. sentença julgou procedente o pedido, com base nas provas testemunhais e na tese da venire contra factum proprium, já que os apelantes teriam tido comportamento contraditório, pois teriam se obrigado a pagar pela vaga de garagem em reunião no escritório da construtora e agora negam tal dívida.

Compulsando os autos, todavia, encontro solução diversa para o litígio.

Conforme se depreende da documentação carreada à inicial, verifica-se que o registro da convenção de condomínio de f. 35 indica que o apartamento de nº 303, de propriedade do apelado, tem direito a duas vagas de garagem, e não a três, como afirma em seu pedido.

De igual forma, se extrai da cláusula quinta da convenção (f. 38) o seguinte teor:

"Quinta - Descrição dos pavimentos:

Primeiro pavimento denominado Pilotis: constituído do hall de entrada, hall de escada, depósito de lixo, caixa de escada, depósito para GLP, e garagem com 18 (dezoito) vagas de garagem (uma para o apartamento 201, duas para os apartamentos 202/301/302/303/401/402/403; três para o apartamento 203, sendo duas vagas descobertas e uma coberta); (...)".

Como se sabe, a propriedade imóvel adquire-se por meio da transcrição do título de propriedade no Registro de Imóveis. Esses documentos, como se verifica nos autos, foram devidamente registrados e, dessa forma, demonstram que o apartamento nº 303 sempre teve direito a duas vagas de garagem e o apartamento nº 203, de propriedade dos apelantes, sempre possuiu três vagas.

Por outro lado, o projeto arquitetônico apresentado às f. 31, independentemente de ter ou não sido aprovado pela Prefeitura, não pode desconstituir o registro devidamente efetuado à época da construção do condomínio, conferindo a propriedade de uma vaga de garagem a mais ao apelado.

A regra do art. 9°, § 3°, alínea 'a', da Lei nº 4.591/64 dispõe que "os proprietários (...) elaborarão, por escrito, a Convenção de Condomínio", que, "além de outras normas aprovadas pelos interessados, (...) deverá conter a discriminação das partes de propriedade exclusiva, e as de condomínio, com especificações das diferentes áreas".

Portanto, tanto a lei quanto o próprio registro do imóvel estão a favor dos apelantes no caso em tela.

Nesse ponto, importante salientar que, no contrato de f. 17/21, firmado entre o apelado e a construtora que edificou o condomínio, consta que o apartamento de nº 303 teria 1 (uma) vaga de garagem com capacidade para três veículos de passeio. Logo, caso a diferença entre o contratado e o que efetivamente foi levado a registro porventura tenha iludido o apelado, este deveria ter pleiteado as perdas e danos contra a construtora que realizou a venda dos apartamentos, e não contra o outro condômino, dono da vaga que utiliza.

Importante salientar que as partes já litigaram no Juizado Especial Cível desta Capital sobre a mencionada vaga de garagem, e a r. sentença proferida naqueles autos (f. 73/75) reconheceu a prevalência do registro imobiliário do imóvel e do registro da convenção de condomínio.

A mesma sentença reconheceu ao autor naquela ação, ora apelado, o direito a pleitear perdas e danos por ter sido realizada promessa de compra e venda de 3 (três) vagas na garagem. Contudo, tal indenização jamais poderia ser imputada aos apelantes, pois não são partes no contrato de f. 17/21, o qual teria sido descumprido.

Assim, verifica-se que a vaga efetivamente pertence aos apelantes desde 31 de janeiro de 1996, consoante se extrai dos registros do imóvel e da convenção de condomínio. Dessa forma, estes jamais praticaram qualquer ato ilícito que ensejasse o pagamento de indenização pelo uso da referida vaga.

Lado outro, a prova testemunhal não convence que os apelantes efetivamente devam a quantia de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais). Se as partes fizeram uma reunião com a finalidade de tratar do assunto referente às vagas, não é crível que tenham chegado a um acordo de pagamento de tão elevada quantia sem qualquer tipo de formalização. Nesse sentido, entendo que o apelado não se desincumbiu de seu ônus de comprovar a existência do acordo.

Ademais, mesmo que tal acordo tivesse sido firmado, seria uma forma de imposição aos apelantes de uma dívida inexistente, pois o ato de registro, que dá publicidade à propriedade, foi válido, sendo que nele consta que os apelantes possuem três vagas de garagem. Assim, a utilização da vaga de garagem pelos apelantes seria simplesmente o gozo de um direito seu, visto que são os seus proprietários.

Portanto, é flagrantemente improcedente o pedido formulado na petição inicial, pois o eventual direito a perdas e danos invocado na sentença de f. 49/51, proferida no Juizado Especial Cível, não seria contra os apelantes, como, aliás, restou salientado no mencionado decisum. As perdas e danos seriam contra aquele que vendeu o apartamento dizendo possuir três vagas, mas que na realidade só possuía duas vagas.

Nesse mesmo sentido, a egrégia 3ª Câmara Cível do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais assim se pronunciou:

"Ementa: Possessória. Condomínio. Vaga de garagem. Documento administrativo. Propriedade. Prova. Registro imobiliário. Convenção de condomínio. Delimitação. Honorários. Art. 20, § 4°, do CPC.

- A propriedade de bem imóvel não se comprova com documento emitido por autoridade administrativa, mas mediante certidão do Registro Imobiliário.

- É a Convenção de Condomínio registrada no Registro de Imóveis, e não a planta arquivada na Prefeitura, que determina a extensão da propriedade exclusiva no condomínio horizontal, conforme a regra do art. 9°, § 3°, alínea 'a', da Lei 4.591/64.

- Nas ações possessórias, fixam-se os honorários advocatícios conforme a regra do art. 20, § 4°, do Código de Processo Civil, devendo a quantia ser compatível com o exercício digno da profissão e guardar proporção com o objeto litigioso" (TAMG, 3ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 334.944-8, Relator Juiz Edílson Fernandes, j. em 09.05.2001).

Posto isso, dou provimento ao recurso para reformar a r. sentença de primeiro grau e julgar improcedente o pedido formulado na inicial, uma vez que não há falar em indenização por perdas e danos, já que a vaga de garagem efetivamente pertence aos apelantes. Por conseqüência, condeno o apelado ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais).

Custas, pelo apelado.

DES. ALVIMAR DE ÁVILA - De acordo.

DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA - De acordo.

Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 11/03/2008

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.