Proposição que modifica Lei de Concursos recebe parecer de inconstitucionalidade

O Projeto de Lei nº 302/2003 (antigo PL Nº 1.786/2001), de autoria do Deputado Diniz Pinheiro, que pretendia modificar algumas normas da Lei de Concurso em Minas Gerais (Lei nº 12.919/98), recebeu parecer de inconstitucionalidade em razão do vício de iniciativa.
Pelo parecer, qualquer proposta, que vise disciplinar os concursos nos serviços notariais e de registro no Estado de Minas Gerais, deverá ter a iniciativa legislativa do Tribunal de Justiça.
O Projeto foi enviado para o plenário para votação do referido parecer.

Veja abaixo a íntegra do parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa:

PARECER PARA O 1º TURNO DO PROJETO DE LEI Nº 302/2003 - Comissão de Constituição e Justiça

Relatório - De autoria do Deputado Dinis Pinheiro, o projeto de lei em exame, resultante do desarquivamento do Projeto de Lei nº 1.786/2001, altera dispositivos da Lei nº 12.919, de 29/6/98, e dá outras providências.
Publicado no “Diário do Legislativo” de 27/2/2003, foi o projeto distribuído a esta Comissão e à de Administração Pública. Cabe a esta Comissão analisar a matéria quanto aos seus aspectos de juridicidade, inconstitucionalidade e ilegalidade, nos termos do art. 102, III, “a”, do Regimento Interno.

Fundamentação - O projeto de lei em tela pretende alterar a Lei nº 12.919, de 29/6/98, que dispõe sobre os concursos de ingresso e de remoção nos serviços notariais e de registros, previstos na Lei Federal nº 8.935, de 18/11/94, e dá outras providências.
É importante ressaltar que a Constituição Federal imprimiu um norte claro à matéria relativa às atividades dos notários e dos registradores, explicitando, no “caput” do art. 236, que elas serão exercidas em caráter privado, por delegação do poder público, ressalvados os casos em que tais serviços já tenham sido oficializados. Em seguida, no § 1º do mesmo dispositivo, a Carta Magna incumbiu o legislador ordinário de regular essas atividades, estabelecer as responsabilidades civil e criminal delas decorrentes e definir as regras de sua fiscalização pelo Poder Judiciário. Por fim, no § 3º do citado artigo, a Constituição inovou, consagrando o concurso público como única via, não só para a primeira investidura na titularidade de serventia do foro extrajudicial, como também para a remoção para outra serventia.
Em 1994, o art. 236 da Constituição da República foi regulamentado com a promulgação da Lei Federal nº 8.935, que disciplinou os serviços notariais e de registro. De acordo com a definição trazida pela lei, tais serviços são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, devendo o concurso para a sua delegação ser realizado pelo Poder Judiciário (art. 15). Estabelece, ainda, o referido diploma legal, que a legislação estadual deverá dispor sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção.
No âmbito estadual, a Lei nº 12.919, de 29/6/98, cuidou de estabelecer as normas para o ingresso e a remoção nos serviços notariais e de registro do Estado, complementando a normatização existente com o detalhamento necessário ao perfeito cumprimento dos ditames constitucionais.
O projeto de lei em análise pretende, pois, alterar a legislação estadual vigente, buscando, especialmente, conferir maior eficiência no provimento das serventias vagas.
Apesar da nobre intenção do legislador e dos diversos aspectos meritórios consignados no projeto, encontramos óbice de natureza formal à sua tramitação.
Com efeito, o art. 96, da Constituição Federal, prevê que compete privativamente aos tribunais organizar suas secretarias e os serviços auxiliares que lhes forem vinculados, bem como propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de cargos e a remuneração de seus serviços auxiliares, como também a alteração da organização e da divisão judiciárias (inciso I, alínea “b”, e inciso II, alíneas “b” e “d”, do art. 96 da Constituição Federal).
É importante destacar que as serventias notariais e de registros são tratadas pela referida norma federal como serviços destinados a auxiliar o Poder Judiciário na garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, devendo o concurso para a sua delegação ser realizado por aquele Poder. Registre-se também que esse é o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1935, entendeu que a criação de serventias cartoriais e o provimento dos seus cargos são matérias afetas à organização judiciária e de iniciativa dos tribunais de justiça, nos termos do art. 96, II, alíneas “b” e “d”, da Constituição Federal. Em sua decisão liminar, referendada por unanimidade pelos demais Ministros, o relator, Ministro Marco Aurélio de Melo, afirmou categoricamente que não vê “como dissociar os cartórios da própria organização, no sentido abrangente, do Judiciário”.
Também o art. 98 da Constituição Estadual confere ao Tribunal de Justiça a iniciativa da Lei de Organização e Divisão Judiciárias do Estado, que deverá conter a previsão das estruturas administrativa, judiciária, notarial e de registro.
Ademais, importa consignar que a própria Lei nº 12.919, de 1998, que se pretende alterar, teve o seu procedimento legislativo iniciado pelo Presidente do Tribunal de Justiça, no que foi acolhido por esta Casa. Tal lei, em seu art. 2º, determina expressamente que as delegações para o exercício das atividades notariais e de registro são criadas por lei de iniciativa do Tribunal de Justiça.
Como essa lei se encontra vigente e a alteração ora proposta nem sequer incide sobre o citado art. 2º, não há como sustentar a competência do legislador de inaugurar o processo legislativo para disciplinar o concurso para ingresso e remoção nos serviços notariais e de registro.

Conclusão - Diante do exposto, concluímos pela antijuridicidade, inconstitucionalidade e ilegalidade do Projeto de Lei nº 302/2003.

Sala das Comissões, 25 de setembro de 2003.
Bonifácio Mourão, Presidente - Ermano Batista, relator - Leonídio Bouças - Gilberto Abramo - Durval Ângelo.


Fonte: Site da ALMG - 31/10/2003