- É constitucional o inciso IV do art. 3º da Lei 8.009/90, que excepciona a
regra da impenhorabilidade do bem de família, em razão da dívida decorrente
de impostos predial e territorial, taxas e contribuições, em função do
imóvel familiar.
Incidente de inconstitucionalidade não acolhido.
Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade Cível n°
1.0701.08.217151-6/002 na Apelação Cível nº 1.0701.08.217151-6/001 - Comarca
de Uberaba - Requerente: Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais - Requerida: Corte Superior do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais - Relator: Des. Kildare Carvalho
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda a Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Sérgio Resende,
incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em desacolher
o incidente.
Belo Horizonte, 28 de abril de 2010. - Kildare Carvalho - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. KILDARE CARVALHO - Trata-se de incidente de inconstitucionalidade
instaurado nos autos dos embargos do devedor manejados por Sérgio Niemeyer
Ruas, contra a Fazenda Pública do Município de Uberaba.
O MM. Juiz singular julgou improcedentes os embargos à execução, afastando a
impenhorabilidade do imóvel familiar invocada pelo executado, a teor do art.
3º, IV, da Lei 8.009/90, cuja inconstitucionalidade restou afastada.
No julgamento da apelação, a Segunda Câmara Cível deste Tribunal de Justiça
de Minas Gerais entendeu por bem submeter à Corte Superior o incidente de
inconstitucionalidade relativo ao inciso IV do art. 3º da Lei 8.009/90, que
autoriza a penhora sobre o único imóvel de propriedade da família do
executado, em razão da dívida decorrente de imposto predial e territorial.
Passa-se à aferição da constitucionalidade do inciso IV do art. 3º da Lei
8.009/90, verbis:
"Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução
civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se
movido:
I - [...]
II - [...]
III - [...];
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar".
Registro, a propósito, que a norma constitucional em exame já foi objeto de
julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, que, por ocasião do Recurso
Extraordinário 439.003-5, da relatoria do Ministro Eros Grau, reconheceu ser
constitucional o inciso IV do art. 3º da Lei 8.009/90.
E, na mesma linha de entendimento do excelso Supremo Tribunal Federal, a
quem compete, por força do art. 102 da Constituição Federal, precipuamente,
a guarda da Constituição, que considerou constitucional a norma em sob
exame.
Isso porque, neste caso, a restrição ao direito de moradia, que, a
propósito, não significa necessariamente direito à casa própria, consiste em
instrumento de garantia de bens ou interesses coletivos merecedores de
tutela constitucional, também prevista na Constituição, que importa
preservar a implementação de outras formas de moradia, cujo direito foi
tratado pela Constituição Federal em três oportunidades, tal como ressaltado
pelo Ministro Carlos Britto, no Recurso Extraordinário 407.688-8.
No art. 6º, entre os direitos sociais ali enumerados, está a moradia, além
da educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social,
proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados.
No art. 7º, está a moradia entre as "necessidades vitais básicas".
No art. 23, inciso IX, a moradia, como política pública, inserida no rol das
competências materiais concomitantes do Estado, União, Distrito Federal e
dos Municípios.
A partir de tais ponderações, pode-se dizer que a Constituição não tratou do
direito à moradia somente no âmbito do proprietário da casa própria, mas
também como política pública dos entes estatais, seja na área social, seja
na área econômica.
Assim e neste contexto, forçoso concluir que, se, por um lado, o direito à
moradia foi outorgado pela norma constitucional, por outro lado, para se
tornar operativo e efetivo esse direito social, depende de prestações
positivas do Estado, que, em regra, se materializam através do imposto.
A natureza social do tributo decorre do fato de que a sua cobrança viabiliza
a realização da atividade estatal, materializada na melhoria das condições
de existência, para subministrar ao homem certos bens, além de criar
condições para a redução das desigualdades, e até mesmo implementar a
moradia como necessidade básica.
Contemporaneamente, o imposto, instituto de natureza pública previsto no
art. 145 da Constituição Federal, vem sendo utilizado para a formulação e o
atingimento de uma política econômica e social do Estado, quando, por
exemplo, se cuida dos incentivos fiscais que visam a estimular o
desenvolvimento de determinadas regiões ou indústrias, ou ainda da
progressividade da alíquota de certos tributos, visando a promover uma
equânime distribuição de rendas.
Assim sendo, há que se ter em mente o caráter social do tributo, visto como
meio de obtenção de recurso para a concretização de política pública
prevista na Constituição, por parte dos órgãos estatais, através de ações
concretas que asseguram a criação de serviços de educação, saúde, habitação,
subsídio de desemprego, dentre outros.
O certo é que, nesse caso, um direito fundamental social está cedendo lugar
a outro direito social.
E, como é por todos sabido, não existe direito absoluto, entendido como o
direito sempre obrigatório, sejam quais forem as consequências. Assim, os
direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados. Encontram limitações
na necessidade de assegurar aos outros o exercício desses direitos, como têm
ainda limites externos, decorrentes da necessidade de sua conciliação com as
exigências da vida em sociedade, traduzidas na ordem pública, ética social,
autoridade do Estado, dentre outras delimitações.
Ressalto, ademais, que não se trata de penhorabilidade tributária em razão
de todos os tributos, mas, apenas e tão somente, aqueles que mantêm
vinculação com o imóvel eleito como bem de família.
Isso posto, rejeito o incidente, para declarar a constitucionalidade do
inciso IV do art. 3º da Lei 8.009/90.
DESEMBARGADORES BRANDÃO TEIXEIRA, JANE SILVA, ALVIM SOARES, ANTÔNIO CARLOS
CRUVINEL, WANDER MAROTTA, GERALDO AUGUSTO, CAETANO LEVI LOPES, AUDEBERT
DELAGE, ERNANE FIDÉLIS, MANUEL SARAMAGO, ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO E
ALBERTO DEODATO NETO - De acordo.
DES. CLÁUDIO COSTA - Prevê o art. 1º da Lei nº 8.009, de 29.03.90, que:
"O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou
pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas
hipóteses previstas nesta lei".
As hipóteses previstas de impenhorabilidade estão consignadas no art. 3º da
referida lei, que dispõe:
"A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,
fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
[...]
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar".
O raciocínio por trás da exceção à impenhorabilidade do bem de família
insculpida no inciso IV do art. 3º da citada lei é que não se pode opor um
direito relativo - direito de propriedade, mitigado pelo não pagamento de
tributos a ela relativos - em face de outro direito, este à atividade
estatal, financiada, entre outras fontes, pelos referidos tributos, se o
primeiro direito não tem as condições de seu exercício adimplidas.
Ressalte-se que a exceção é condicional, ou seja, somente em caso de
inadimplemento dos tributos que "garantem" a propriedade é que a
impenhorabilidade do imóvel é mitigada, sem o que nem essa exceção
ocorreria.
Assim, constitucional a exceção à impenhorabilidade do bem de família.
Posto isso, julgo improcedente o presente incidente, para declarar a
constitucionalidade do inciso IV do art. 3º da Lei nº 8.009, de 29.03.1990.
É como voto.
DESEMBARGADORES RONEY OLIVEIRA, HERCULANO RODRIGUES, CARREIRA MACHADO,
ALMEIDA MELO, JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES, CÉLIO CÉSAR PADUANI, EDIVALDO
GEORGE DOS SANTOS, FRANCISCO KUPIDLOWSKI, SELMA MARQUES E BITENCOURT
MARCONDES - De acordo.
Súmula - DESACOLHERAM O INCIDENTE. |