STJ estende impenhorabilidade do bem de família ao imóvel residencial do devedor solteiro

O dispositivo da legislação (art. 1º da Lei nº 8.009/89) que garante a impossibilidade de penhora sobre o imóvel utilizado pelo casal ou entidade familiar pode ser estendido à residência da pessoa solteira. A interpretação ampliada da norma que estabelece a impenhorabilidade do bem de família foi adotada pela maioria dos ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça durante o exame de embargos de divergência propostos contra uma decisão tomada anteriormente pela Sexta Turma do STJ em um recurso especial. O julgamento foi alvo de um intenso debate e a decisão abre um precedente de grande importância sobre o polêmico tema, onde prevaleceu o entendimento inaugurado pelo ministro Humberto Gomes de Barros. 
Em dezembro de 1998, a Sexta Turma do STJ concedeu recurso especial ao solteiro paulista Benedito Guimarães da Silva, que teve a penhora de sua residência determinada pela primeira instância da justiça estadual em decorrência de um débito provocado por uma ação de despejo. O Tribunal de Alçada (SP) confirmou a medida sob o argumento de que a norma torna impenhorável "apenas o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, excluído, evidentemente, o bem de pessoa solteira". Esta decisão do TJ-SP foi afastada, contudo, pela Sexta Turma do STJ, para quem "a Lei nº 8.009/89 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário - à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade põe sobre a mesa a exata extensão da lei". 
Essa interpretação da Sexta Turma foi questionada pela defesa da credora de Benedito Silva - Iracema Sanguim, que propôs embargos de divergência ao próprio STJ, sob a alegação de que o mesmo Tribunal adotou posição diferente - a favor da penhora - em outros casos envolvendo a mesma circunstância: devedor que mora só. O recurso da credora foi então objeto do exame da Corte Especial, onde a questão foi relatada pelo ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. 
Em um minucioso voto, o relator da matéria registrou as posições adotadas pelo STJ diante de processos envolvendo a possibilidade de penhora do imóvel próprio de pessoas que vivem sozinhas. Segundo ele, a jurisprudência do Tribunal aponta para a impenhorabilidade da residência da viúva que mora ou não com os filhos, do ex-cônjuge separado judicialmente e de irmãos solteiros que vivam juntos. "Quanto à residência do devedor solteiro, que mora sozinho, esta Corte (STJ) vem admitindo a penhora", revelou. 
Após lembrar que "o cerne da controvérsia" estava centrado na interpretação do art.1º da Lei nº 8.009/89, Sálvio de Figueiredo citou a opinião de diversos juristas sobre o tema e as diferentes reflexões sobre o significado do termo "entidade familiar", inscrito na legislação. A partir do material recolhido, o relator afirmou que "família é conceito de relação, que envolve laços psicológicos, de afeto e intimidade entre seus membros, a distingui-la das pessoas jurídicas e também dos indivíduos dela integrantes". 
Dentro deste contexto, Sálvio de Figueiredo sustentou que "é de excluir-se da abrangência da família ou entidade familiar o devedor, individualmente considerado, que, residindo, sozinho, no único imóvel de sua propriedade, não goza de proteção própria conferida ao bem de família". O ministro do STJ fez questão de reconhecer, entretanto, a possibilidade de livrar o bem da penhora de acordo com cada caso. "Certo é que a variedade das situações não permite excluir, por exemplo, casos de desamparo a pessoas em condições individuais especialíssimas, o que já levou esta Corte, em alguns precedentes, a deixar impenhorável o único bem de pessoa viúva e idosa". 
"Essas peculiaridades, avaliáveis na esfera de cada espécie, não podem, contudo, ensejar a generalização de proteger-se o bem do devedor que reside sozinho", concluiu o relator ao conceder os embargos a fim de restabelecer a decisão do TJ-SP que previa a penhora do imóvel de Benedito Silva. 
Esta interpretação, contudo, foi questionada pelo ministro Humberto Gomes de Barros, para quem "a circunstância de alguém ser solitário não significa que esta pessoa tenha menos direito à moradia". "Muitas vezes, esta circunstância longe de lhe tirar o direito a um teto, recomenda tal providência", acrescentou. Segundo o ministro, o primeiro a divergir do relator, estender a impenhorabilidade ao imóvel próprio da pessoa solteira "significa ampliar a interpretação da lei face a um aspecto da maior importância: o direito à moradia". 
O mesmo posicionamento foi adotado pelo ministro César Asfor Rocha que citou diversas situações em que seria recomendável a impenhorabilidade do imóvel de devedores solteiros. "São tantas as hipóteses com que nos deparamos na riqueza da vida, que é melhor entendermos como propósito da lei a proteção do imóvel do devedor, seja solteiro ou não". Segundo ele, esta interpretação ampliada também não representará risco de aumento de inadimplência nos contratos privados. 
Já o ministro José Delgado argumentou que o entendimento divergente "está vinculado à proteção de valores humanos em sobreposição à tutela de valores econômicos". Além dele, decidiram pela impenhorabilidade do imóvel do devedor solteiro os ministros Ruy Rosado de Aguiar, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Edson Vidigal e Garcia Vieira. 


Fonte: Site do STJ - 07/02/2002