Imóvel rural: conceitos de módulo fiscal, módulo rural, módulo de exploração indefinida e fração mínima de parcelamento |
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Após receber muitas consultas referentes ao módulo de exploração indefinida (MEI), ao módulo fiscal (MF) e à fração mínima de parcelamento (que muitos equivocadamente a chamam de "módulo rural"), tornou-se importante concentrar, num único texto, as explicações necessárias sobre essas classificações que incidem sobre o imóvel rural e afetam a atividade profissional do registrador imobiliário e do tabelião. A fração mínima de parcelamento (FMP) é facilmente obtida pela simples leitura do CCIR de qualquer imóvel rural do município, mas tal certificado não traz os valores do módulo de exploração indefinida nem do módulo fiscal, que devem ser obtidos no site do Incra. Este texto tem por objetivo demonstrar, de forma simples e direta, o conceito, funções e fundamentação legal de cada um desses índices qualificadores do imóvel rural. 1. Módulo Fiscal (MF) O módulo fiscal (MF) é medido em hectares e é definido por Município, cuja tabela está anexa à Instrução Especial Incra nº 20, de 1980. Os municípios que foram criados após 1980 tiveram o valor de seu módulo fiscal fixado por outros atos normativos daquela autarquia federal. A única relevância do módulo fiscal para as atividades notarial e registral, ainda que bem indireta, é a previsão da gratuidade dos trabalhos técnicos georreferenciados aos proprietários de imóveis rurais com área total não excedente a 4 módulos fiscais (Lei dos Registros Públicos, artigo 176, §3º, e artigo 225, §3º). 2. Módulo Rural (MR) O módulo rural (MR) é estabelecido pelas dimensões da propriedade familiar e representa uma área mínima de terra calculada para cada imóvel rural, conforme estabelece o Estatuto da Terra:
Estatuto da Terra (ET) - Lei nº
4.504, de 30 de Novembro de 1964. Essa unidade de medida é fixada com base nos critérios determinados pelo artigo 11 do Decreto nº 55.891, de 31 de março de 1965:
Art. 11. O módulo rural,
definido no inciso III do artigo 4º do Estatuto da Terra, tem como
finalidade primordial estabelecer uma unidade de medida que exprima a
interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais
e a forma e condições do seu aproveitamento econômico. Sendo assim, o módulo rural varia não apenas quanto à localização do imóvel, mas também com relação ao tipo de exploração nele existente, podendo o imóvel ser, segundo a classificação do Incra, hortigranjeiro, de cultura permanente, de cultura temporária, de exploração pecuária, de exploração florestal ou de exploração indefinida. 3. Módulo de Exploração Indefinida (MEI) O módulo de exploração indefinida (o famoso MEI) é uma das espécies de módulo rural que é utilizado no controle das aquisições de imóvel rural por estrangeiro, previsto na Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, cujas regras principais encontram-se em seu artigo 3º:
Art. 3º - A aquisição de imóvel
rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 módulos de
exploração indefinida, em área contínua ou descontínua. O valor do módulo de exploração indefinida é determinado por ato administrativo do Incra:
Decreto n.º 74.965, de 26/11/71 -
Aquisição de imóvel rural por estrangeiro O valor em hectares do MEI está previsto na Tabela III da Instrução Especial Incra nº 5-A, de 1973, que depende da atenta leitura da Instrução Especial Incra nº 50, de 1997. Os dois atos normativos trazem anexos que devem ser interpretados conjuntamente. Desses anexos, extraí as tabelas simplificadas referentes ao Estado de São Paulo. O município de Conchas pertence à microrregião geográfica de Botucatu (código nº 23 do Estado de São Paulo), classificada como Zona Típica de Módulo (ZTM) A2. Por integrar a ZTM A2, todos os municípios dessa microrregião (com dois “erres” e não com apenas um, como a legislação do Incra tenta disseminar) possuem MEI de 10 hectares e, em interpretação simultânea com a Lei nº 5.868/72 e com o artigo 2º da IN nº 50/97, fração mínima de parcelamento de 2 hectares. Para identificar os itens de interesse direto do registrador imobiliário e do tabelião, as tabelas integrantes das instruções especiais em destaque devem ser utilizadas da seguinte forma: 1) Determinar a microrregião de seu município:
2) Identificar a Zona Típica de Módulo (ZTM) de sua microrregião:
3) Identificar o valor do módulo de exploração indefinida (MEI):
4. Fração Mínima de Parcelamento (FMP) 4.1 Conceito A fração mínima de parcelamento é a menor dimensão que um imóvel rural poderá ter, salvo situações especialíssimas previstas em lei. Vejamos inicialmente o artigo 65 do Estatuto da Terra:
Estatuto da Terra (ET) - Lei nº 4.504, de
30 de Novembro de 1964. Nesse dispositivo legal em especial, onde se lê “módulo de propriedade rural” leia-se “fração mínima de parcelamento”, denominação atual segundo a legislação posterior:
Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR)
- Lei nº 5.868, de 12 de Dezembro de 1972. Esses dispositivos legais estão em vigor e bastante atualizados. Note que o §3º da citação anterior teve sua redação fixada pela recente legislação do georreferenciamento. Devido à sua importância, por referir-se exatamente à responsabilização do registrador, convém analisar com mais atenção esse dispositivo: § 3º - São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos. Vejamos o que dá para extrair de tudo que foi aqui exposto:
não se pode dividir o imóvel rural com dimensão inferior à FMP fixada para a
respectiva localidade; 4.2 Fundamentação legal Para identificar o valor da fração mínima de parcelamento (FMP):
4.2 Exceções à regra da FMP: um exemplo na retificação de registro Uma situação muito comum que tem sido alvo de questionamento: um imóvel matriculado cortado por uma rodovia, que seja representado por duas glebas, sendo uma com dimensão inferior à FMP, pode resultar em duas matrículas distintas? Resposta: devido à existência de um bem público (imóvel público) entre as duas glebas, cada qual DEVERÁ ser descrita e qualificada em matrícula própria, pois existem ali dois imóveis e não apenas um, como ainda consta da matrícula a ser retificada. Explico. Primeiramente, deve-se analisar o caso da interceptação do imóvel por uma estrada.
Com a passagem da estrada, que indubitavelmente é um bem público de uso comum do povo, o imóvel original passou a ser formado por duas glebas, distintas, separadas por um outro imóvel, que é a estrada. De acordo com a legislação registral imobiliária, todo imóvel deve ser descrito em uma matrícula e esta deve conter tão-somente um único imóvel. Este é o princípio da unitariedade da matrícula, previsto no §1º do artigo 176 da Lei dos Registros Públicos. Considerar essas duas glebas como um único imóvel encontraria duas barreiras lógicas. A primeira: a estrada não poderia ser incluída como área privada, sendo imperativa a separação do bem público do patrimônio privado. Uma das maiores responsabilidades do registrador, hoje em dia, é impedir que áreas públicas sejam incluídas em títulos particulares. Isso tem ocorrido muito nas últimas décadas, mas não exatamente pelos motivos divulgados pelo Governo (fraude em cartórios), mas por uma série de outras situações, das quais pode-se destacar a “falta de controle dos dados registrados”. Muitas áreas públicas foram incluídas em matrículas em ações judiciais de usucapião e retificação. Também ocorreu pela alteração unilateral, sem qualquer controle, das descrições dos imóveis quando das alienações, parcelamentos e unificações. Na maioria dos casos, sem qualquer dolo por parte do registrador, mas o erro ocorreu e muitos desses problemas estão sendo descobertos hoje. Uma das justificativas para criar a legislação do georreferenciamento foi a necessidade de separação do bem público do particular. Hoje, isso não é apenas uma aspiração; agora, isso é a regra a todos nós imposta. A segunda barreira: optando-se pela simples averbação da existência da estrada no interior do imóvel, estaria aí violando vários princípios, dentre eles o da especialidade objetiva, pois não seriam descritas de forma correta as duas glebas, e o da unitariedade da matrícula, pois o fólio real estaria representando dois imóveis e não apenas um. Defender essa tese seria aceitar o fim do princípio da unitariedade da matrícula, que aperfeiçoou o complicado sistema anterior das transcrições e trouxe a necessária clareza para o registro público imobiliário. Superada essa discussão e sendo aberta uma matrícula para cada gleba resultante, surge outra questão: o fato de uma das glebas (a Gleba B, com 1,8 hectare) ter dimensão inferior à fração mínima de parcelamento (que, em Conchas, é de 2 hectares). O que fazer neste caso? Toda essa explicação sobre o princípio da unitariedade da matrícula serve apenas para destacar a lógica do sistema e da necessidade de abertura de matrícula para a área isolada. Isso porque a própria legislação agrária não impede essa providência. Note que a referida legislação proíbe apenas:
a divisão do imóvel em partilhas judiciais e amigáveis (Estatuto da Terra,
artigo 65); e Ambas as hipóteses se referem à intenção do proprietário em parcelar o imóvel rural, ou seja, a lei proíbe o parcelamento voluntário sem a observância da fração mínima de parcelamento. Além disso, essa regra da não-divisão do imóvel em área menor que a FMP não é absoluta. O Decreto nº 62.504/68 traz hipóteses de mitigação da regra do artigo 65 do Estatuto da Terra. Art. 2º - Os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir unidades com destinação diversa daquela referida no Inciso I do Artigo 4º da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, não estão sujeitos às disposições do artigo 65 da mesma lei e do artigo 11 do Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, desde que, comprovadamente, se destinem a um dos seguintes fins: [...] O Decreto enumera várias hipóteses permissivas do parcelamento de área menor à FMP, que dependem de prévia autorização do Incra, para a instalação de estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços comunitários (postos de combustível, indústrias, escolas, igrejas e templos em geral, cemitérios, etc.). Além das hipóteses de desmembramento por interesse privado, há também as hipóteses de parcelamento decorrentes da supremacia do interesse público sobre o privado. É o que ocorre nas desapropriações de parcela de imóvel rural, deixando remanescer com o expropriado área com dimensão menor à fração mínima de parcelamento. O referido decreto nem precisaria tratar do assunto, haja vista a presença do “fato do príncipe”, a força maior que se sobrepõe ao particular, o “jus imperii” justificador da criação do imóvel rural com dimensão abaixo da legalmente permitida. Mesmo sem essa necessidade, o decreto tratou do assunto com bastante coerência:
Art. 2º - Os desmembramentos de
imóvel rural que visem a constituir unidades com destinação diversa…
Art. 3º - Os desmembramentos
referidos no inciso I do Artigo 2º deste decreto independem de prévia
autorização do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, devendo o
desapropriado: Vejamos a situação de um imóvel rural, inicialmente de área contínua, sobre o qual passou uma estrada. Como a estrada é um bem público, ocorreu uma desapropriação, independentemente de ter ou não observado o devido processo legal, pois o bem já se torna público pela sua destinação sem a necessidade de qualquer formalidade. A lei tanto aceita essa forma irregular de desapropriação que garante ao expropriado apenas um único direito: o de ajuizar uma ação de desapropriação indireta, para requerer apenas a justa indenização, uma vez que o bem não poderá ser recuperado, salvo em raríssimas situações. Além disso, esse direito do expropriado não é eterno, havendo um prazo prescricional de 10 anos (20 anos na vigência do Código Civil de 1916). Sendo assim, uma retificação da descrição tabular do imóvel interceptado por via pública deverá gerar a abertura de duas ou mais matrículas, independentemente de um dos imóveis ter dimensão inferior à FMP. A atuação do registrador, nessa hipótese, não configura a infração prevista no §3º do artigo 8º da Lei nº 5.868/72, pois seu ato registral não estará dividindo o imóvel (a divisão ocorreu antes pelo “fato do príncipe”), mas apenas retificando o dado incorreto/defasado do registro público imobiliário. |
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Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB n.3280 - 03/04/2008
Nota de responsabilidade |
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