A transferência de bens do devedor para se prevenir de uma futura execução
pode ser desfeita pela Justiça mesmo que tenha ocorrido antes da
constituição da dívida, bastando que se evidencie a intenção de fraude
contra o credor. Com essa tese, a Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial interposto por um grupo de
devedores de São Paulo e permitiu que a transferência de seus bens a
terceiros seja declarada ineficaz.
Um dos autores da manobra era sócio de concessionária de veículos que,
segundo informações do processo, cometeu várias irregularidades em contratos
financeiros, em prejuízo do banco financiador. Descoberta a fraude, a
empresa concordou em assinar documento de confissão de dívida e deu ao banco
notas promissórias que não foram pagas.
Ainda segundo o processo, desde que as irregularidades começaram a ser
apuradas, a família do sócio da empresa tratou de se desfazer dos bens que
poderiam vir a ser penhorados em futura execução. Primeiro, o empresário e
seus familiares próximos – comprometidos por aval com as notas promissórias
– criaram duas empresas e transferiram seus imóveis a elas. Em seguida,
cederam suas cotas societárias para empresas off-shore localizadas em um
paraíso fiscal.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, observou que, em
princípio, uma transferência de bens só pode ser considerada fraude contra o
credor e, assim, desfeita pela Justiça, quando ocorre após a constituição da
dívida. Em alguns casos, porém, segundo ela, a interpretação literal da lei
não é suficiente para coibir a fraude.
“O intelecto ardiloso intenta – criativo como é – inovar nas práticas
ilegais e manobras utilizadas com o intuito de escusar-se do pagamento ao
credor. Um desses expedientes é o desfazimento antecipado de bens, já
antevendo, num futuro próximo, o surgimento de dívidas, com vistas a afastar
o requisito da anterioridade do crédito”, afirmou a ministra em seu voto.
Os demais integrantes da Terceira Turma concordaram com a posição da
relatora, no sentido de relativizar a exigência da anterioridade do crédito
sempre que ficar demonstrada a existência de fraude predeterminada para
lesar credores futuros. Em seu voto, Nancy Andrighi ressaltou que o STJ já
havia adotado esse entendimento pelo menos uma vez, em 1992, em recurso
relatado pelo ministro Cláudio Santos.
REsp 1092134 |