Solidariedade entre incorporadora e construtora não é absoluta em relação ao habite-se

A construtora de imóveis terá responsabilidade solidária com a incorporadora apenas se não requerer a averbação das edificações no Registro de Imóveis, após a obtenção do “habite-se” pelo incorporador, se este for omisso em relação a tal averbação. A conclusão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deu provimento ao recurso da construtora Cymbal Engenharia Ltda., do Rio de Janeiro, para ser excluída do processo de um casal adquirente de imóvel.
Ricardo Luiz Maciel Andrade Batista e a esposa adquiriram da Incorporadora Beatriz Areza um apartamento na Lagoa, no Rio de Janeiro, construído pela Cymbal. O imóvel deveria ser entregue totalmente concluído e com o respectivo “habite-se”, devidamente registrado no Registro Geral de Imóveis, o que não ocorreu. O casal entrou, então, na Justiça, com uma ação de obrigação de fazer contra a construtora e incorporadora, exigindo a apresentação dos documentos. Requereu, ainda, indenização por perdas e danos. 
“Tal demora acarreta sérios prejuízos ao suplicante por estar impedido de registrar o título definitivo por falta do “habite-se”, incorrendo em despesas mensais de prenotação no Registro Imobiliário do título que possui, no caso a escritura de compra e venda. Isso mês a mês, a fim de evitar que outros também possam registrar qualquer título referente a seu imóvel”, argumentou o advogado do casal. 
A incorporadora se defendeu, alegando que o “habite-se” não foi obtido por causa da transformação do dúplex em triplex realizada pelo casal. “As benfeitorias realizadas após o alvará de construção e em desacordo com o projeto inicial (memorial) aprovado pela autoridade municipal implica necessariamente na impossibilidade da concessão do “habite-se”, devendo-se, para tanto, a fim de que seja regularizada tal situação, ser quitada a denominada “mais valia”, o que não foi providenciado”, afirmou.
A construtora também contestou, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva para estar no processo. “A contestante, Cymbal Engenharia Ltda, não compareceu ao ato de promessa de compra e venda, por não ser titular de qualquer domínio, direito ou ação, sobre a fração ideal e respectivas benfeitorias, sendo da promitente vendedora a responsabilidade exclusiva pela venda realizada, nas condições constantes”, afirmou. “Ao argumento de que a firma contestante é solidária na apresentação do ‘habite-se’, por ser construtora do empreendimento em que a primeira ré é incorporadora, contrapõe-se o texto expresso de lei, que fixa esta solidariedade para o caso de não ser requerida a averbação da construção, após a expedição do ‘habite-se’, e tão-somente neste caso”, protestou. 
Em primeira instância, a ação foi julgada parcialmente procedente, apenas em relação à incorporadora. Ambos apelaram. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu parcial provimento à apelação, considerando que a omissão torna o construtor devedor solidário, mas que o atraso no cumprimento da obrigação não caracteriza dano moral. “A alegação de realização de obras irregulares, que teriam sido efetuadas pelo comprador, retardando o deferimento do ato administrativo, deve ser demonstrada. Provas oral, documental e pericial conclusivas, no sentido de que o imóvel foi adquirido pronto”, observou o TJ/RJ.
Embargos de declaração das rés foram rejeitados posteriormente, e a construtora recorreu ao STJ, afirmando não ser responsável solidária. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, concordou, afirmando que o simples construtor, em princípio, não está responsável pelas obrigações assumidas pelo incorporador. “A obtenção do denominado “habite-se” mostra como uma obrigação do incorporador acessória à obrigação de entregar ao adquirente a sua unidade autônoma, considerou a relatora. “Ora, obrigar a construtora a obter o “habite-se” poderia equivaler a obrigá-la a ultimar a obra, obrigação esta típica do incorporador”, explicou. 
Para a ministra, o disposto no § 1º do artigo 44 da Lei 4.591/64 determina a responsabilidade solidária do construtor apenas se o mesmo não requerer a averbação das edificações no Registro de Imóveis, após a obtenção do “habite-se” pelo incorporador e a omissão deste em requerer a mencionada averbação. “Forte em tais razões, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença no tocante à extinção do processo em relação à construtora “Cymbal Engenharia Ltda., ora recorrente, restabelecendo também os honorários advocatícios sucumbenciais fixados em 15% sobre o valor dado à causa”, concluiu Nancy Andrighi.


Fonte: Site do STJ - 25/06/2003