Desvalorização chega a 50% caso o imóvel não esteja regularizado. Em
BH, estima-se que, em alguns bairros, até 70% das casas até R$ 30 mil
não tenham documentação
A falta de registro do imóvel atormenta as
finanças e as possibilidades de negócio de centenas de moradores e
comerciantes em diversos bairros de Belo Horizonte. Para dar uma idéia
de como o problema se alastrou ao longo dos anos na capital mineira,
pelo menos 28 mil imóveis não têm registro. A secretária de Regulação
Urbana, Gina Rende, estima que cerca de 40% em alguns bairros e até 70%
em outros, de um total de 70 mil imóveis avaliados em até R$ 30 mil,
estão irregulares. “Em geral, as empresas loteadoras são culpadas. Elas
não obedeceram a legislação federal que determina uma infra-estrutura
mínima de lazer e equipamentos públicos essenciais,para que essas áreas
fossem aprovadas”, afirma.
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Fruto do crescimento desordenado da região Noroeste de BH, as casas e o
comércio que batizaram com o nome Milanez um bairro ainda à espera de
aprovação pela prefeitura, apesar de seus mais de 20 anos de idade, são
alvos de uma cruel desvalorização. Sem o registro de propriedade do
imóvel, o sobrado em estilo colonial à venda por R$ 110 mil na rua Três
com 180 metros quadrados, três quartos com suíte, três salas,
escritório, ampla cozinha e área de serviço pode ter perdido até metade
do seu valor de mercado. Nos bairros vizinhos, como o Alípio de Melo e o
Padre Eustáquio, onde a prosperidade chegou primeiro, a perda seria
ainda maior. O preço para o mesmo sobrado poderia subir a R$ 180 mil,
conforme estimativas de corretores.
DESENVOLVIMENTO
A falta do registro dos imóveis também atrasa o desenvolvimento
econômico. É o caso de Venda Nova, região servida por um centro
comercial que tem vida própria, mas amarga o desperdício de bons lotes
localizados em ruas movimentadas sem perspectivas de ser utilizados,
enquanto não receberem o título de propriedade. Rígida, a lei exige
todos os registros anteriores do imóvel para que seja concedido o título
de propriedade, explica o advogado José de Souza Machado, responsável
pelo cartório de Venda Nova. “Sem o registro, não se aprova projetos nos
prefeitura e não se consegue financiamento para bancálos.” Souza Machado
acredita que pelo menos 15% das áreas do centro comercial não possuem o
documento de origem. São atraentes lotes de 360 metros quadrados sem
uso, avaliados em R$ 200 mil.
No Primeiro de Maio e no Providência, aglomerados populosos da região
Norte, a dificuldade tem raízes nos anos 50, quando a Prefeitura de BH
incentivava a ocupação urbana, ao ceder lotes ou leiloá-los a preços
simbólicos para os trabalhadores que chegavam. Entre 6 mil famílias,
pelo menos metade não tem o documento de propriedade, calcula o padre
Pier Luigi Bernareggi, da Paróquia de Todos os Santos, que se envolveu
numa espécie de campanha pela regularização dos imóveis, em
solidariedade aos fiéis. “Não há como fazer a partilha entre os parentes
de um bem não registrado”, afirma padre Pier.
Os lotes do quarteirão da rua Olímpio da Silva Lima, no Providência,
onde mora Maria Lúcia Michetti, foram registrados pela Prefeitura de
Santa Luzia em 1974, mas o documento é contestado pela prefeitura da
capital, atual senhora dos domínios do bairro. Há mais de 15 anos, ela e
o marido José Geraldo Santos tentam regularizar o imóvel, sem sucesso,
apesar de terem recorrido à Justiça e obtido sentença determinando o
registro. “Cansei de brigar por um direito de cidadania, que é meu e de
minha família. Esse direito está sendo violado”, desabafa Lúcia.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
A disseminação de centros de comércio e de serviços nos bairros deve
ser estimulada por qualquer planejador que tenha visão de cidade grande.
Cria empregos
mais perto da moradia, evita deslocamentos e reduz o custo de vida de
boa parte da população. De quebra, alivia a pressão sobre os corredores
do trânsito. É, portanto, urgente que as autoridades, incluindo as do
Judiciário, trabalhem para corrigir essa imperdoável omissão do passado
que permitiu a ocupação ilegal e desordenada do espaço urbano, com
prejuízos para o desenvolvimento da cidade. (Pedro Lobato)
Lei vai regularizar situação
A Prefeitura de BH promete regulamentar
ainda este mês a Lei 9.174, de janeiro deste ano, com o objetivo de
regularizar boa parte dos casos de imóveis sem registro na cidade. A lei
contempla aqueles casos em que não houver litígio, ou seja, dúvida que
gerou processo na Justiça sobre quem é o proprietário do imóvel. A
prefeitura assumirá a responsabilidade de regularizar aqueles imóveis
com valor até R$ 30 mil. Se o morador não tiver pressa, deve aguardar em
casa o habite-se para ser levado ao cartório de registro. Os
levantamentos começaram pelos bairros Nova Vista e Boa Vista.
Eustáquio Francisco da Cruz, funcionário antigo do Cartório do 3º
Ofício, no Centro de BH, confere livros, consulta documentos e afirma
que chega a 60% a parcela dos imóveis em uma dezena de bairros da zona
Noroeste em que os moradores só têm a promessa de compra e venda. Um dos
casos mais comuns é de moradores do Alípio de Melo, região que se formou
a partir da venda de terras da família do coronel que deu nome ao
bairro. São 13 herdeiros até a quarta geração no inventário. Para obter
o registro, todos eles teriam de constar no documento do imóvel, cedendo
o título de propriedade e é aí que se arma a confusão. “Existem imóveis
que passaram pelas mãos de cinco dos seis irmãos da família, cada um com
seus herdeiros”, recorda Cruz.
ALUGUEL MENOR Antônio Santos Andrade trabalha há dez anos com aluguel e
venda de imóveis na região Noroeste de BH e aponta dificuldades,
sobretudo quando nem mesmo o bairro é aprovado pela poder municipal. “Há
burocracia e lentidão no serviço. Os imóveis sem registro perdem até 50%
de seu valor e ainda que desvalorizados é difícil vendê-los.” Até mesmo
a Igreja Católica luta há dois anos para conseguir o registro de seus
lotes em Venda Nova e pediu usucapião à Justiça. “Demos um passo
gigantesco retomando imóveis ocupados por parentes de outros párocos,
por escola e imóveis alugados”, conta o padre Célio Diniz.
O advogado José de Souza Machado identificou irregularidades também em
loteamentos do bairro Jardim dos Comerciários. João Teixeira, com seus
73 anos, dirige a associação local dos moradores esperançoso de um dia
conseguir que mais de 2 mil famílias recebam o registro. “Estamos nessa
briga há mais de 15 anos. Há quem venda por R$ 20 mil lotes que valeriam
até R$ 35 mil se a pessoa tivesse o registro”, afirma.
As advogadas Inêz Soares Barcelos e Elizabeth Freitas de Souza trabalham
em ações para regularizar a posse de moradores dos bairros Alípio de
Melo, Calafate e no Bairro das Indústrias em imóveis adquiridos há até
20 anos. “As pessoas se acomodam, diante da primeira dificuldade”,
afirma Inêz. Ao todo, são 18 casos na Justiça, entre os
solucionados e aqueles em andamento. Foi necessária uma longa pesquisa
nos cartórios para descobrir a história de cada imóvel e identificar os
herdeiros do vendedor. “Além de o imóvel estar irregular, o grande
problema é que as pessoas não têm qualquer informação sobre como podem
resolver o problema”, conta Elizabeth Souza.
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