Brasília (DF) - O Registro Civil das Pessoas Naturais do Brasil está muito
próximo de passar por uma revolução em bem pouco tempo. Após quase dois anos
de discussão em diversas reuniões realizadas em Brasília (DF), e de uma
união de esforços entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, o Governo
Federal deverá apresentar à sociedade o novo Sistema Nacional de Informações
de Registro Civil (SIRC).
O novo sistema prevê a completa reestruturação das informações de
nascimento, casamento e óbito dos cartórios extrajudiciais, por meio da
gestão compartilhada dos dados das serventias pelos Poderes Executivo e
Judiciário, que passarão a controlar a base nacional de dados da população
brasileira, por meio de um sistema padronizado de identificação dos
cartórios, registros da população, envio de informações ao Poder Judiciário
e emissão de documentos.
O órgão responsável pelo desenvolvimento do projeto SIRC será o Conselho
Nacional da Justiça (CNJ), que compartilhará a base de dados dos cartórios
extrajudiciais com os ministérios da Justiça, Planejamento, Orçamento e
Gestão, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Previdência Social, Saúde,
Defesa, Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e Relações
Exteriores, além do fornecimento de dados ao Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e Dataprev.
Presente a todas as discussões envolvendo o Grupo de Trabalho (GT) criado
pelo Governo Federal para instituir o SIRC, a Arpen-Brasil, por meio de seu
ex-presidente José Emygdio de Carvalho Filho, ponderou durante todo o
projeto junto aos interlocutores do Governo sobre as diferentes realidades
observadas no território nacional, sejam elas geográficas ou normativas, que
impediam que os registradores civis operassem em procedimentos uniformes.
A Arpen-Brasil apresentou ainda uma regulamentação nacional para a
atividade, discutida no Congresso Nacional da entidade em Natal, em 2006,
bem como relatou a atual falta de sustentabilidade da atividade em muitos
estados da federação, em razão da gratuidade dos registros de nascimento e
óbito, instituída em 1997. Exemplos de iniciativas pioneiras da atividade,
como a intranet em São Paulo, também foram apontados e demonstrados ao GT.
"Durante muito tempo estivemos chamando os registradores para participar
deste debate que define o futuro da nossa atividade", relatou o
ex-presidente da Arpen-Brasil, José Emygdio de Carvalho Filho. "No entanto,
deixamos discussões menores tomarem-se prioridades para muitos colegas e
hoje a realidade à qual nos deparamos já caminha a passos largos para uma
definição final que hoje já foge das nossas mãos", completou Carvalho Filho.
As fragilidades do sistema do registro civil brasileiro, identificadas pelos
órgãos públicos acabaram não encontrando soluções que fossem oferecidas pela
própria classe, entre elas "a inexistência de um único cadastro nacional de
pessoas registradas", aponta o relatório síntese do SIRC. "Em São Paulo, por
meio de uma iniciativa do Guedes (Antônio Guedes Netto, ex-presidente da
Arpen-SP) iniciou-se o projeto do Banco de Dados, que hoje poderia ser um
modelo à ser apresentado ao Governo Federal. No entanto, este projeto que
tinha tudo para ser inovador encontra-se paralisado", apontou Carvalho
Filho.
Matrícula única para registros civis
O SIRC criado pelo Grupo de Trabalho instituído pelo Governo Federal exige
uma matrícula única, capaz de particularizar as certidões nos depósitos
digitais de informações de nascimento, casamento e óbito. A partir da
estruturação do Cadastro Nacional de Serventias criado pelo CNJ, e da
identificação por números dos cartórios de registro civil, bem como dos
acervos por eles administrados, com regras de preservação desses códigos e
de manutenção de históricos estruturados nacionalmente, passa a ser possível
criar uma matrícula única de certidão a partir dos próprios dados já
existentes nas certidões, apenas padronizando-os e agrupando-os de forma a
permitir a geração de dígito de validação.
A matrícula única das certidões deverá ser de padrão nacional, única para
cada registro de nascimento, casamento e óbito, permitir a autovalidação,
possível de ser aplicada em qualquer serventia e deve constar em área de
destaque no documento. Seu número portanto será composto pelos códigos da
serventia, acervo, ano do registro, livro, folha, número do termo e dígito
de verificação.
O sistema permite ainda a geração de matrícula única mesmo nos registros
lavrados antes da implantação do SIRC, seja por ocasião de atender a geração
de uma segunda-via, ou no momento de efetuar anotações nos assentos. Também
obedecerá a Arquitetura de Interoperabilidade de Governo Eletrônico (e-PING),
normatizado pelo Poder Executivo.
Centralização de Dados
Outro elemento central da arquitetura SIRC é a reorganização do fluxo de
dados entre cartórios e os órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário, com a
criação da Base de Dados Nacional de Registro Civil, que terá suas bases
estaduais consolidadas nos Tribunais de Justiça, replicadas no CNJ. Os
órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário terão acesso às informações
necessárias na base nacional e não mais diretamente das serventias.
Deficiências do sistema de registro civil
Segundo o relatório síntese do SIRC, elaborado pelo Governo Federal, "o
atual sistema brasileiro de registro civil não adota procedimentos
uniformes, não é único, sustentável, moderno, informatizado, capaz de
mobilidade e não adota papel de segurança para a emissão de certidões".
Ainda segundo o estudo do Grupo de Trabalho "o Brasil é um dos poucos países
em que o poder público delegou constitucionalmente ao poder privado a
atribuição do registro civil de pessoas naturais".
A inexistência de um padrão nacional de informação na certidão de nascimento
"não permite a verificação automática do conteúdo da certidão, facilita
erros de transcrição, impossibilita seu processamento e controle automático,
dificulta a redução da multiplicidade de registros para uma mesma pessoa nos
cadastros e provoca elevados custos de processamento, impedindo também a
existência de um banco de dados digital nos registros civis".
O relatório aponta ainda a existência de certidões de nascimento sem lastro
no registro civil, sobretudo no interior, sendo possível falsear - na maior
parte dos estados da federação - as certidões que vão permitir a obtenção
dos demais documentos. Os três bancos de dados existentes para cadastros das
serventias - Ministério da Justiça, Dataprev e IBGE - serão deixados de
lado, para a uniformização dos cartórios pelo cadastro do CNJ.
A falta de informatização do sistema de registro civil brasileiro também é
apontada no relatório como empecilho para um fluxo de informação de
qualidade, impedindo a verificação de registros múltiplos para uma mesma
pessoa. A necessidade do lançamento dos registros em livros, de forma
seqüencial, impede a saída do livro do cartório, dificultando as estratégias
de fazer o registro civil chegar à população que mora longe da sede, bem
como o deslocamento dos serviços.
O relatório discrimina ainda a inexistência de forma descentralizada de
obtenção de segundas vias de certidão, para aqueles que vivem longe do lugar
onde nasceram, existindo apenas um serviço privado pela internet, não
gratuito, que somente abrange cerca de um terço do território nacional, onde
pode se solicitar a segunda via da certidão, "desde que o demandante possa
fornecer todos os dados para a localização imediata do registro, o que não
atende às condições da população em situação de pobreza".
Da mesma forma são apontados como precários os fluxos de informações
estabelecidos entre os cartórios e o ambiente de governo eletrônico,
principalmente a Saúde, permitindo a possibilidade de se efetuar mais de um
registro civil para uma mesma Declaração de Nascido Vivo (DNV). O sistema
não permite ainda a identificação de brasileiros adultos sem registro civil,
bem como de nascidos vivos, mesmo assim de forma estatística e ainda com
defasagem de dois anos.
"O cenário atual de armazenamento e acesso a registros civis é tal que o
setor público fica à espera de que o cidadão interaja com seus sistemas de
informação para que possa enxergá-lo para fins de planejamento de ações
sociais", finaliza o estudo.
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