DIREITO PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - CONTRATO DE
EMPRÉSTIMO SEM A ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS - EXISTÊNCIA DE NOTA
PROMISSÓRIA EMITIDA CONCOMITANTEMENTE À CONTRATAÇÃO, COM BASE NO VALOR DA
OPERAÇÃO - POSSIBILIDADE - VALIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO
- Em linha de princípio, o contrato, ainda que não assinado por duas
testemunhas, consubstancia um acordo válido, salvo nas hipóteses expressas
previstas em lei. A falta da assinatura das testemunhas somente lhe retira a
eficácia de título executivo (art. 585, II, do CPC), não a eficácia de
regular instrumento de prova quanto a um ajuste de vontades.
- Sendo válido o contrato de financiamento, a nota promissória emitida como
garantia também é válida, em especial se inexistirem elementos capazes de
indicar que seu preenchimento se deu em momento posterior ao ajuste, em
desconformidade com a vontade do devedor. "A ausência de duas testemunhas no
contrato, portanto, não retira da cambial sua eficácia executiva".
Precedentes do STJ (REsp 999577/MG).
Apelação Cível n° 1.0024.09.725939-4/001 - Comarca de Belo Horizonte -
Apelante: Banco Bradesco S.A. - Apelados: Flávio de Souza Soares - firma
individual, Flávio de Souza Soares - Relator: Des. Lucas Pereira
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Mariné da
Cunha, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar
provimento ao recurso para cassar a sentença.
Belo Horizonte, 18 de novembro de 2010. - Lucas Pereira - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. LUCAS PEREIRA - Trata-se de execução proposta por Banco Bradesco S.A.,
em desfavor de Flávio de Souza Soares - firma individual e Flávio de Souza
Soares.
Consta da inicial que a instituição financeira autora detém crédito em
aberto junto à parte ré, representado por instrumento particular de contrato
de financiamento (capital de giro) e cédula de crédito bancário, no valor de
R$ 28.171,97 (vinte e oito mil cento e setenta e um reais e noventa e sete
centavos).
Seguidamente, o MM. Juiz a quo assinalou que o contrato que embasa a
pretensão executiva não se encontra assinado por 2 (duas) testemunhas, mas
apenas pelo banco exequente, pelo financiado e pelo devedor solidário. Por
fim, julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos previstos
no art. 267, I, do CPC.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação. Argumentou, em resumo,
que a inicial se encontra instruída com título hábil a aparelhar a ação
executiva. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso, a fim de viabilizar
o regular prosseguimento do feito em seus ulteriores termos.
Como a parte ré sequer havia sido citada, não foram ofertadas contrarrazões.
É o relatório.
Juízo de admissibilidade.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Mérito.
De acordo com a jurisprudência do STJ, a execução extrajudicial pode ser
lastreada em mais de um título executivo (Súmula 27/STJ).
Acerca de tal possibilidade, Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de
direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. IV, p. 220)
assinala que "a conjugação de títulos pode ser apta a lhe propiciar [ao
credor], conforme o caso, maior segurança quanto aos destinos da execução,
porque eventual questionamento da eficácia de um deles não atinge a do
outro". A título ilustrativo, Dinamarco observa que "a eficácia do contrato
como título executivo não fica prejudicada pela ineficácia da nota
promissória, de modo que a prescrição do crédito cambiário deixa intacta a
obrigação assumida no contrato" (op. e p. cit., nota 7).
Na espécie, verifica-se situação oposta à da mencionada pelo Professor
Cândido Dinamarco. Aqui, em vez de se discutir a contaminação do contrato
pela nota promissória, discute-se a influência daquele na eficácia executiva
desta.
De acordo com a tese consagrada na sentença, o contrato de financiamento de
capital de giro que originou a dívida não poderia lastrear a ação executiva
por não ter sido subscrito por duas testemunhas.
Note-se que, no direito contratual brasileiro, vigora o princípio da
liberdade quanto à forma, de modo que as convenções se aperfeiçoam mediante
o simples acordo de vontades (art. 107 do CCB/2002). A exigência de
instrumento escrito, como pressuposto de validade do contrato, possui
caráter excepcional (v.g., arts. 108 e 541 do CC/02), sendo certo que a
exigência de subscrição por duas testemunhas é ainda mais rara (v.g. art.
215, § 5º; art. 1.525, inc. III).
De tal modo, a necessidade de contrato escrito, na maior parte das vezes,
destina-se apenas a constituir meio de prova da celebração da avença.
Assim, em linha de princípio, o contrato, ainda que não assinado por duas
testemunhas, consubstancia um acordo válido. A falta da assinatura das
testemunhas somente lhe retira a eficácia de título executivo (art. 585, II,
do CPC), não a eficácia de regular instrumento de prova quanto a um ajuste
de vontades.
Ora, se é válido o contrato de financiamento, a nota promissória emitida
como garantia também é naturalmente válida, em especial se observarmos que
inexistem elementos nos autos que indiquem que seu preenchimento se deu em
momento posterior ao ajuste, em desconformidade com a vontade do devedor.
Com relação à eficácia executiva da nota promissória, ressalto não
desconhecer a existência de precedentes do STJ no sentido de que a nota
promissória emitida em garantia a contrato de abertura de crédito em
conta-corrente não goza da autonomia necessária ao aparelhamento de uma ação
de execução (Súmula 258/STJ).
Ocorre que as peculiaridades desse tipo de contrato (abertura de crédito em
conta-corrente) não se confundem com a hipótese dos autos. Um contrato de
conta-corrente não apresenta, a priori, a representação precisa de um saldo
devedor. Ele origina movimentações financeiras que compõem o débito,
existindo ainda a possibilidade de sequer existir saldo devedor. Por isso se
caracteriza a iliquidez de tal ajuste e, por via de consequência, a da nota
promissória a ele vinculada.
Por outro lado, o contrato de financiamento de capital de giro que instrui a
inicial foi firmado por valor fixo, tendo o devedor exarado sua aquiescência
com todos os elementos da obrigação, como ocorreria em outras modalidades de
empréstimos.
A nota promissória vinculada a esse contrato acostada à f. 13 também foi
emitida com base no valor previamente estipulado no instrumento contratual.
Logo, as razões que justificariam a iliquidez da cambial, originando a
citada Súmula 258/STJ, não se aplicam à espécie.
Nessa linha de entendimento, confira-se o entendimento adotado pelo STJ,
segundo o qual é viável o aparelhamento de execução instruída por nota
promissória emitida em garantia de contrato de empréstimo, apesar de o
referido contrato não ter sido assinado por duas testemunhas:
``Processo civil. Execução por título extrajudicial. Contrato de empréstimo.
Falta de assinatura de duas testemunhas. Juntada também da nota promissória
emitida à época da contratação, consignando o valor total executado.
Possibilidade. Título executivo válido.
- O contrato escrito, com assinatura de duas testemunhas, não é requisito de
validade de um contrato, salvo hipóteses expressas previstas em lei. A
assinatura de duas testemunhas no instrumento, por sua vez, presta-se apenas
a atribuir-lhe a eficácia de título executivo, em nada modificando sua
validade como ajuste de vontades.
- Se é válida a contratação, igualmente válida é a nota promissória emitida
em garantia do ajuste. A ausência de duas testemunhas no contrato, portanto,
não retira da cambial sua eficácia executiva.
Recurso especial conhecido e improvido'' (REsp 999577/MG; Rel.ª Min.ª Nancy
Andrighi; j. em 04.03.2010; DJe de 06.04.2010).
Destarte, considerando que a execução se encontra instruída com contrato de
empréstimo, vinculado à nota promissória formalmente perfeita, cumpre
reconhecer a eficácia executiva da cambial, capaz de instruir a execução.
Dispositivo.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para cassar a sentença,
viabilizando, assim, o regular processamento do feito em seus ulteriores
termos.
Custas recursais, ao final, pela parte sucumbente.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Eduardo Mariné da Cunha e
Luciano Pinto.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA CASSAR A SENTENÇA.
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