Esposa receberá a metade do valor da arrematação de imóvel penhorado em execução fiscal movida pelo Estado


Considerando indivisível a parte ideal dos bens destinada à mulher casada, a 21ª Câmara Cível do TJRS, decidiu, por maioria, manter a penhora de imóvel da família e, ao mesmo tempo, reservar metade do valor arrematado para a parte. A questão envolve o alegado enriquecimento resultante de ato ilícito que beneficiou o casal.

A decisão se deu em apelação contra a sentença - proferida na comarca de Santa Cruz do Sul (RS) que havia negado o pedido da esposa de cidadão executado pelo fisco do Estado do Rio Grande do Sul. A mulher queria da Justiça a declaração de ilegalidade da penhora do imóvel de família, destinada à residência.

Em razão da documentação trazida aos autos, verificou-se que o casal possui vários imóveis, não havendo comprovação de que destina o bem penhorado à residência familiar.

"Todavia, o reconhecimento do direito à meação não leva à desconstituição da penhora, mas apenas ao reconhecimento do direito à metade do produto da arrematação do bem penhorado, visto ser indivisível" - afirma, em seu voto, o desembargador relator Marco Aurélio Heinz. Ele se baseou em três precedentes do STJ (REsps nºs 107.017, 132.901 e 541.738 – este oriundo do RS).

Segundo o voto, os embargos à execução movidos pela mulher casada visam a proteger a posse e a propriedade dos bens, por ato de apreensão judicial. A desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro acompanhou.

O desembargador Genaro José Baroni Borges divergiu dos votos vencedores pois considerou que a alienação do bem constante da parte ideal dos bens da mulher casada é inadmissível.

O julgamento ocorreu em maio último e, nesta semana, o acórdão foi publicado. O Estado do RS pode interpor embargos infringentes. O advogado Antonio Nelson Nascimento atua em nome da apelante. (Proc. nº 70014109599).

Acórdão

“A exclusão da meação em bem indivisível não leva à desconstituição da penhora, mas apenas ao reconhecimento do direito à metade do produto da arrematação”

APELAÇÃO CÍVEL. Embargos de terceiro. Meação da mulher casada. Prova do benefício com o ato ilícito. Reserva da metade no produto da alienação. bem indivisível. impenhorabilidade.

A meação somente responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou o casal.

Não se reconhece a impenhorabilidade do bem imóvel pela inexistência de prova que, sendo o único do casal, era destinado à moradia da família.

A exclusão da meação em bem indivisível não leva à desconstituição da penhora, mas apenas ao reconhecimento do direito à metade do produto da arrematação. Precedentes do STJ. Apelação parcialmente provida. Por maioria.

Apelação Cível - Vigésima Primeira Câmara Cível

Nº 70014109599 - Comarca de Santa Cruz do Sul

CLARICE NEIS - APELANTE

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - APELADO

CLáUDIO JOSé NEIS - INTERESSADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar parcial provimento ao apelo, vencido o Des. Genaro José Baroni Borges.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro e Des. Genaro José Baroni Borges.

Porto Alegre, 31 de maio de 2006.

DES. MARCO AURÉLIO HEINZ,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Marco Aurélio Heinz (RELATOR)

CLARICE NEIS apela da sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro opostos à execução fiscal movida pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contra CLÁUDIO JOSÉ NEIS.

Sustenta, em resumo, a ilegalidade da penhora incidente sobre bem de família, destinado à residência da embargante. Pretende a exclusão da meação do imóvel, tendo em vista o casamento com devedor.

O apelado responde, batendo-se pela legalidade da decisão, porquanto não provou a embargante a destinação do bem, nem que a divida não beneficiou o casal.

O Ministério Público declina de intervir.

É o relatório.

VOTOS

Des. Marco Aurélio Heinz (RELATOR)

Os embargos visam proteger a posse e a propriedade dos bens, por ato de apreensão judicial, em casos de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, como descreve o art. 1.046 do CPC, podendo ser de senhor e possuidor ou apenas possuidor, na forma do parágrafo primeiro.

No caso, tem-se a defesa da posse da meação sobre o imóvel penhorado.

Efetivamente, não demonstrou o credor que o enriquecimento resultante de ato ilícito beneficiou o casal, nos termos da Súmula nº 251 do STJ.

Assim, deve ser excluída da penhora a meação.

Por outro lado, não há qualquer demonstração de que o imóvel serve de moradia para a embargante e sua família.

Em razão da documentação carreada aos autos (fls. 38/45), verifica-se que o casal Cláudio e Clarice Neis possui vários imóveis, não havendo comprovação de que destina o penhorado à residência familiar.

Todavia, o reconhecimento do direito à meação não leva à desconstituição da penhora, mas apenas ao reconhecimento do direito à metade do produto da arrematação do bem penhorado, visto ser indivisível, conforme jurisprudência do STJ (REsp 107.017 – MG, Rel. Min. Castro Meira, 2.ª Turma, REsp 132.901 – SP e Resp 541.738 – RS).

Sendo assim, dou parcial provimento ao apelo para reservar a metade do produto da alienação em benefício da embargante.

Em razão da sucumbência recíproca, cada um dos litigantes arcará com 50% das custas e honorários de 10% (dez por cento) do valor dado à causa, compensados na forma do art. 21 do CPC e Súmula nº 306 do STJ.

Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro (REVISORA) - De acordo com o Relator.

Des. Genaro José Baroni Borges – voto vencido.

Rogo vênia para divergir.

A ordem jurídica assegura à mulher, mesmo no regime de comunhão, o direito de livrar bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação nas ações movidas contra o marido, conferindo-lhe a qualidade de terceiro e legitimidade para interpor Embargos de Terceiro, seja para obter a liberação ( manutenção ou reintegração na posse), seja para evitar a alienação.

E assim é desde a edição da lei 4.121/62 que dispõe em seu artigo 3º: "pelos títulos de dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos cônjuges, ainda que casados pelo regime de comunhão universal, somente responderão os bens particulares do signatário e os comuns até o limite de sua meação."

A lei, portanto, resguarda incondicionalmente a meação.

Consolidou-se, porém, entendimento de que a meação responderia pelas dívidas do marido, se assumidas em benefício da família.

Perdura o dissenso, todavia, quanto ao ônus da prova; seguimentos da jurisprudência atribuem-no à mulher (RESP - 216.659- RJ), enquanto outros ao credor (RESP - 79.333-SP).

Entretanto, no que respeita à execução fiscal o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento plasmado na Súmula 251 "verbis": "A MEAÇÃO SÓ RESPONDE PELO ATO ILÍCITO QUANDO O CREDOR, NA EXECUÇÃO FISCAL, PROVAR QUE O ENRIQUECIMENTO DELE RESULTANTE APROVEITOU AO CASAL".

Com razão, porquanto "atribuir à mulher o ônus da prova negativa, quando ela defende a sua meação, vale por buscar na Lei 4.121/62 solução contrária aos seus interesses", como já averbou o 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (RT- 562/119). Mas não só por isso, digo eu, como também manifestamente contrária ao disposto no artigo 3º da lei citada.

Assim, não bastasse o resguardo incondicional da meação, não só a presunção cede, como inverte-se o ônus, cumprindo ao CREDOR, e não à mulher, a prova de que o eventual enriquecimento pela prática do ato ilícito teria resultado em benefício da família do sócio, para só então responder a parcela do patrimônio compreendida na sua meação.

Pois do encargo não se desatou o Estado, nem foi sua preocupação. Fixou-se na presunção, que contra si conspira.

Por isso impõe-se a procedência dos Embargos.

Questão crucial que resulta de livrada a meação, está em que a penhora recaiu em bem indivisível.

No ponto também são díspares as decisões dos Tribunais; julgados têm que quando não comporta divisão cômoda o bem deve ser levado à hasta pública por inteiro, entregando-se ao cônjuge-meeiro a metade do preço alcançado; outros, de que a alienação em casos tais será apenas da parte ideal que cabe ao devedor executado.

Mas há também quem tenha inadmissível a alienação do bem por inteiro, quando indivisível, mesmo que reservada ao outro cônjuge a metade do valor apurado, corrente a que me filio, tudo porque "o direito do meeiro sobre os bens não pode ser substituído pelo depósito da metade dos valores obtidos em hasta pública" (STJ - Quarta Turma - RESP 89.167-PR- Rel. Min. Barros Monteiro- in RSTJ- 9 (94)/249), pelo que importa desfigurar a regra protetiva e sua própria razão de ser, tornando-a letra morta.

De saber, ainda, a salvaguarda da meação é norma de direito especial ditada pela justiça e por circunstâncias de ordem pública e social , que são óbvias, por isso comporta interpretação extensiva dentro da "ratio legis" que a determina, a ponto de impedir, como aqui se está impedindo, seja mutilado o direito do meeiro sobre os bens, reduzindo-o a prosaico depósito da metade de seu valor.

Assim sendo, estou dando integral provimento à apelação para julgar procedentes os Embargos de Terceiro e desconstituir a penhora de fls. , invertidos os ônus sucumbenciais.

DES. MARCO AURÉLIO HEINZ - Presidente - Apelação Cível nº 70014109599, Comarca de Santa Cruz do Sul: "POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO, VENCIDO O DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES."

Julgador de 1º Grau: SADILO VIDAL RODRIGUES

 


Fonte: Site do Espaço Vital - 13/07/2006

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