ANTONIO CARLOS PARREIRA
Juiz de Direito da Vara de Família e Sucessões de Varginha – MG
Com o passar dos dias surgem novas e novas
questões controvertidas a respeito da aplicação da Lei 11.441, de
04.01.2007, que permitiu a realização de inventários, separações e
divórcios pela via administrativa notarial.
Além daquelas já levantadas em meu artigo anterior “Escrituras de
Inventários, Separações e Divórcios: alguns cuidados” (Jus Navigandi:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9391, Amagis:
http://www.amagis.com.br/?pagina=noticias&pag_int=artigos_&pag_3ro=recentes;
AMB:
http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=571),
vejamos outras dessas controvérsias e o meu pensamento a respeito,
sempre respeitando as opiniões em contrário:
1) INVENTÁRIO E PARTILHA COM PAGAMENTOS DE VEÍCULOS E SALDOS
BANCÁRIOS
Nas partilhas em processos de inventário judicial muito comum a
existência de veículos, que passam a compor o pagamento da legítima de
determinado herdeiro, sendo praxe a expedição de alvarás para sua
transferência nos departamentos de trânsito. Também corriqueiro a
partilha de dinheiro objeto de depósitos em contas ou de aplicações
financeiras, com a expedição de alvarás aos bancos e caixas econômicas
autorizando ou determinando o seu pagamento.
Tal também ocorre nas partilhas de separação e divórcio, nas quais
muitas vezes um veículo registrado em nome de um dos cônjuges, ou o
saldo de uma conta bancária em nome exclusivo de um, na partilha dos
bens passa a compor a meação do outro.
Na verdade, em se tratando de partilha promovida em juízo, o documento
comprobatório do direito adquirido é o formal de partilha, cuja
apresentação aos bancos é suficiente para possibilitar ao contemplado
receber os valores a que tem direito. Também é o documento hábil para as
autoridades de trânsito transferir em seus registros a propriedade dos
veículos. Na prática não é o que ocorre, prevalecendo as exigências
indevidas de alvará.
Mas e nos casos de partilha por escritura pública?
Por certo, como costumeiramente o fazem, as instituições financeiras
continuarão exigindo autorizações judiciais, mediante alvarás, para o
pagamento de valores aos contemplados na partilha, havendo grande
probabilidade dos departamentos de trânsito também agirem da mesma
forma.
Entendo serem exigências descabidas, porquanto as escrituras públicas
são os documentos hábeis a comprovar a aquisição dos direitos pelos
contemplados nas partilhas, sejam herdeiros, meeiros ou ex-cônjuges
separados ou divorciados.
Admitir que os bancos, os departamentos de trânsito e outros órgãos
públicos ou de atendimento ao público (junta comercial, registro de
títulos e documentos, empresas de telefonia), assim como sociedades por
quotas, clubes, etc. possam recusar validade às escrituras públicas,
obrigando as partes a postular em Juízo alvarás para concretização dos
direitos estampados na partilha, será esvaziar a nova lei, dela fazendo
tábula rasa.
Apenas para exemplificar o absurdo dessa exigência, se houver, basta
imaginar a seguinte situação: Em um inventário, por escritura pública,
com os herdeiros maiores e capazes, o herdeiro “X” recebe em pagamento
de seu quinhão, no valor total de R$1.000.000,00 (um milhão de reais),
os seguintes bens: a) uma fazenda no valor de R$500.000,00; b) um
apartamento no valor de R$493.000,00; c) um veículo usado no valor de
R$6.000,00 e d) o saldo de uma conta bancária no valor de R$1.000,00.
Lavrada a escritura, poderá ele de imediato obter o registro imobiliário
e alienar a fazenda e o apartamento no total de R$993.000,00 (novecentos
e noventa e três mil reais), sem qualquer intervenção judicial. Porém,
terá de postular alvará judicial para transferir para o seu nome o
veículo usado de R$6.000,00 e para levantar o saldo de R$1.000,00.
2) PRESENÇA NÃO OBRIGATÓRIA DAS PARTES
Há quem sustente a obrigatoriedade do comparecimento pessoal das partes
contratantes nas escrituras públicas de inventário, separação e
divórcio.
No entanto, consoante se depreende da leitura atenta do parágrafo único
do art. 982[1] e do § 2º do art. 1.124-A[2], ambos do Código Civil, com
a redação dada pela Lei 11.441/2007, a exigência de comparecimento
pessoal ao ato notarial é apenas do advogado ou dos advogados que
assistem os contratantes, nada impedindo que estes sejam representados
por procuradores com poderes especiais, devidamente munidos de
procuração por instrumento público, como exigível na primeira parte do
art. 657 do Código Civil [3].
Até porque, salvo engano, os únicos atos notariais que não podem ser
praticados por mandato são o testamento público e a aprovação do
testamento cerrado, nos quais a presença do testador é indispensável.
Em relação aos processos, nos casos de divórcio direto (por analogia) e
principalmente de separação consensual, por força do artigo 1.122 e seus
parágrafos[4] a praxe era exigir o comparecimento pessoal das partes em
audiência preliminar para tentativa pelo Juiz de reconciliação do casal.
A lei nova ao permitir a separação consensual por escritura, sem
atribuir ao tabelião o dever de reconciliar o casal e de ouvi-los sobre
os seus motivos, acabou por revogar implicitamente tais exigências
também a nível processual, dispensando o comparecimento pessoal dos
separandos e divorciandos tanto em juízo, como no tabelionato.
É óbvio que os separandos e divorciandos devem ser alertados pelo Juiz
ou pelo Notário das conseqüências da separação ou do divórcio, mas tal
advertência há de lhes ser feita se estiverem presentes ao ato. Se
constituírem procurador para representá-los na escritura pública de
separação ou divórcio, caberá ao tabelião que lavrar a procuração por
instrumento público advertir os outorgantes das conseqüências de seus
atos.
Possível, assim, que as partes contratantes sejam representadas nas
escrituras por procuradores com poderes especiais, constantes de
mandatos outorgados por instrumentos públicos, inclusive lavrados nos
Consulados do Brasil no exterior.
E vou além: não fosse a exigência da presença de advogados, obviamente
inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, uma vez presentes os
requisitos legais seria possível até lavrar escrituras públicas de
inventário, separação e divórcio nos Consulados do Brasil no exterior,
quando lá residentes os brasileiros, aplicando-se no que cabível os
itens 4.8.1[5], 4.8.2[6] e seguintes, da Seção 8ª (Normas Gerais de
Registro de Notas), do Capítulo 4º (Atos Notariais e de Registro Civil),
do Tomo I do Manual de Serviço Consular e Jurídico do Ministério das
Relações Exteriores.
Muitos acreditam ser a presença dos advogados nas escrituras mero
formalismo. Prefiro acreditar que a eles a lei reservou papel especial,
de efetivamente assistir os contratantes, verificando a legalidade dos
acordos em seus mínimos detalhes, zelando pela autenticidade dos
documentos exigidos para o ato, cuidando para que as partilhas obedeçam
a igualdade e alertando pessoalmente as partes das conseqüências do seu
ato.
Como ocorre nos processos em que atuam, poderão os advogados assistentes
ser responsabilizados pelos prejuízos que derem causa aos contratantes,
inclusive pela omissão quando do ato notarial.
3) RECONCILIAÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA
A lei nº 11.441 não tratou da reconciliação do casal, permitida pelo
artigo 1.577[7] do Código Civil, “por ato regular em Juízo”.
Daí existir controvérsia a respeito, uns sustentando a impossibilidade
da reconciliação por escritura, outros a admitindo.
Fico com a segunda corrente, partindo do princípio segundo o qual “quem
pode o mais, pode o menos”. Se possível é aos cônjuges promover por
escritura pública a sua separação consensual, que mal há em admitir pela
mesma forma a reconciliação? Nenhum.
Igualmente não vejo qualquer empecilho em se promover a reconciliação
por escritura pública, quando a separação foi decretada judicialmente,
inclusive em processo contencioso, porquanto a sociedade conjugal será
restabelecida nas mesmas condições em que foi constituída, e “em nada
prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado
de separado, seja qual for o regime de bens”, nos precisos termos do
parágrafo único do mencionado art. 1.577.
4) EXISTÊNCIA DE DÍVIDAS DO ESPÓLIO
Sustenta-se não ser possível lavrar escrituras de inventário e partilha,
quando existentes dívidas deixadas pelo de cujo.
Discordo daqueles que assim o entendem, posto não existir na Lei 11.441
qualquer vedação a respeito.
Na verdade, o inventário é a declaração pormenorizada dos bens e das
dívidas ativas e passivas deixados pelo Inventariado, bem como a relação
de seus herdeiros, legatários e credores.
Na fase posterior da partilha calcula-se a legítima dos herdeiros
levando-se em conta os bens deixados, deduzindo-se as dívidas e
somando-se o valor dos bens sujeitos à colação, como reza o Código Civil
em seu artigo 1.847[8].
Assim, cabe aos interessados na escritura de inventário e partilha,
relacionar todos os bens e as dívidas, acrescentando eventual valor
correspondente aos bens sujeitos a colação e deduzir as dívidas que
deverão também ser relacionadas. Em seguida, separados os bens
necessários ao pagamento dos débitos, poderão partilhar o saldo.
O ideal seria a presença na escritura dos credores, com o pagamento a
estes dos bens separados e respectiva quitação, mas nada impede que tais
bens sejam dados em pagamento à parte a um dos herdeiros, com a
obrigação de somente utilizá-los nos pagamentos das dívidas. Possível,
ainda, que tais bens permaneçam reservados, não sendo objeto de
partilha, para posteriormente ser dados em pagamento aos credores por
outra escritura pública ou por adjudicação em processo judicial.
Por óbvio que se o valor das dívidas superar o patrimônio, ou tornar
insignificante o saldo a ser partilhado, não haverá interesse dos
herdeiros em promover o inventário.
5) ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA E COLAÇÃO
Como o inventário e partilha requer o consenso dos herdeiros, nenhum
óbice haverá em se formalizar tais atos por escritura pública, quando
for caso de colação dos bens recebidos em adiantamento de legítima.
Aliás, indispensável que na escritura pública sejam trazidos a colação
os bens recebidos a tal título, cujo valor será acrescido aos dos demais
bens existentes na data da abertura da sucessão, depois de deduzidas as
dívidas e despesas de funeral, de modo a possibilitar a igualdade das
legítimas.
6) CONCLUSÃO
Como a lei 11.441 apenas acrescentou um artigo e alterou três outros
existentes no Código de Processo Civil, permitindo a prática notarial de
atos historicamente sujeitos ao crivo do Poder Judiciário, é de se
esperar surjam diversas dúvidas e controvérsias. Às questões colocadas
neste texto certamente surgirão outras tantas, algumas mais simples,
outras mais complexas, tornando apaixonante o debate jurídico a
respeito, até que com o passar do tempo sejam sedimentados os
entendimentos pela doutrina e principalmente pela jurisprudência de
nossos tribunais.
7) NOTAS
[1] Art. 982....Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura
pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por
advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e
assinatura constarão do ato notarial.
[2] Art. 1.124-A ...... § 2º. O tabelião somente lavrará a escritura se
os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de
cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
[3] Art. 657. A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei
para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato
deva ser celebrado por escrito.
[4] Art. 1.122. Apresentada a petição ao juiz, este verificará se ela
preenche os requisitos exigidos nos dois artigos antecedentes; em
seguida, ouvirá os cônjuges sobre os motivos da separação consensual,
esclarecendo-lhes as conseqüências da manifestação de vontade.
§ 1o Convencendo-se o juiz de que ambos, livremente e sem hesitações,
desejam a separação consensual, mandará reduzir a termo as declarações
e, depois de ouvir o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o
homologará; em caso contrário, marcar-lhes-á dia e hora, com 15 (quinze)
a 30 (trinta) dias de intervalo, para que voltem a fim de ratificar o
pedido de separação consensual.
§ 2o Se qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada ou
não ratificar o pedido, o juiz mandará autuar a petição e documentos e
arquivar o processo.
[5] 4.8.1 É da competência da Autoridade Consular a assinatura original
de todos os atos notariais.
[6] 4.8.2 Os atos notariais podem ser feitos por instrumentos públicos
ou particulares, dependendo de sua natureza. Instrumentos particulares
são feitos em documentos individuais, assinados pelas partes,
legalizados na forma da legislação do país onde se originaram, quando
assinados por estrangeiros, e, a seguir, para produzirem efeitos no
Brasil, legalizados pela Autoridade Consular brasileira. Instrumentos
públicos são aqueles lavrados nos Livros da Repartição Consular, dos
quais qualquer brasileiro pode requerer certidão.
[7] Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo
como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a
sociedade conjugal, por ato regular em juízo.
[8] Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes
na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral,
adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.
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