Antonio Carlos Parreira
Juiz de Direito da Vara de Família e Sucessões
e Diretor do Foro da Comarca de Varginha - MG
No dia 05 de janeiro de 2006, com a
publicação da Lei 11.441, de 04 de janeiro de 2007, tornou-se possível
promover por escritura pública o inventário, a separação consensual e o
divórcio consensual, com as respectivas partilhas dos bens, desde que os
contratantes (herdeiros, cônjuge e companheiro sobrevivente nos
inventários e cônjuges ou ex-cônjuges nas separações e divórcios) sejam
maiores e capazes.
Antes se utilizava o termo separação judicial, que com a lei do divórcio
veio substituir o antigo desquite. Tal expressão indicava a separação em
juízo do casal, distinguindo-se da mera separação de fato.
Neste texto utilizarei o termo separação legal, englobando tanto a
separação judicial como a separação contratual, conforme se dê em Juízo
ou por escritura pública.
Especificamente sobre as separações e divórcios, a lei condicionou a
lavratura da escritura pública à ausência de filhos menores ou incapazes
do casal, ao passo que no tocante ao inventário não pode existir
testamento.
Desde o início da tramitação do projeto no Congresso Nacional, foi
possível notar dos Magistrados, Promotores, Advogados e principalmente
dos Notários sobre questões que poderiam surgir, principalmente de cunho
tributário, com a mudança radical da legislação, permitindo sejam
realizados de forma administrativa atos que historicamente estavam
sujeitos a tutela jurisdicional.
Possível notar que passada uma semana da vigência da nova lei, persistem
ainda dúvidas e incertezas por parte dos notários, principalmente pelo
temor de praticarem o ato notarial deixando de observar requisito
indispensável, ou de se exigir o recolhimento tributo, sendo
posteriormente responsabilizados pela omissão.
Até porque, se é verdade que a lei veio permitir a prática de tais atos
por escritura pública, e que sendo os contratantes obrigatoriamente
maiores, capazes e assistidos por advogados, podem contratar livremente,
não menos verdade é que não afastou ela exigências outras previstas em
leis federais, estaduais e mesmo municipais, aplicáveis principalmente
em partilhas de bens, em especial quando há desigualdade de valores nos
quinhões.
Assim, penso que deverão os tabeliães e os advogados que participarem
dos atos notariais agir com certa cautela, principalmente nas seguintes
situações:
01) PARTILHA AMIGÁVEL COM PAGAMENTO DO USUFRUTO PARA O CÔNJUGE OU
COMPANHEIRO E DA NUA PROPRIEDADE PARA OS HERDEIROS
Na verdade o cônjuge ou companheiro sobrevivente, via de regra tem
direito à meação dos bens inventariados, os quais já lhe pertencem em
face do regime de bens adotado (comunhão universal ou bens adquiridos na
constância do matrimônio no regime de comunhão parcial, etc.), ao passo
que os herdeiros recebem em partes iguais a meação que pertencia à
pessoa inventariada. Dar na partilha apenas o usufruto para o cônjuge ou
companheiro supérstite e a nua propriedade para os herdeiros, significa
que o primeiro doou a nua propriedade de sua meação para os herdeiros,
reservando o usufruto, e que estes instituíram aquele usufrutuário das
partes que constituem suas legítimas, recebidas como herança.
O mesmo se dá quando na partilha do inventário se atribui apenas o
usufruto para um herdeiro e a nua propriedade para outro, ou ainda nas
separações e divórcios em relação aos cônjuges ou ex-cônjuges.
Tal ocorrendo, além do imposto de transmissão causa mortis nos
inventários, deve o tabelião exigir o prévio pagamento do imposto de
transmissão por esses atos inter vivos.
02) RENÚNCIA À HERANÇA OU À MEAÇÃO COM BENEFICIÁRIO DETERMINADO
Constantemente se vê nos inventários herdeiros renunciaram à herança em
favor de outro herdeiro ou do cônjuge ou companheiro sobrevivente, ou o
que é pior, este renunciar à meação em favor de um ou mais herdeiros...
Na verdade o Código Civil contempla apenas as hipóteses de renúncia da
herança sem beneficiário determinado, antes de praticado ato pelo
herdeiro que importe em sua aceitação (artigo 1.806 e seguintes do atual
e 1.581 e seguintes do anterior), não havendo previsão legal para a
renúncia da meação.
Mas na prática a doutrina e a jurisprudência acabaram por admitir a
chamada “renúncia translativa”, expressão esta sobre a qual certa feita
consagrado jurista escreveu que “o substantivo briga com o adjetivo”,
porquanto quem renuncia nada transfere.
Na verdade tais renúncias nada mais são do que doações disfarçadas, pois
somente se aceitar a herança poderá o renunciante transferir os bens que
a integram para pessoa por ele determinada. Caso contrário, havendo
renúncia pura e simples como previsto na lei, a parte do renunciante
acresce por vontade da norma legal (e não dele) à dos outros herdeiros
da mesma classe, ou da subseqüente, conforme o artigo 1.810 do Código
Civil.
Da mesma forma, mesmo antes do evento morte o cônjuge ou companheiro
meeiro já era proprietário da meação dos bens comuns, importando em
doação sua renúncia translativa em favor de um ou mais herdeiros.
Portanto, possível que nas escrituras de inventário os herdeiros ou os
meeiros façam doação de suas legítimas ou meações uns aos outros,
devendo os notários utilizar o termo correto de doação, evitando a
renúncia translativa ou a renúncia em favor de...
Não obstante, seja a expressão utilizada doação, ou renúncia translativa,
ou renúncia com beneficiário determinado ou renúncia em favor de alguém,
há na espécie transmissão gratuita de bens, por ato inter vivos,
impondo-se o prévio recolhimento do imposto de transmissão respectivo ou
o reconhecimento pelo fisco da isenção.
03) RENÚNCIAS SEM BENEFICIÁRIOS DETERMINADOS
Nada impede que na mesma escritura de inventário e partilha, um ou mais
herdeiros renunciem à herança que lhes cabe sem beneficiário determinado
(art. 1.806 do Código Civil), sendo beneficiados com essa renúncia os
outros herdeiros da mesma classe, como por exemplo, os outros filhos do
inventariado, irmãos do renunciante, ou os herdeiros da classe
subseqüente (ex.: todos os filhos do inventariado viúvo renunciam,
passando a herança então para os pais do de cujus).
Mas nesses casos devem ser tomados alguns cuidados, não de natureza
tributária, inexistente tributação na renúncia da herança pura e
simples.
É que algumas vezes certos herdeiros ao renunciarem desejam de fato
beneficiar determinada pessoa, não o declarando expressamente para
evitar a tributação, imaginando que a disposição da lei atende suas
vontades, com o acréscimo das partes que renunciaram à da pessoa por
eles visada.
Por exemplo: todos os filhos, querendo beneficiar sua mãe, que foi
casada com o de cujo sob o regime da comunhão universal de bens,
renunciam à herança que lhes cabe, sem indicar beneficiário determinado,
supondo erroneamente que suas partes acrescerão à da sua genitora, uma
vez que o inventariado, seu pai, faleceu sem deixar ascendentes.
No entanto, esses herdeiros renunciantes têm filhos, inclusive um menor.
Nessa hipótese, pela regra do art. 1.811 do Código Civil, as partes dos
renunciantes serão transmitidas aos seus filhos (netos do inventariado),
por direito próprio, e por cabeça, e não ao cônjuge sobrevivente,
impondo-se ao tabelião atenção redobrada para não contribuir no equívoco
dos contratantes.
Até porque, numa situação como a retratada acima, não poderá o tabelião
lavrar a escritura, pois a partilha deverá obrigatoriamente contemplar
herdeiro incapaz (filho menor do renunciante).
04) EXISTÊNCIA DE PROCESSOS DE INVENTÁRIO, SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO
A existência de processo de inventário ainda não encerrado, porquanto
não julgada a partilha, não impede a realização do inventário por
escritura pública, bastando que cópia autêntica dela posteriormente seja
juntada ao processo para extinção do feito, por perda de objeto.
No entanto deverá o Juiz examinar se na escritura de inventário e
partilha foram observados os requisitos legais, e recolhidos os tributos
incidentes, dando ciência ao fisco de eventual sonegação para as
providências administrativas ou judiciais que o ente público entender
cabíveis.
Igualmente possível lavrar escrituras de divórcio e separação, mesmo
existindo processos a respeito ainda não julgados, os quais perderão seu
objeto, sendo extintos sem exame do mérito, uma vez neles juntadas
cópias autênticas das escrituras.
Embora não obrigatório, de todo recomendável que o tabelião indague dos
contratantes e conste da escritura se existe processo em tramitação, se
possível indicando seu número e Vara, sendo apresentada e arquivada
certidão sobre o estágio em que se encontra o feito.
05) RENÚNCIA À HERANÇA EM PROCESSO DE INVENTÁRIO OU EM OUTRA ESCRITURA
ANTERIOR
Entendo que se já existia processo de inventário e nele determinado
herdeiro renunciou à sua parte na herança, sem beneficiário determinado,
ou mesmo se ocorreu a “renúncia translativa”, com recolhimento do
imposto de transmissão inter vivos, salvo declaração do fisco de sua
isenção / não incidência, e tal renúncia com ou sem beneficiário tenha
sido objeto de homologação pelo Juiz, poderá o tabelião lavrar uma
escritura de inventário e partilha, sem a presença no ato do herdeiro
renunciante, tocando a parte que lhe caberia aos demais herdeiros nos
termos da lei, ou ao herdeiro beneficiado com a renúncia translativa,
desde que os interessados apresentem certidão atualizada do processo de
inventário, expedida pelo Escrivão do feito, da qual seja possível
aferir que a renúncia se refere aos bens inventariados e partilhados.
Também desnecessária a presença na escritura de inventário e partilha do
herdeiro renunciante, se tal renúncia, observados os requisitos legais,
se deu por outra escritura pública, em oportunidade anterior e em
tabelionato diverso, porquanto admitida pelo art. 1.806 do estatuto
civil.
Mas repito: indispensável se possa aferir tanto pela escritura anterior,
como pela certidão do termo judicial homologado pelo Juiz, que a
renúncia envolveu os direitos hereditários sobre os bens inventariados,
objeto da escritura de inventário e partilha.
06) INVENTÁRIO E PARTILHA REALIZADOS POR HERDEIROS DE UMA CLASSE
POSTERIOR, SEGUNDO A ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
Pode acontecer dos contratantes do inventário e partilha serem herdeiros
de uma classe posterior na ordem de vocação hereditária, como ocorre,
por exemplo, na hipótese de promoverem o inventário e partilha os irmãos
do Inventariado, em virtude do prévio falecimento da esposa, dos filhos,
dos netos e dos pais do de cujo.
Indispensável que em situações como esta, os tabeliães exijam a
comprovação não somente do óbito do inventariado, mas de todos os
herdeiros das classes anteriores, vale dizer, de todas aquelas pessoas
que antecederiam os contratantes na ordem de vocação hereditária.
O mesmo cuidado é de se ter quando do direito de representação na linha
reta descendente e principalmente na linha transversal, pois neste
último caso somente se dá o direito de representação em favor dos filhos
de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem (art. 1.853
do Código Civil).
07) CONCORRÊNCIA ENTRE HERDEIROS E INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO
SOBRE AS PARTES QUE EXCEDEREM AS LEGÍTIMAS
Devem os notários atentar-se ainda nas hipóteses em que o cônjuge
sobrevivente concorre com herdeiros descendentes e ascendentes. Com os
primeiros poderá herdar metade (1/2) da herança, ou um terço (1/3) dela
ou no mínimo um quarto (1/4), dependendo se concorre com apenas um, com
dois ou com três ou mais descendentes (CC, art. 1.832).
Já com ascendentes poderá receber uma terça parte ou metade da herança
(art. 1.832).
Possível, ainda, a concorrência entre irmãos bilaterais com unilaterais
(art. 1.840) ou entre seus respectivos filhos (§ 2º do art. 1.843),
quanto estes herdarão metade daqueles.
Em todas essas situações, dependendo do número de herdeiros ou mesmo do
vínculo unilateral ou bilateral que os une, poderão os herdeiros receber
quinhões diferenciados de uma escritura para outra. Se os notários não
se atentarem para o fato, poderão beneficiar determinado herdeiro, em
prejuízo de outro. E mais, ao efetuarem na escritura pagamento a maior,
poderá o fisco interpretar que houve uma transmissão gratuita (doação),
sem que houvesse o indispensável recolhimento do imposto respectivo,
cobrando a omissão do cartorário.
08) INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO POR ATO INTER VIVOS SOBRE AS
PARTES QUE EXCEDEREM A MEAÇÃO OU AS LEGÍTIMAS
Se na partilha dos bens no inventário, na separação ou no divórcio
houver pagamento a maior para meeiro, de forma gratuita, restará
caracterizada a doação, sujeita ao imposto de transmissão por ato inter
vivos devido ao Estado, salvo isenção por ele reconhecida.
Para tanto devem ser observados exclusivamente os valores dos bens
comuns, sujeitos a partilha.
Se para compensar o recebimento a maior o herdeiro ou o meeiro efetuar
um pagamento em dinheiro ou mediante dação de outros bens, restará
caracterizada a transmissão onerosa, como se houvesse uma compra da
parte excedente. Nessa hipótese, se o valor excedente corresponder a
imóvel, haverá tributação, porém em favor do Município da situação do
bem, a título de imposto sobre a transmissão de bem imóvel (ITBI), salvo
isenção ou não incidência segundo a lei municipal respectiva. Da mesma
forma, se em pagamento for dado outro bem imóvel, devido o ITBI pela
transmissão desse bem.
09) PRAZO PARA RECOLHIMENTO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS NAS
ESCRITURAS DE INVENTÁRIO
Tais prazos dependem das leis estaduais que tratam da matéria. Em Minas
Gerais o “Imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de Quaisquer
Bens ou Direitos”, conhecido por ITCD, atualmente é regido pela Lei
Estadual nº 14.941, de 29/12/2003, que nos casos de transmissão causa
mortis fixa para pagamento um prazo máximo de 180 dias, contados da data
da abertura da sucessão (art. 13, inciso I).
Não obstante, o próprio Código de Processo Civil prevê o prévio
recolhimento dos tributos antes da sentença que julga a partilha (art.
1.026), ou antes da expedição do formal de partilha (art. 1.031, § 2º),
vale dizer, antecedendo a conclusão do processo de inventário.
A lei mineira prevê no § 1º do mencionado artigo 13, que “o ITCD será
pago antes da lavratura da escritura pública e antes do registro de
qualquer instrumento, nas hipóteses previstas nesta Lei”.
Obviamente não se refere às escrituras de inventário, separação e
divórcio, pois inexistentes e inadmissíveis até 04 de janeiro passado.
Assim, como o ITCD sempre foi exigido antes do encerramento do processo
de inventário, via de regra antes mesmo de proferida sentença julgando a
partilha ou adjudicando os bens a herdeiro único, entendo deva o
respectivo tributo ser exigido também antes da lavratura da escritura.
Da mesma forma, eventuais impostos incidentes sobre as partes que
excederem gratuitamente a legítima do herdeiro ou a meação do cônjuge ou
companheiro sobrevivente, ou ainda sobre as renúncias translativas,
deverão ser recolhidos antes da lavratura da escritura de inventário e
partilha, posto configurarem verdadeira doação.
E nessas hipóteses em que o imposto de transmissão deve ser exigido
previamente, impõe-se aos notários observar para fins de tributação, se
há desigualdade das legítimas ou desrespeito ao direito de meação,
considerando para tanto a avaliação dos bens realizada pelo fisco
estadual, pouco importando atribuam os contratantes valores diferentes
da fiscalização, segundo os quais não haveria desigualdade dos quinhões
hereditários ou prejuízo ao meeiro.
Em suma: aconselho aos tabeliães exigir o prévio recolhimento do ITCD,
antes da lavratura das escrituras de inventário e partilha, mesmo se os
bens partilhados forem situados em outras unidades da federação.
10) PRAZO PARA RECOLHIMENTO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO POR ATO INTER
VIVOS NAS ESCRITURAS DE SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO
Relativamente aos processos judiciais de separação e divórcio, em Minas
Gerais o imposto de transmissão incide apenas “sobre o valor que exceder
à meação, transmitido de forma gratuita”, com prazo para pagamento de
até 15 dias, contados da data do trânsito em julgado da sentença, nos
termos do inciso III, do mencionado art. 13 da Lei Estadual nº 14.941,
de 29/12/2003.
Em razão disso, descarta-se a possibilidade de se exigir previamente o
recolhimento do tributo no próprio processo, porquanto com o trânsito em
julgado da sentença possível desde logo a expedição do formal de
partilha ou da carta de sentença e o arquivamento do processo.
Concluo assim, por analogia, ser possível aos separandos ou divorciandos
recolher o tributo (se devido for), no prazo de 15 dias contados da
lavratura da escritura de separação ou divórcio, não obstante seja de
todo aconselhável o seu prévio pagamento.
E não sendo exigível o pagamento do imposto antes da escritura, não há
necessidade também de prévia manifestação do fisco sobre os valores
atribuídos pelos contratantes aos bens partilhados.
Uma coisa é certa: seja escritura de inventário e partilha, seja de
separação ou divórcio, o pagamento dos impostos de transmissão causa
mortis ou por atos inter vivos devem preceder obrigatoriamente ao
registro imobiliário, conforme em Minas Gerais exige o artigo 18 da lei
anteriormente referida.
11) POSSIBILIDADE DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL
Entendo possível a realização do divórcio direto consensual por
escritura pública, bastando que os divorciandos apresentem declaração
escrita de duas ou mais pessoas, com firmas reconhecidas, atestando sob
as penas da lei saber que o casal se encontra separado de fato,
ininterruptamente, há mais de dois anos. Também possível a presença de
testemunhas no ato para dar tal declaração, sempre sob as penas da lei
em caso de falsidade.
No entanto, como há acirrada divergência a respeito e salvo se houver
autorização judicial para a lavratura do ato, aconselhável aos tabeliães
aguardar instruções a respeito da sua Corregedoria-Geral de Justiça, ou
que seja pacificado o entendimento por mudança da lei ou por construção
jurisprudencial.
12) POSSIBILIDADE DA SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO POR ESCRITURA, MESMO EXISTINDO
FILHOS MENORES OU MAIORES INCAPAZES
A lei é clara ao condicionar as escrituras de separação e divórcio à
ausência de filhos menores ou maiores incapazes do casal.
No entanto, princípio comezinho de direito pátrio que "a lei deve ser
aplicada segundo os fins sociais a que se destina", de modo a afastar a
vedação em alguns casos especiais.
Com efeito, a finalidade da lei nova foi simplificar as separações e
divórcios consensuais, mediante procedimento administrativo rápido,
quando desnecessária a intervenção judicial.
Afastou-se a possibilidade de realização dos atos notariais quando da
presença de filhos incapazes dos separandos e divorciandos, posto ser
indispensável a tutela dos interesses destes pelo Poder Judiciário, sob
a fiscalização do Ministério Público.
Mas e se os direitos indisponíveis dos filhos incapazes já estiverem
judicialmente tutelados e as escrituras de separação e divórcio
ratificarem as decisões judiciais, sem quaisquer alterações pelo casal?
Qual prejuízo para os filhos incapazes?
Nenhum.
Assim, se for caso de mera conversão consensual de separação judicial em
divórcio, no qual ficarão mantidas as cláusulas da separação relativas à
guarda, direito de visita e pensão alimentícia dos filhos menores e
maiores incapazes, obviamente que nenhum prejuízo poderá ocorrer para os
filhos. Nessa hipótese se foram prejudicados, tal se deu no processo
judicial da separação e sob as barbas do Juiz de Direito e do Promotor
de Justiça.
Ora, também possível em processo contencioso ou consensual serem
resolvidas as questões de alimentos, guarda e direito de visita dos
filhos incapazes, podendo os cônjuges em escritura de separação ou
divórcio consensual direto ratificar o acordo homologado ou a decisão
imposta pelo Judiciário.
Tal ocorrendo não há margem para prejuízo para os filhos.
Em resumo: entendo que a intenção do legislador, ou melhor, que o fim
social buscado foi unicamente impedir que os cônjuges ou ex-cônjuges, em
escrituras de separação ou divórcio, portanto sem a presença do Juiz de
Direito e do Promotor de Justiça, estabeleçam ou alterem direitos
envolvendo filhos menores ou maiores incapazes, especialmente sobre
pensão alimentícia, guarda e direito de visita, de modo a permitir ao
Judiciário afastar tal óbice para a lavratura da escritura pública,
quando já tutelados judicialmente os direitos desses filhos,
limitando-se o casal a ratificar as condições dessa tutela judicial.
Acredito que, com o decorrer do tempo, será essa a posição adotada pela
maioria dos Juízes. No entanto, como aos tabeliães não é dado decidir,
devem se abster de lavrar escrituras quando existentes filhos incapazes,
seguindo à risca a letra fria da lei, podendo quando muito levantar
dúvida ao Magistrado, ou instruir os contratantes a postular autorização
judicial.
Na prática, entre aguardar uma decisão em processo de dúvida ou de
autorização judicial para a lavratura da escritura, é preferível
requerer a separação ou o divórcio em juízo.
13) ESCRITURA DE INVENTÁRIO E ADJUDICAÇÃO
A lei autoriza seja lavrada a escritura de inventário e partilha, quando
os interessados forem maiores e capazes.
Mas se houver herdeiro único, sendo caso de adjudicação?
Não vejo qualquer óbice em se lavrar uma escritura de inventário e
adjudicação, figurando o único herdeiro como outorgante declarante.
Comprovada a qualidade de herdeiro único, observadas as demais
exigências legais e recolhido o imposto de transmissão causa mortis,
deve o tabelião lavrar mencionada escritura, por se tratar de situação
singela, menos complexa do que se houvesse outro ou outros herdeiros e,
conseqüentemente, uma partilha.
14) CONCLUSÃO
Tomados esses cuidados, observando-se pela certidão do registro civil o
óbito da pessoa inventariada ou o tempo mínimo de casamento para a
separação consensual (CC, art. 1.574) ou para a conversão da separação
legal em divórcio (art. 1.580), não há qualquer empecilho em se lavrar
escritura de inventário, separação ou divórcio, por se tratar de ato
notarial como outro qualquer.
A lei veio em boa hora, com possibilidade de desafogar o Judiciário,
dele retirando casos nos quais sua intervenção não se justifica. Apenas
uma crítica: deveria o legislador ao invés de criar mais uma forma de
separação legal, ter aproveitado a oportunidade para acabar com a
separação judicial, e principalmente com a discussão de culpa pela
separação, fonte interminável de litígios no Judiciário, cuja finalidade
única é manter abertas as feridas das separações traumáticas.
Como costumeiramente diz o Desembargador Judimar Martins Biber Sampaio:
vamos sem medo.
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