- O cheque, ex vi do art. 13 da Lei 7.357/85, representa obrigação autônoma
e independente, ou seja, a partir do momento de sua emissão desprende-se do
negócio jurídico originário, sendo que a abstração e a autonomia desse
título só podem ser questionadas diante de prova solene, capaz de abalar a
presunção de veracidade que o mesmo encerra, por constituir uma ordem de
pagamento à vista, a teor das normas expressas na Lei Uniforme, arts. 28 e
32 da Lei Brasileira.
- A alegação de pagamento parcial apenas será considerada se apresentados
recibos idôneos referentes ao débito excutido.
Apelação Cível n° 1.0707.06.127775-2/001 - Comarca de Varginha - Apelante:
Fernando Aparecido Chiosane - Apelado: Juscelino Teixeira Fernandes -
Relator: Des. Otávio Portes
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 13 de agosto de 2008. - Otávio Portes - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. OTÁVIO PORTES - Reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos de
admissibilidade recursal, conhece-se do recurso.
Trata-se de embargos de devedor opostos por Fernando Aparecido Chiosane à
ação de execução que lhe move Juscelino Teixeira Fernandes, sob o fundamento
de que é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da execução, já que
não possui qualquer relação contratual com o embargado; que a obrigação
exigida já foi paga em quase sua totalidade mediante depósitos bancários;
que deverá ser indenizado pela cobrança indevida praticada pelo exeqüente.
A MM. Juíza de primeiro grau rejeitou os embargos, sob o fundamento de que
``os cheques se apresentam idôneos a amparar o feito executivo, permanecendo
inalterada a certeza, liquidez e exigibilidade dos títulos'', não tendo o
embargante comprovado o alegado pagamento (f. 32), determinando o
prosseguimento da execução e condenando o embargante ao pagamento das custas
processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 800,00 (oitocentos
reais), suspensa a exigibilidade por estar o executado litigando sob o pálio
da justiça gratuita.
Inconformado, apela Fernando Aparecido Chiosane (f. 35/39), alegando que é
parte ilegítima para figurar no pólo passivo da execução, já que não possui
qualquer relação contratual com o embargado; que a obrigação exigida já foi
paga em quase sua totalidade mediante depósitos bancários, o que implica
redução do valor executado, requerendo, caso não sejam acolhidos os
embargos, sejam os autos baixados em diligência, a fim de que ``o recorrido
apresente as comprovações do negócio jurídico à qual se refere o pagamento
comprovadamente realizado'' (f. 39).
Contra-razões recursais às f. 41/45.
No caso dos autos, verifica-se que se opõe o apelante ao pagamento do valor
constante dos cheques apresentados pelo apelado, de sua emissão, de R$
7.005,01 (sete mil e cinco reais e um centavo), sob o fundamento de que não
possui relação negocial com o exeqüente, tendo emitido os cheques apenas
como garantia do cumprimento do contrato firmado entre o apelado e a empresa
Chiosane & Marino Ltda., e de que, ademais, já houve pagamento de parte do
débito, o que implica redução do débito excutido.
A fim de dirimir a lide, assinala-se que constitui a abstratividade
característica marcante do cheque, motivo por que prescinde o mesmo de prova
da obrigação ou da causa debendi e, desde que esteja formalmente perfeito,
isto é, presentes os requisitos da liquidez, da certeza e da exigibilidade,
a irradiação de eficácia processual abstrai a causa de sua existência,
desmerecendo qualquer prova de direito material do exeqüente em relação ao
título para que se legitime a pretensão executiva.
Isso porque o cheque, ex vi do art. 13 da Lei 7.357/85, representa obrigação
autônoma e independente, não se subordinando, a partir do momento de sua
emissão, ao negócio jurídico que lhe deu origem, o que permite afastar
exceção fundada em relação pessoal entre devedor e credor, a não ser que se
apresente, de forma expressa, prova com força capaz de afastar a liquidez,
certeza e exigibilidade desse título, visto que a Lei Uniforme especifica,
em seu art. 28, que o cheque representa uma ordem de pagamento à vista,
preceito este igualmente expresso no art. 32 da Lei Brasileira.
Preconiza, ainda, a Lei 7.357, de 02.09.85, em seu art. 47, que o portador
pode promover a execução do cheque por falta de pagamento, pela importância
nele expressa, sendo que o devedor se encontra desincumbido de honrar o
compromisso tão-somente no caso de apresentar prova, estreme de dúvida, de
que a cambial não representa uma relação obrigacional com o credor, o que a
descaracteriza, ou de que falta ao título requisito necessário à sua
eficácia jurídica.
Tal conceituação significa que o cheque se encontra imbuído de um crédito,
pagável no ato de sua apresentação, independentemente de se perquirir a
existência ou não de condição à sua quitação, presumindo-se, até prova em
contrário, que deverá revestir-se da mesma solenidade inserta nesse título,
que está a valer pela literalidade do que nele se contém.
Iêdo Batista Neves elucida que:
``Em estando formalmente perfeito, presentes os requisitos da liquidez, da
certeza e da exigibilidade, a irradiação da eficácia processual abstrai a
causa de sua existência. É condição necessária e suficiente da prova da
relação jurídica substancial. Não se há, com ele, de provar o direito
substantivo do exeqüente para que a pretensão executiva se legitime. Uma vez
que o título executivo, formalmente perfeito, vale per se, procedimento
executivo é autônomo em sua instauração e desenvolvimento'' (O processo
civil na doutrina e na prática dos tribunais, V/105).
As decisões pretorianas são unânimes em pontuar que:
``Cambial. Cheque e nota promissória. Pretensão do embargante à prova da
origem do débito. Desobrigatoriedade, visto tratar-se de execução fundada em
títulos extrajudiciais, e não cobrança. Irrelevância da causa debendi.
Presunção de liquidez e certeza do débito não elidida. Embargos do devedor
improcedentes. Recurso desprovido'' (Apelação Cível nº 390262-5, 1º TACSP,
Rel. Juiz Elliot Akel, 1ª Câmara Especial, Jurisprudência Informatizada
Saraiva, CD-ROM nº 07).
Inócuas e destituídas de valor jurídico, ante a eficácia do cheque,
mostram-se as assertivas do recorrente de não corresponder essa cambial a
uma dívida livremente assumida, pois o simples fato de estar garantindo
negócio efetuado pela empresa Chiosane & Marino Ltda. o legitima a figurar
no pólo passivo da execução, já que emitente dos títulos excutidos, sendo
certo que suas assertivas não estão aptas a abalar a certeza e liqüidez do
título excutido.
Quanto à alegação de pagamento de parte do débito excutido, também não
merecem prosperar as assertivas do apelante, pois os documentos de f. 10/12
não são aptos a comprovar nenhum pagamento ao apelado, sendo certo que a
alegação de pagamento parcial apenas deverá ser considerada se apresentados
recibos idôneos referentes ao débito excutido, o que não ocorreu in casu.
Assim, não demonstrada a existência de qualquer circunstância ensejadora da
nulidade dos cheques em tela, já que formalmente perfeitos, e não
demonstrado satisfatoriamente o pagamento alegado, correta se encontra a r.
sentença de primeiro grau em garantir a literalidade do débito excutido.
Quanto ao pedido do autor de que sejam os autos baixados em diligência a fim
de que ``o recorrido apresente as comprovações do negócio jurídico ao qual
se refere o pagamento comprovadamente realizado'' (f. 39), não há
possibilidade de deferimento, tendo em vista que a fase probatória há muito
se esvaiu, não se tendo manifestado quando intimado a especificar provas (f.
28-v.), o que acarretou o julgamento antecipado da lide.
Mediante tais considerações, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se
integralmente o r. decisum hostilizado.
Custas recursais, pelo recorrente, suspensa a exigibilidade nos termos do
art. 12 da Lei 1.060/50.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Nicolau Masselli e
Batista de Abreu.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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