Doador falecido - Cláusulas restritivas - Impossibilidade de cancelamento


Bens imóveis, gravados por doador, já falecido, no ato da doação, com cláusulas de inalienabilidade, de impenhorabilidade e de incomunicabilidade, não podem ter tais cláusulas canceladas. A conclusão é da Quarta Turma do Superior Tribunal que não conheceu do recurso especial dos donatários Beatriz Aguiar Maia Saliba e outros.

Eles foram à Justiça, pretendendo obter o cancelamento das cláusulas, para que fosse efetuada a venda do imóvel, já velho. Alegaram dificuldade para gerir o imóvel, que necessita de reforma urgente, não gerando rendimentos razoáveis e causando prejuízos aos donatários. Os proprietários afirmaram, ainda, que o aumento no número de sucessores tornaria mais recomendável a venda.

Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, manteve a sentença, entendendo ser "inadmissível a pretensão dos donatários de verem cancelar as cláusulas de inalienabilidade, de incomunicabilidade e de impenhorabilidade, gravadas por doador já falecido, no ato de doação de imóvel, eis que o aumento do número de sucessores e a dificuldade de gerência dos imóveis não eliminam a restrição imposta à propriedade quanto ao poder de dispor o bem gravado com tais ônus".

Segundo o processo, o texto da escritura de doação e as respectivas anotações de registros contêm disposição expressa das referidas cláusulas. "O imóvel doado e os seus rendimentos não farão parte da comunhão legal existente ou que venha a existir entre os donatários e seus cônjuges, e será por eles donatários, administrados; que esse imóvel, bem como seus frutos e rendimentos, será inalienável e impenhorável, durante a vida dos donatários", consta do documento.

Em parecer sobre o caso, o representante do Ministério Público Gilvando Almeida Botelho afirmou ser inadmissível o cancelamento dos gravames, a teor do art. 1.676 do Código Civil. Vislumbrou, no entanto, a possibilidade de que a alienação eventualmente poderia ocorrer desde que as cláusulas fossem repassadas para outro bem obrigatoriamente adquirido. Opinou, ainda, que fosse alterado o dispositivo da sentença, de improcedência para carência de ação, extinguindo-se o processo sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido.

"O aumento do número de descendentes e a eventual dificuldade de administração dos imóveis, somado às várias ações ajuizadas contra os inquilinos a inviabilizar a gerência dos bens, não se mostra capaz de afastar os preceitos legais que impõem a irretratabilidade da vontade manifestada pelo doador falecido", observou o acórdão do Tamg. "Se o doador, Francisco Marques da Silva Maia, estabeleceu, no ato da liberalidade, o tempo de duração das cláusulas restritivas, ou seja, enquanto os donatários forem vivos, serão estas indubitavelmente vitalícias, isto é, até que sobrevenha o óbito dos donatários", acrescentou. Modificou, no entanto, a sentença de improcedência, considerando extinto o processo sem julgamento do mérito.

Os proprietários recorreram ao STJ, insistindo nos argumentos, mas a decisão da Justiça mineira foi mantida. "Se o imóvel apresenta dificuldades práticas, resolve-se pela venda, mas com a sua substituição, por outro, com sub-rogação das mesmas cláusulas, solução possível e recomendável, harmonizando-se a vontade do doador e a solução do problema", considerou o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do processo no STJ, ao votar pelo não-conhecimento do recurso. "Mas, aí, acentuou a Corte a quo (a de origem) que nenhum interesse a tanto demonstraram os requerentes; desejam, pura e simplesmente, a venda pela extinção da cláusula restritiva, o que não tem, então, como ser", afirmou. "A venda, pura e simples, foi tida pelo Tribunal de Alçada como injustificada, e, no ponto, para se chegar a conclusão diversa, somente com o reexame dos fatos da causa, o que é obstado ao STJ fazer, ao teor da Súmula nº 7", acrescentou o ministro.

Ele observou, no entanto, que a alteração da sentença de improcedência pela extinção do processo sem julgamento do mérito, feita pelo Tamg, abriu a possibilidade de uma eventual e futura sub-rogação, atenuando a situação dos donatários.
 


Fonte:  Site da STJ - 21/10/2004