- Efetivada a doação da universalidade do patrimônio, a renúncia ao usufruto
vitalício instituído representa violação a texto expresso da lei, impondo-se
o reconhecimento da nulidade do ato jurídico.
Apelação provida.
Apelação Cível n° 1.0430.06.000410-7/001 - Comarca de Monte Belo - Apelante:
Vitor Antônio Aparecido Alves - Apelada: Lucinéia Aparecida Alves - Relator:
Des. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento.
Belo Horizonte, 2 de setembro de 2008. - Alberto Aluízio Pacheco de Andrade
- Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE - Presentes os pressupostos
objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso.
Insurge-se o apelante contra decisão do MM. Juiz da causa, que julgou
improcedente a ação ordinária interposta, condenando-o ao pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios de R$ 500,00 (quinhentos
reais), suspensa sua exigibilidade por força do art. 12 da Lei 1.060/50.
Alega que a doação da qual se pretende a nulidade foi procedida mediante
coação e invoca a regra do art. 548 do Código Civil, o qual proíbe a doação
de todo o patrimônio.
Apesar de regularmente intimadas, as apeladas não se manifestaram.
O douto Procurador de Justiça apresentou o parecer de f. 112/114-TJ,
opinando pela rejeição do recurso.
Recurso próprio e tempestivo, dispensado o preparo por litigar o apelante
sob o pálio da assistência judiciária gratuita.
É o relatório. Passo a decidir.
Data venia, constato que as razões aduzidas pelo apelante merecem ser
acolhidas, estando a decisão proferida a merecer censura.
De fato, o art. 548 do Código Civil dispõe que:
"Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda
suficiente para a subsistência do doador".
A referida regra encontra equivalência do ordenamento anterior,
especificamente no art. 1.175 do Código Civil de 1916, que dispõe:
"Art. 1.175. É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou
renda suficiente para a subsistência do doador".
O legislador pátrio, com a edição e manutenção desse princípio, segundo o
qual ao proprietário não é dado dispor da totalidade de seu patrimônio, sem
reservar uma parte para garantia de seu sustento, o fez, a meu ver, em
observância aos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social
da propriedade.
No caso concreto, constato que tal regra de proteção não foi observada.
A doação foi procedida em 26.07.2001, com a reserva do usufruto vitalício
aos doadores, no caso o apelante e a genitora das apeladas.
Em 27.08.2001, procedeu-se ao pedido de separação do casal, e foi requerida
a renúncia ao usufruto pelo apelante, em favor das filhas menores, o que foi
homologado pelo Juiz da causa.
Em 28.11.2003, foi expedido mandado de prisão em desfavor do apelante, em
face do descumprimento das obrigações alimentares estabelecidas em favor das
apeladas.
Os fatos acima descritos, aliados à certidão de f. 16, demonstram de forma
insofismável que o apelante dispôs de todos os seus bens, em favor das
apeladas, sem preservar a garantia de seu próprio sustento.
Esta Corte tem entendido que, no caso de doação universal, tendo o doador
procedido à reserva usufrutária, a proteção legal é atendida.
Ocorre que, no caso vertente, a posterior renúncia à garantia usufrutária
representa flagrante burla à lei, uma vez que o princípio norteador da dita
norma não foi respeitado.
Não cabe aqui discutir se houve ou não vício de manifestação de vontade, uma
vez que a discussão maior é a total violação ao texto expresso da lei.
A lei coíbe a doação universal dos bens sem garantia da subsistência do
doador, e ponto final.
As manobras por vezes perpetradas em sede das ações de família não têm o
condão de legitimar essas infrações ao texto da lei.
Ainda que do ponto de vista emocional seja justificada a atitude, encerrada
a sociedade conjugal no plano sentimental, a todo custo deve ser encerrada
no plano patrimonial; sob o ponto de vista legal, os atos perpetrados não
podem ser legitimados.
Mesmo que a petição inicial não seja um primor em termos de redação,
deixando amplamente a desejar sob o aspecto técnico, é facilmente
perceptível o vício atribuído à manifestação de vontade do apelante no
momento da doação.
Trata-se de um processo de separação em que o casal reside sob o mesmo teto,
no único imóvel do casal e divide a guarda das filhas menores, de onde o
varão é logo instado a se retirar com o advento do novo companheiro da
virago.
O estado de espírito do apelante no momento da prática dos atos jurídicos
tem o condão de, se não invalidar os atos praticados, comprometê-los.
Contudo, como já dito no início, o caso não é de vício de manifestação de
vontade, mas de expressa violação a texto de lei.
Tratando-se de ato evidentemente nulo, nenhum efeito produz no plano
jurídico.
Nesse sentido, os precedentes desta Casa:
"Anulatória. Doação. Único bem. Excesso de liberalidade. Nulidade. - Não
valerá a doação de todos os bens sem reserva de parte ou renda suficiente
para a subsistência do doador, a fim de evitar a excessiva liberalidade, que
coloque o doador na penúria a teor da melhor exegese do art. 548 do CPC.
Negaram provimento'' (Processo n° 2.0000.00.456925-9/000, Relator: Des.
Fernando Caldeira Brant, j. em 25.06.2004, pub. em 14.08.2004).
"Doação - Único imóvel, sem reserva de parte ou renda suficiente - Art.
1.175 do Código Civil - Nulidade decretada que se confirma'' (Processo n°
1.0000.00.188853-6/000, Relator: Des. Hugo Bengtsson, j. em 17.08.2000, p.
em 12.09.2000).
Posto isso, dou provimento ao presente apelo para reformar a decisão
proferida e julgar procedente o pedido inicial, declarando a nulidade da
doação noticiada nos autos, no que se refere à meação do apelante,
determinando a expedição dos respectivos mandados de averbação aos cartórios
de registro de imóvel e de notas, dando ciência da presente decisão.
Inverto o ônus sucumbencial, suspensa sua exigibilidade por força do art. 12
da Lei 1.060/50.
Custas, pelas apeladas.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Pereira da Silva e Cabral
da Silva.
Súmula - DERAM PROVIMENTO.
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