Desapego afetivo e atitudes desrespeitosas não resultam em deserdamento.
É necessária a demonstração de uma das hipóteses previstas pelo Código
Civil de 1916 para que seja possível a anulação de doação de imóveis. A
conclusão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao
julgar processo de casal de São Paulo que pretendia anular a doação de
vários imóveis à filha, alegando que ela "nunca mais teve notícias de
seus pais, não lhes dirigindo a palavra, ou mesmo telefonando para saber
se estão passando bem, tendo, inclusive, após séria doença que acometeu
o seu pai (...), deixado de comparecer ao hospital para visitá-lo (até
mesmo depois desta operação), em total ignorância aos seus genitores".
Os pais queixaram-se de ofensa ao artigo 1.183 do Código antigo,
afirmando que os frutos e os rendimentos dos imóveis em questão
cessaram, sendo-lhes negadas indiretamente fontes de alimento. Além de
demonstração de abandono material e moral, devido à falta de visitação,
carinho, respeito e atenção, ferindo, com isso, seus "mais frágeis
sentimentos de filiação". Pleiteavam a revogação das doações feitas,
restabelecendo os imóveis na propriedade dos doadores.
Com o seguimento negado na origem, o casal entrou no STJ. O relator do
processo, ministro Humberto Gomes de Barros, esclareceu que a doação,
conforme dispõe o artigo 1.181 do Código Civil de 1916, pode ser
revogada por três modos: pelos casos comuns a todos os contratos (vícios
do negócio jurídico, incapacidade absoluta, ilicitude ou impossibilidade
do objeto), por ingratidão do donatário e por inexecução do encargo, no
caso de doação onerosa.
De acordo com o relator, apesar de se tratar de um negócio jurídico
proveniente da liberalidade do doador, a lei, principalmente em respeito
à segurança jurídica, limita o arbítrio do doador em desfazer tal
liberalidade. Assim, o ministro reconheceu a taxatividade das hipóteses
previstas no artigo 1.183 do Código Civil de 1916 (Código Beviláqua),
segundo o qual só se podem revogar por ingratidão nas seguintes
situações: se o donatário atentou contra a vida do doador, se cometeu
contra ele ofensa física, se o injuriou gravemente, ou o caluniou, ou
se, podendo ministrar-lhos, recusou ao doador os alimentos de que este
necessitava.
"Não é, portanto, qualquer ingratidão suficiente para autorizar a
revogação da doação. No caso dos autos, ainda que se considere
desrespeitoso ou injusto o desapego afetivo da ora recorrida, não há
como enquadrar sua conduta nas estreitas hipóteses previstas pelo Código
Beviláqua", observou o ministro Gomes de Barros, ao negar conhecimento
ao recurso.
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