Todo ato de liberalidade, inclusive a
doação feita em vida a descendentes, nada mais é do que adiantamento da
herança devida a cada um, devendo integrar necessariamente a relação dos
bens a serem partilhados no inventário, pouco importando se os demais
irmãos nasceram depois da doação e se são irmãos de apenas um dos pais,
e não dos dois como os outros. A dispensa do dever de arrolar o bem
doado no inventário final só pode acontecer quando houver manifestação
formal e expressa do doador nesse sentido, determinando que a doação
saia de seu próprio quinhão e não do patrimônio total dos herdeiros. Com
este entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em
decisão unânime, tomada com base em voto da ministra Nancy Andrighi,
presidente do colegiado, não conheceu de recurso da psicóloga Adriana
Pena e seus irmãos José Jorge Pena Neto, Carlos Alberto Pena e José
Eduardo Pena, contra a comerciante Renata Elizabete Penna Valeriano, de
Uberaba, interior de Minas Gerais.
Os irmãos entraram na Justiça tentando manter de fora do patrimônio
total do inventário duas fazendas, Santa Cândida do Cedro e a Primavera,
que lhes teriam sido doadas, de livre vontade, por seu pai, José Jorge
Pena Júnior, quando se desquitou de sua mãe, Maria Alice Soares Penna,
com quem teve os quatro filhos. Alegaram que os dois imóveis rurais não
poderiam ser arrolados entre os bens para partilha entre os herdeiros,
de vez que foram objeto de partilha em vida e não de doação de
ascendente para descendente.
Argumentaram que Renata Elizabete, nascida em 1970, filha da união de
seu falecido pai com Lívia Patrícia Sabino Guarita, só teria direito a
uma parcela de 5% de cada fazenda, porque, como o falecido possuía a
metade dos bens, já que os outros 50% pertenceriam à mãe, Maria Alice, e
25% constituem a parte legítima dos herdeiros, só sobraria para serem
partilhados entre os quatro filhos e a outra filha, Renata Elizabete,
25% dos imóveis rurais, cabendo, portanto, a cada um, 5% do total.
A sentença na ação de inventário dos bens determinou que fossem somados
ao total do inventário 50% do valor de cada fazenda, tendo o acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negado o recurso que
interpuseram para reformar a decisão de primeiro grau.
Daí o recurso especial para o STJ, alegando que os bens em litígio não
foram objeto de doação, mas de partilha em vida, e, por essa razão, não
poderiam ser somados aos outros bens para divisão entre todos os
herdeiros. Sustentaram, também, que a partilha foi feita em data
anterior ao nascimento da filha da outra união, sendo claro que a
verdadeira intenção do falecido pai foi a partilha em vida, como parte
do acordo de desquite com a mãe, e não a doação. Pediram, ainda, que
fosse excluída a parcela disponível do patrimônio do falecido, de
maneira que, se for obrigatória a juntada dos dois imóveis rurais ao
inventário, deveria ser contada apenas a parte de 25% para divisão entre
os cinco herdeiros, como já pedido.
Ao não conhecer do recurso, a relatora do processo, ministra Nancy
Andrighi, argumentou que a partilha em vida é, na verdade, como um
"inventário em vida", que pode até dispensar o inventário propriamente
dito, post mortem. No caso, presentes as circunstâncias dos
autos, vê-se que ocorreu a doação dos bens, e não a alegada partilha,
porque não foram cumpridas as formalidades exigidas para sua
caracterização, ou seja, não houve a expressa aceitação de todos os
herdeiros nem foi considerado o quinhão da herdeira necessária.
Entendeu, assim, que a transferência das fazendas aos quatro herdeiros
havidos do casamento, por meio de escritura pública, não pode ser
considerada juridicamente partilha em vida, mesmo porque, se não
constituiu doação, foi mera liberalidade do falecido e, em decorrência
dessa natureza, sujeita os bens doados ao dever de serem juntados ao
total do inventário. Para a ministra Nancy Andrighi, irrelevante também
o argumento de que a doação foi feita antes do nascimento da outra
filha, pois não importa o tempo em que foi feita a liberalidade, se o
bem foi doado antes de ter nascido o filho, ou antes do casamento do
falecido com a genitora do herdeiro necessário.
Para a relatora, também não existe diferença entre os descendentes,
sejam eles irmãos germanos, isto é, de pai e de mãe, ou unilateral, de
apenas um dos pais. De acordo com o texto constitucional, argumentou a
ministra, não há qualquer distinção entre os filhos, sendo irrelevante
falar em irmãos filhos dos mesmos pais ou de pais diferentes, nascidos
depois do ato de doação ou depois da separação judicial ou do divórcio
do doador. Hoje, nem mesmo se admite qualquer discrepância de tratamento
entre os havidos fora do casamento, pois já nem se fala em herdeiros
legítimos ou ilegítimos.
Na verdade, assegurou a ministra Nancy Andrighi, o dever de juntar os
bens doados ao patrimônio total da partilha é imperioso para o herdeiro
descendente que recebeu qualquer bem do doador falecido, a título de
liberalidade ou doação, pois isso nada mais é do que adiantamento do
quinhão legítimo de cada um dos descendentes. O dever do herdeiro de
juntar ao total os bens recebidos por liberalidade só pode ser
dispensado quando houver manifestação formal expressa do doador,
determinando que a doação seja extraída da parte disponível de seus
bens, o que não ocorreu no caso.
Cai por terra, assim, o pedido dos herdeiros para que sejam contados
apenas 25% das fazendas para divisão entre os cinco irmãos, em vista da
inexistência de vontade expressa do pai falecido de determinar que a
doação dos dois imóveis rurais fosse tirada da parcela disponível de seu
patrimônio. Deve prevalecer, portanto, o entendimento determinado pelo
juiz de Uberlândia, confirmado pelo TJ/MG, no sentido de juntar ao total
do inventário a metade das fazendas doadas pelo pai.
Assim, não vendo o que modificar nas decisões recorridas, não conheceu
do recurso especial dos herdeiros, em voto que foi acompanhado
integralmente pelos ministros Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro.
Não participaram do julgamento os ministros Humberto Gomes de Barros e
Carlos Alberto Menezes Direito.
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