Na página 35 deste número, damos notícia de uma decisão do STJ segundo a
qual um proprietário de terras que teve a sua propriedade apossada pelo
Estado para formação do Parque Florestal da Serra do Mar, não tem direito a
indenização.
O argumento da decisão é de que o proprietário atual já sabia da criação do
Parque quando adquiriu a área do proprietário anterior. Prova disso seria
que pagou muito pouco pela área. Portanto, a desvalorização que a terra
sofreu por ter sido criado o Parque, foi suportada pelo proprietário
anterior, o qual foi obrigado a efetuar a venda por um preço irrisório.
Tal decisão contraria frontalmente três princípios de direito, aceitos por
todos os povos civilizados, inclusive, até agora, pelo Brasil.
O primeiro princípio é o de que uma pessoa, ao adquirir uma propriedade, se
sub-roga em todos os direitos e obrigações relativos ao imóvel adquirido.
Entre esses direitos, está, evidentemente, o de pleitear a indenização
devida pela sua desapropriação. Esse princípio sempre foi considerado válido
pelo nosso direito. Se assim não fosse, chegaríamos ao absurdo de que o dono
de um bem não poderia jamais negociar esse bem, mas somente ele é que teria
a possibilidade de pleitear a indenização. Mesmo que ele não tivesse
recursos ou paciência para suportar os ônus e as demoras do processo e mesmo
que estivesse necessitando de dinheiro para alguma necessidade premente.
Jamais ele poderia transferir os seus direitos para outrem. Um absurdo.
O segundo princípio que foi malferido é o de que um bem desapropriado deve
ser indenizado pelo seu valor de mercado ou pelo valor que permita ao seu
proprietário adquirir outro semelhante. Entretanto, a decisão do STJ
considerou que o imóvel foi adquirido por valor reduzido e não teria
cabimento o Estado pagar um valor muito mais elevado. Mas quem causou essa
desvalorização do imóvel foi o próprio Estado, ao declarar que o mesmo fazia
parte do Parque Florestal, impedindo totalmente o seu uso e não tomando
nenhuma providência a fim de ressarcir a pessoa de cuja propriedade se
apossou. Assim, chegamos a outro absurdo: O causador do prejuízo é o único a
beneficiar-se pelo prejuízo que causou. Mas a decisão em comento foi ainda
mais longe. Pela lógica, deveria então ser concedido ao desapropriado pelo
menos o valor que ele desembolsou na aquisição da área, acrescido das demais
despesas que ele suportou, inclusive gastos processuais e advocatícios. Mas
nem isso foi concedido. O proprietário foi simplesmente confiscado, sem
direito a nada.
E aqui chegamos ao terceiro princípio que foi negado e que é o mais
importante de todos: O Direito de Propriedade. O Direito de Propriedade, um
direito natural que, além de estar insculpido na Constituição como cláusula
pétrea, é uma garantia de liberdade, e ainda está protegido por dois
mandamentos da Lei de Deus.
A se repetirem decisões como essa, é o próprio Estado de Direito que se vai
enfraquecendo.
COMPRA DE IMÓVEL NO PARQUE DA SERRA DO MAR, APÓS CRIAÇÃO DA RESERVA NÃO
DÁ DIREITO A INDENIZAÇÃO
DLI nº 8 - ano: 2007 - (Notícias)
(ST, Proc. EREsp 254246)
A aquisição de imóvel no Parque da Serra do Mar, em São Paulo, após a edição
dos decretos estaduais 10.251/77 e 19.448/82, que constituíram o parque e
restringiram o uso da área, não gera direito a indenização. A decisão é da
Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que, por maioria, acolheu
embargos de divergência propostos pela Fazenda do Estado de São Paulo.
Os embargos foram contra o acórdão da Primeira Turma que, ao negar
provimento a agravo regimental, reconheceu o direito à indenização pelas
restrições de uso do imóvel. Para o relator do agravo, ministro Humberto
Gomes de Barros, o fato de o imóvel ter sido adquirido após a constituição
do parque não exclui o direito à indenização, nem limita sua quantificação.
A relatora dos embargos, ministra Eliana Calmon, verificou divergência entre
o acórdão embargado e outras decisões da Segunda Turma, os chamados acórdãos
paradigma. Entendeu que o acórdão embargado diz que as limitações
administrativas de uso que esvaziam o seu conteúdo econômico estão sujeitas
à indenização. Mas, segundo os paradigmas, deve ser feito o exame caso a
caso, para saber se merece ou não ser indenizada a limitação administrativa.
Para a relatora, vale a tese dos paradigmas.
Mas o voto da ministra ficou vencido na Primeira Seção, que uniformiza o
entendimento das Primeira e Segunda Turmas. Venceu o entendimento do
ministro João Otávio de Noronha, segundo o qual não há de se falar em
prejuízo no caso analisado porque o comprador adquiriu o imóvel sabendo que
deveria utilizá-lo respeitando as restrições impostas na criação do parque.
O ministro João Otávio de Noronha destacou que, de acordo com as provas
contidas na decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, quem sofreu a
desvalorização do imóvel foi o proprietário anterior. O acórdão afirma ainda
que isso fica claro quando se verifica que o preço pago pelo novo
proprietário foi de R$ 24.301,86, corrigido para a época da avaliação, em
dezembro de 1995. Segundo a mesma avaliação, sem as restrições, o imóvel
valeria aproximadamente R$ 2,3 milhões.
O julgamento dos embargos na Primeira Seção começou em setembro de 2003.
Eles foram acolhidos para valer a tese que julga improcedente o pedido de
indenização. Votaram com a divergência inaugurada pelo ministro João Otávio
de Noronha os ministros José Delgado, Teori Albino Zavascki e Castro Meira.
Acompanharam o voto da ministra Eliana Calmon os ministros Franciulli Netto
e Luiz Fux.
Andrea Vieira
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