Em decisão inédita, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás,
reformando sentença da Justiça goianiense, concedeu divórcio litigioso
por procuração a uma brasileira residente em Nova York, nos Estados
Unidos da América, representada pelo seu pai. O marido, citado por
edital, foi representado por um curador especial.
Designado relator, o desembargador João de Almeida Branco ponderou que é
bastante contundente, que nos tempos atuais, com os modernos recursos de
comunicação, como a tele-conferência e a informática, não são mais
cabíveis normas que exigem a presença de seres humanos em certo lugar
para a prática de um ato judicial quando este pode ser praticado por e
representação.
Para ele, o que "o que se deve ter em mente é que na busca de se dar
efetividade ao direito material, desnecessária às vezes, é a rigidez da
formalidade". A decisão, unânime, foi tomada em apelação cível.
A apelante alegou que o indeferimento do pedido do divórcio litigioso,
pelo fato de estar representada por seu pai, estava indubitavelmente
equivocado, pois não se tratava de incapacidade, conforme o artigo
1.582, do Código Civil (admite que a ação seja proposta por curador,
ascendente ou irmão apenas quando o cônjuge for incapaz).
Alegou, ainda, que ficou comprovada de fato a sua separação por mais de
dois anos, estando seu marido em lugar incerto e não sabido, bem como a
inexistência de filhos e bens e que já havia estabelecido residência nos
Estados Unidos, inclusive constituindo nova família.
Discorrendo sobre os artigos 1.542., 1.576 e 1.582, do Código Civil, a
curadora especial Neila Vieira Monteiro alegou que em momento algum o
legislador autorizou que os pedidos de separação judicial ou de divórcio
sejam feitos por procuração, em se tratando de pessoa plenamente capaz.
Disse ser inadmissível um divórcio sem a presença dos cônjuges, como no
caso dos autos, em que o apelado foi citado por edital, sob a alegação
de ser desconhecido o seu paradeiro. "Tal pretensão dispensa o
consentimento, elemento essencial e personalíssimo para a concretização
do divórcio litigioso", enfatizou a curadora.
Corrente minoritária
O relator ponderou que embora entendam os legalistas que as ações de
divórcios, assim como as ações de separação, são personalíssimas (só os
cônjuges têm legitimidade para propô-las), existe uma corrente
minoritária insurgindo contra a necessidade de comparecimento dos
cônjuges em audiência de conciliação, defendida pelos doutrinadores
Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira, na obra Separação e Divórcio.
João Branco observou também que existe jurisprudência solitária
admitindo divórcio consensual por procuração quando um dos cônjuges por
total impossibilidade de comparecer, por estar residindo no exterior, e
sendo impraticável a sua vinda, ou por se encontrar preso, exilado entre
outras situações. Dentre elas – segundo ele – a que se encontra a
recorrente, "pois não resta dúvida de que ela é uma típica brasileira
que se encontra extraditada economicamente e socialmente, em busca de
novas oportunidades em outros Países, que se estivesse, ela, no Brasil,
talvez não a teria".
O desembargador-relator ressaltou que é inegável a possibilidade
prevista em lei de casamento por procuração e que não pode o direito
atual dificultar o desfazimento de um ato exigindo um ato mais complexo
e difícil. Seria ferir o princípio da razoabilidade, fazendo uma
inversão axiológica de situações no mínimo semelhantes". Ao final,
observou João Branco, "no presente caso negar a procedência do divórcio
para uma brasileira extraditada economicamente a outro País, pelo
simples fato de apego ao formalismo processual, é de uma certa forma
negar a tutela jurisdicional a quem dela precisa e submete".
A ementa recebeu a seguinte redação:
"Apelação Cível. Ação de Divórcio Litigioso Proposta por Procurador da
Esposa. Cônjuge Varão Ausente do País. Marido em Lugar ignorado.
Ilegitimidade em tese. Aplicação dos princípios da Instrumentalidade das
Formas e da Efetividade do Processo.
I - A princípio, não se cogita de propositura de ação de divórcio
litigioso por outrem que não os próprios cônjuges, se considerada a
natureza personalíssima desta espécie de demanda. Contudo, estando
ausente do país um deles e em local ignorado o outro, de bom alvitre que
haja mitigação do formalismo pelo Código Civil, em seu art. 1582, em
salutar homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas e de
efetividade do processo.
II - O rigorismo formal, em casos excepcionais, deve cede lugar à
finalidade a que se destina o processo, vale dizer, à satisfação do
direito material da parte demandante.
III - A ilegitimidade do proponente da
ação divorcista, in casu, não deve ser proclamada, sob pena de
inviabilização do acesso ao Poder Judiciário, direito fundamental
insculpido no art. 5º XXXV, da Constituição Federal. Apelo conhecido e
provido. (Apelação Cível nº 89.409-3/188 - 200501172496, em 23 de março
de 2006)." |