Outorga de escritura - Pagamento integral - Divergência acerca da área do lote objeto de contrato de compra e venda - Posterior medição

APELAÇÃO CÍVEL - OBRIGAÇÃO DE FAZER - OUTORGA DE ESCRITURA - PAGAMENTO INTEGRAL - DIVERGÊNCIA ACERCA DA ÁREA DO LOTE OBJETO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA - POSTERIOR MEDIÇÃO PELA MUNICIPALIDADE E RETIFICAÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL - RESPONSABILIDADE - RECONVENÇÃO - PAGAMENTO DE IPTU

- A posterior modificação da área do imóvel objeto de contrato de compra e venda é de responsabilidade dos réus/vendedores, que devem providenciar a transmissão da área vendida.

- Constando do pacto que a vendedora seria a única e exclusiva responsável pelos tributos relativos ao imóvel até a data da celebração da avença, por óbvio a parte compradora arcará com o pagamento do IPTU referente ao imóvel a partir da contratação.

Apelação Cível n° 1.0024.05.844960-4/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelantes: Rolino José Siqueira e outra - Apelados: Luís Donizete Lima e outra - Relator: Des. José Antônio Braga

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Osmando Almeida, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar parcial provimento.

Belo Horizonte, 9 de novembro de 2010. - José Antônio Braga - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. JOSÉ ANTÔNIO BRAGA - Trata-se de recurso de apelação interposto por Rolino José Siqueira e Elizabeth da Paz Valentim, nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada por Luís Donizete Lima e Ângela Maria dos Santos Lima, perante o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, tendo em vista o seu inconformismo com os termos da sentença de f. 177/179 que:

1. julgou procedente o pedido inicial para condenar os réus a outorgarem aos autores, no prazo de 30 dias, a escritura definitiva do imóvel apontado na peça inaugural, com área não inferior à descrita no contrato celebrado, sob pena de suprimento judicial da declaração da vontade não emitida voluntariamente;

2. julgou improcedentes os pedidos formulados em sede de reconvenção;

3. condenou os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), na forma do § 4º do art. 20 do CPC.

Em razões recursais de f. 180/184, a parte apelante, primeiramente, pugna pela concessão dos benefícios da justiça gratuita, inobstante ter procedido ao recolhimento das custas da reconvenção e do preparo recursal.

No mérito, alega que nunca se recusou a outorgar a escritura do imóvel objeto do contrato de compra e venda, tendo os apelados se recusado a recebê-la, em razão da divergência existente com relação à metragem do lote.

Aduz que, por força de um erro material, constou no contrato de compra e venda celebrado entre as partes que o lote 10, quadra 54, do bairro Palmeiras, em Belo Horizonte/MG, tinha área total de 670m², quando, na realidade, a área medida pela Prefeitura alcança 483m², sendo esta, inclusive, a área constante da matrícula do imóvel.

Assevera que "a não outorga da escritura não se deu por culpa dos apelantes, e sim em razão de os apelados quererem usufruir de uma metragem não existente" (f. 182).

Relativamente à reconvenção, defende que 50% de todo o valor pago pelo apelante a título de IPTU após 25.02.1992, data da assinatura da avença, lhe deverá ser restituído pelo apelado, uma vez que o contrato celebrado entre as partes estipulava a compra e venda de 50% do imóvel.

Ao final, pugna pelo provimento da apelação, bem como pela inversão dos ônus da sucumbência.

Preparo regular, f. 185.

Contrarrazões apresentadas, f. 187/190, tendo a parte apelada rogado pela manutenção da r. sentença hostilizada.

Conhece-se do recurso, porquanto presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Ausentes preliminares ao mérito recursal.

De início, cumpre registrar não ser merecedor de guarida o pleito de assistência judiciária formulado pela parte apelante, seja porque tal pedido já restou indeferido pelo douto Juízo singular (vide decisão de f. 155), seja porque a parte procedeu ao recolhimento das custas prévias (f. 159/160) e do preparo (f. 185), não tendo comprovado a modificação de sua situação econômico-financeira, de forma a justificar a concessão da benesse.

Incontroversa nos autos a celebração, em 1992, do contrato de compra e venda de 50% do imóvel descrito na peça inicial, qual seja lote 10, quadra 54 do bairro Palmeiras, em Belo Horizonte-MG.

Em razões recursais, afirma a parte apelante que o lote objeto da avença tem área total de 483m², conforme medição realizada pela Prefeitura de Belo Horizonte em 2006, e não de 670m², como restou consignado no contrato, fazendo jus a parte apelada a 241,50m², e não a 335m²:

"[...] modificando a v. sentença para que a escritura a ser outorgada pelos apelantes aos apelados relativa ao lote 10 da quadra 54 do Bairro Palmeiras seja de 241,5m², que representa os 50% do lote nº 10 da quadra 54 do Bairro Palmeiras, tal como havido no acordo de vontade das partes verificadas no documento de f. 13/14" (f. 183).

É cediço que, após a celebração de um contrato, cria-se entre as partes um vínculo jurídico que deve ser integralmente cumprido, em obediência ao princípio do pacta sunt servanda.

A propósito, ensina Orlando Gomes:

"O principal efeito do contrato é criar um vínculo jurídico entre as partes.

Fonte de obrigações, é tamanha a força vinculante do contrato que se traduz, enfaticamente, dizendo-se que tem força de lei entre as partes. O contrato deve ser executado tal como se as suas cláusulas fossem disposições legais para os que o estipularam. Quem assume obrigação contratual tem de honrar a palavra empenhada e se conduzir pelo modo a que se comprometeu" (Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 161).

Estabelece o contrato de f. 13/14, celebrado em 1992, que "a promitente vendedora sendo senhora e possuidora do imóvel situado nesta Capital formado pelo lote n. 10 da quadra 54 do Bairro Palmeiras, com área de 670m², promete vendê-lo, como de fato vendido tem, ao promissário comprador 50% do referido imóvel, fazendo área de 335m², pelo preço certo e ajustado de Cr$ 3.300,000,00 (três milhões e trezentos mil cruzeiros) a serem pagos da seguinte forma [...]".

Da análise das guias de IPTU acostadas aos autos, notadamente a de f. 42, relativa ao ano de 2005, verifica-se constar como área total do terreno os mesmos 670m² consignados no já noticiado contrato de promessa de compra e venda.

Ocorre que, no final do ano de 2006, procedeu a Prefeitura de Belo Horizonte, após a realização de nova mediação, à retificação da metragem constante da matrícula do lote 10 da quadra 54 do Bairro Palmeiras, que foi subdividido em lotes 10A e 10B, "sendo que esta aprovação considera o total parcelado com área de 483,00 m²" (vide documento de f. 85).

Em outras palavras, restou constatado, alguns anos após a celebração do contrato entre as partes litigantes, que a área total do lote 10 da quadra 54 do Bairro Palmeiras não era de 670 m², conforme constou na avença e nas guias de IPTU, mas sim de 483m², de acordo com a nova medição realizada pela Prefeitura de Belo Horizonte.

Todavia, o preço pago pela parte autora à parte ré foi calculado, levando-se em consideração a área de 335 m² (50% dos 670 m²), e não a área de 241,5 m² (50% dos 483m²), não merecendo guarida o pleito formulado pelos requeridos no sentido de que "a escritura a ser outorgada pelos apelantes aos apelados relativa ao lote 10 da quadra 54 do Bairro Palmeiras seja de 241,5m², que representa os 50% do lote nº 10 da quadra 54 do Bairro Palmeiras, tal como havido no acordo de vontade das partes verificadas no documento de f. 13/14" (f. 183).

Decerto que a improcedência dos pedidos iniciais conduziria ao enriquecimento ilícito dos réus, que receberam, de forma integral e incontroversa, o valor relativo a um imóvel de 335m².

Não poderá a parte autora ser responsabilizada pela metragem errada informada no contrato, devendo os réus se valer de seus direitos frente à Prefeitura de Belo Horizonte, se for o caso, em razão da posterior retificação da metragem do lote objeto da avença.

Conforme bem consignou o douto Juízo singular, "posterior modificação do imóvel, como se vê no documento de f. 85, é de responsabilidade dos réus, que devem providenciar a transmissão da área vendida" (sentença, f. 178).

Relativamente à reconvenção, defende que 50% de todo o valor pago pelo apelante a título de IPTU lhe deverá ser restituído pelo apelado, uma vez que o contrato celebrado entre as partes estipulava a compra e venda de 50% do lote 10 da quadra 54 do Bairro Palmeiras.

A questão acerca da responsabilidade de cada uma das partes contratantes pelo pagamento de 50% do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana parece ser incontroversa nos autos, tendo a própria parte autora, inclusive, quitado parte do IPTU ao longo dos anos.

Ademais, consta do próprio contrato de promessa de compra e venda que a parte ré (promitente vendedora) somente seria a única e exclusiva responsável pelos tributos relativos ao imóvel (considerando sua área total) até a data da celebração do pacto, devendo, por óbvio, a parte autora arcar com o pagamento dos impostos referentes à parte do imóvel que adquiriu.

Demonstram os documentos de f. 41/48 que a parte ré pagou, de forma integral, o IPTU relativo aos anos de 1998, 1999, 2001, 2003, 2004, 2005 e 2006, devendo a parte autora ser condenada à restituição de 50% dos valores desembolsados pelos requeridos, limitados, porém, aos valores pagos nos últimos 3 anos, a contar da propositura da demanda, por força do disposto no inciso IV do art. 206 do Código Civil.

Com tais considerações, dá-se parcial provimento ao recurso para julgar parcialmente procedente a reconvenção ofertada e condenar a parte autora/reconvinda à restituição de 50% dos valores desembolsados pelos réus/reconvintes, a título de IPTU, limitados, porém, aos valores pagos nos últimos 3 anos, a contar da propositura da demanda, por força do disposto no inciso IV do art. 206 do Código Civil.

Deverão os valores ser corrigidos monetariamente desde a data do efetivo desembolso pelo INPC/IBGE, conforme tabela publicada pela e. Corregedoria-Geral de Justiça e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir de novembro/2008 (vide f. 161).

Em face do que restou decidido, deverá a parte autora arcar com o pagamento de 20% das custas processuais, inclusive as recursais, além de honorários advocatícios arbitrados em R$ 400,00 (quatrocentos reais), suspensa a exigibilidade ante a concessão dos benefícios da justiça gratuita (f. 22).

A parte ré deverá ser responsabilizada pelo pagamento de 80% das custas processuais, inclusive as recursais, além de honorários advocatícios ora fixados em R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais), admitida a compensação, nos termos da Súmula 306 do STJ.

Para os fins do art. 506, III, do CPC, a síntese do presente julgamento é:

1. Deram parcial provimento ao recurso para julgar parcialmente procedente a reconvenção ofertada e condenar a parte autora/reconvinda à restituição de 50% dos valores desembolsados pelos réus/reconvintes, a título de IPTU, limitados, porém, aos valores pagos nos últimos 3 anos, a contar da propositura da demanda, por força do disposto no inciso IV do art. 206 do Código Civil; deverão os valores ser corrigidos monetariamente desde a data do efetivo desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir de novembro/2008 (vide f. 161).

2. Deverá a parte autora arcar com o pagamento de 20% das custas processuais, inclusive as recursais, além de honorários advocatícios arbitrados em R$ 400,00), suspensa a exigibilidade ante a concessão dos benefícios da justiça gratuita (f. 22). A parte ré deverá ser responsabilizada pelo pagamento de 80% das custas processuais, inclusive as recursais, além de honorários advocatícios ora fixados em R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais), admitida a compensação nos termos da Súmula 306 do STJ.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Generoso Filho e Osmando Almeida.

Súmula - DERAM PARCIAL PROVIMENTO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 06/07/2011.

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.