Embora o Superior Tribunal de Justiça ainda reconheça união homoafetiva como
sociedade de fato, impondo às pessoas o “calvário” que esse tipo de relação
gera, e entenda que a competência para analisar tais casos é de Vara Cível e
não de Família, a jurisprudência não tem seguido muito essas orientações. É
o que afirma a advogada Maria Berenice Dias. Ela abriu o 1º Congresso
Nacional de Direito Homoafetivo, que começou nesta quarta-feira (23/3), no
Rio de Janeiro.
No caso da união estável para casais do mesmo sexo, o entendimento do STJ
pode mudar. A 2ª Seção começou, neste ano, a julgar a possibilidade de
reconhecimento de união estável homoafetiva. O julgamento foi interrompido
com o pedido de vista do ministro Raul Araújo Filho. Quatro ministros já
votaram a favor da união de homossexuais; dois, contra.
No evento, realizado na OAB do Rio, a especialista contou para uma plateia
numerosa de advogados que um dos motivos que a levou a deixar a magistratura
— era desembargadora do TJ do Rio Grande do Sul — e a advogar foi o escasso
número de demandas sobre o tema. “É fácil defender negro, índio, portadores
de deficiência. É um agir por solidariedade”, constata. O mesmo, continua,
não acontece em relação aos homossexuais. Ela atribui tal situação ao rótulo
se costuma colar em quem se manifesta a favor deles, ou seja, a de ser
homossexual. Disse ainda que, no Brasil, uma das formas de xingamento é
chamar a pessoa de gay.
Como alguém que já é excluído na família, na escola, no trabalho, vai
procurar pessoas que defendam seus direitos? A advogada conta que ao
profissional da área jurídica bastava, na época, dizer que o homossexual não
tem direito, pois não havia lei nem jurisprudência. Foi essa dificuldade que
levou a especialista a advogar, já que há muito tempo falava do tema, mas
não se deparava com o assunto no Judiciário.
Outra dificuldade que ela enfrentou foi a de encontrar, nos tribunais, os
entendimentos sobre o assunto. “É quase uma missão impossível descobrir o
que julga a Justiça deste país”, constatou. Isso porque não existe banco de
dados. A alegação é que processos relacionados à matéria estão em segredo de
Justiça. “Basta retirar o nome das pessoas”, sugeriu. Ela contou que começou
a pedir para que as pessoas de diversas partes do país enviassem decisões
sobre o assunto.
Maria Berenice disse que quando a equipe do site Direito homoafetivo —
Consolidando conquistas atingiu o número de 100 decisões sobre o tema, houve
muita comemoração. Hoje, afirma, são 1.026 decisões. “Disseram que o site
era tendencioso, pois só traz decisão favorável. Mas é claro que só são
decisões favoráveis”, disse.
Papel da OAB
A especialista contou que o Conselho Federal da OAB criou, na terça-feira
(22/3), a Comissão da Diversidade Sexual, que a tera na presidência. Ela
afirmou, ainda, que, hoje, 19 seccionais têm comissões que cuidam do tema.
“O movimento que se instalou é irreversível”, disse. A ideia é que a OAB
ajude na elaboração do Estatuto da Diversidade Sexual.
O Legislativo, disse Maria Berenice, é descompromissado com as minorias. Ela
contou que a Lei Maria da Penha, que foi elaborada pelo Executivo, é a única
que traz algo sobre o assunto, ao dizer que toda mulher goza de direitos
fundamentais independente, entre outras coisas, da orientação sexual. No
mais, o Legislativo se omite, o que, na visão da especialista, causa um
efeito perverso: Onde não há lei, não há direito.
Na medida em que o Poder Judiciário avança, diz Berenice, o Poder Executivo
também começa a se movimentar. Um exemplo é o reconhecimento do direito à
pensão previdenciária já em sede administrativa. “Estamos diante de uma nova
realidade”, disse.
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