O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de
repercussão geral da questão suscitada em Recurso Extraordinário (RE)
646721, que discute a forma de partilha de bens entre a mãe e o companheiro
de uma pessoa falecida em 2005. O recurso foi interposto pelo companheiro
contra decisão da Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que lhe concedeu
apenas um terço da herança. O relator do RE no STF é o ministro Marco
Aurélio.
O recorrente já havia obtido, por meio de ação judicial, o reconhecimento de
união estável. Durante os 40 anos em que viveu com o falecido, “de forma
pública e ininterrupta”, informou que os dois adquiriram diversos bens,
inclusive três imóveis. Após o falecimento, foi nomeado inventariante e
pleiteou o cálculo da partilha conforme o artigo 1.837 do Código Civil, que
determina 50% para o cônjuge e 50% para o ascendente, quando houver apenas
um.
A 2ª Vara Cível de Porto Alegre, ao examinar o pedido, aplicou o artigo
1.790, inciso III, do Código Civil, que atribuiu ao companheiro ou
companheira, quando há outros parentes sucessíveis (no caso, a mãe), o
direito a um terço da herança. Para o juízo de primeiro grau, o artigo 1.837
se refere ao cônjuge, e não ao companheiro.
Ao julgar recurso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS)
manteve o entendimento de que a Constituição da República não teria
igualado, para todos os fins, os institutos do casamento e da união estável.
O acórdão (decisão colegiada) assinala que, embora o artigo 226, parágrafo
3ª, tenha reconhecido a união estável como entidade familiar merecedora da
proteção estatal, “união estável não é o mesmo que casamento, e companheiro
também não é igual a cônjuge”. Para cada um dos institutos, entendeu o TJ, a
lei estabelece regramentos específicos.
No recurso extraordinário, o recorrente questiona essa distinção e sustenta
que a Constituição Federal trata igualitariamente a união estável e o
casamento, mas que o Código Civil rebaixou o status hereditário no caso.
“Sem a possibilidade legal de casamento civil homoafetivo, é impossível o
uso da nomenclatura ‘cônjuge’ por esses”, afirma o autor. “Todavia, a lei
infraconstitucional não pode ficar adstrita a simples nomenclatura, derivada
de legislação preconceituosa e discriminadora”. Desta forma, alega que a
regra do artigo 1.790 do Código é inconstitucional porque atenta contra os
princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso
III, da Constituição) e da igualdade.
Repercussão geral
Ao defender a repercussão geral da matéria, o recorrente sustenta que a
questão tem implicações sociais, políticas, econômicas e jurídicas que
ultrapassam o interesse subjetivo das partes envolvidas. Afirma, ainda, a
necessidade de se tratar os casais homossexuais sem qualquer distinção ou
discriminação, e ressalta a possibilidade de a decisão sobre o caso se
refletir em “incontável número de processos no Judiciário nacional”.
O ministro Marco Aurélio, ao se pronunciar pela existência de repercussão
geral, assinalou que “o tema alusivo à sucessão, à união estável homoafetiva
e suas repercussões jurídicas está a clamar o crivo do Supremo”, a quem cabe
definir o alcance do artigo 226 da Constituição Federal em face da limitação
do artigo 1.790 do Código Civil.
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