- A cessão de direitos hereditários, sem a observância do direito de
preferência dos demais herdeiros, encontra óbice no art. 1.795 do Código
Civil/2002, que prescreve que "o coerdeiro, a quem não se der conhecimento
da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a
estranho, se o requerer até 180 (cento e oitenta) dias após a transmissão".
- O prazo decadencial imposto ao coerdeiro prejudicado conta-se a partir da
transmissão, contudo será contado apenas da sua ciência acerca do negócio
jurídico quando não é seguida a formalidade legal imposta pelo art. 1.793 do
CC e a transmissão não se dá por escritura pública.
Apelação Cível n° 1.0251.07.021397-9/001 - Comarca de Extrema - Apelante:
Renato Pereira dos Passos - Apelado: Leonardo Gonçalves de Souza -
Litisconsorte: Vanilda José de Oliveira Passos e outros - Relator: Des.
Fernando Caldeira Brant
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 8 de julho de 2009. - Fernando Caldeira Brant - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT - Trata-se o recurso interposto de apelação
contra a r. sentença de f. 95-99 dos autos da ação de usucapião e ação
ordinária de preferência, ambas as propostas por Leonardo Gonçalves de
Souza, sendo o segundo feito ajuizado em face de Renato Pereira dos Passos,
Vanilda José de Oliveira Passos, Olívia Gonçalves de Oliveira, Espólio de
Alice Gonçalves de Souza, Maria Prudência de Souza Silveira, Jurandir da
Silveira, Maria Guilhermina de Souza Barreto e Matilde Conceição de Souza,
perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Extrema.
Através da ação ordinária de preferência, o autor Leonardo Gonçalves de
Souza afirmou que é irmão de Durvalina Gonçalves de Souza, falecida em
23.06.2005, solteira e sem deixar ascendentes e descendentes, restando
apenas os irmãos Antônio Gabriel de Souza (solteiro e já falecido), Olívia
Gonçalves de Oliveira, Alice Gonçalves de Souza, já falecida e representada
por suas filhas: Maria Prudência de Souza Silveira, Maria Guilhermina de
Souza Barreto e Matilde Conceição de Souza.
Narrou que a falecida Durvalina era proprietária de um imóvel situado no
bairro dos Pires, na cidade de Extrema/MG, adquirido como herança quando do
falecimento de seus pais.
Explicou que, em 23 de abril de 2007, tomou conhecimento de que os
sucessores de Durvalina Gonçalves de Souza haviam alienado suas cotas
hereditárias a Renato Pereira dos Passos, terceiro estranho à sucessão
hereditária.
O autor alegou que jamais foi notificado acerca da intenção de seus irmãos
em alienar as cotas hereditárias e só tomou conhecimento quando promovia a
ação de usucapião em apenso, justamente quando da contestação no dia
23.04.2007.
Com isso, apontou ofensa ao art. 1.794 do Código Civil, visto que a
alienação de quota em herança a terceiro se deu sem a oferta aos demais
coerdeiros.
Defendendo seu direito de preferência, requereu autorização judicial para
depositar o valor total do negócio realizado com o réu, sendo o montante de
R$ 7.202,58, requerendo ao final a procedência do pedido com a adjudicação
do imóvel objeto do feito.
A sentença julgou procedentes os pedidos formulados em ambas as ações e, em
relação à ação de preferência, declarou o direito de preferência do autor
sobre a cessão dos direitos hereditários de suas irmãs Olívia Gonçalves de
Oliveira e Alice Gonçalves de Souza, esta última nas pessoas das herdeiras
por estirpe, Maria Prudência de Souza Silveira, Maria Guilhermina de Souza
Barreto e Matilde Conceição de Souza, e, assim, adjudicar a este referida
cessão de direitos hereditários pelo preço de R$ 7.202,58, valor já
depositado e que deverá ser revertido ao corréu Renato Pereira dos Passos e
sua esposa.
Em relação à ação de usucapião, declarou a aquisição do domínio sobre o
imóvel descrito às f. 03 e 09-10 por Leonardo Gonçalves de Souza,
determinando que a sentença fosse registrada, mediante mandado, no SRI da
comarca após satisfeitas as obrigações fiscais. Em razão do deferimento da
assistência judiciária gratuita, determinou-se que o mandado fosse
registrado no SRI sem o pagamento de custas e emolumentos.
O réu Renato Pereira Passos foi condenado ao pagamento das custas
processuais e honorários de advogado arbitrados em R$ 3.000,00, nos termos
do art. 20, § 4º, do CPC, já considerada a sucumbência em ambas as ações.
Apresentou recurso o requerido Renato Pereira Passos, trazendo suas razões
às f. 103-108. Narra o ocorrido, afirmando que era impossível celebrar o
negócio através de escritura pública, tanto que o requerente se utilizou de
ação de usucapião para formalizar seu direito, por isso o prazo decadencial
deve ser contado da data na qual o requerente tomou conhecimento da venda.
Afirma que a sentença não levou em consideração os depoimentos das
testemunhas, que foram categóricas em afirmar que o autor sempre soube do
referido negócio.
Prossegue acusando o autor de tentar usucapir inclusive as áreas de
Durvalina Gonçalves de Souza. Alega que o autor não poderia exercer sua
preferência, visto que teve conhecimento há mais de três anos acerca do fato
de que o apelante adquirira as terras objeto da ação ordinária de
preferência. Com isso, pede o provimento do recurso para que seja reformada
a decisão e aplicada a pena de decadência ao apelado.
Preparo à f. 116, recebido o recurso à f. 254.
Contrarrazões às f. 256, requerendo a manutenção da sentença.
Conheço do recurso, visto que presentes os pressupostos objetivos e
subjetivos de admissibilidade.
Através do recurso interposto, o apelante pleiteia a reforma da sentença, em
suma, para que seja reconhecida a decadência do direito de preferência.
Durvalina Gonçalves de Souza recebeu por herança uma área total de 3,63 ha,
com uma casa de tijolos, coberta com telhas, situada no bairro dos Pires, no
município de Extrema, conforme documento de f. 09. Ao falecer, sem deixar
ascendentes e descendentes (f. 08), cabia a propriedade de referido imóvel
aos irmãos ainda vivos, bem como aos sobrinhos da Sra. Durvalina.
O que ocorre nos autos é que o autor, qualificando-se como um dos herdeiros
de sua irmã Durvalina Gonçalves de Souza, defende seu direito de preferência
para a aquisição das cotas hereditárias alienadas pelos outros coerdeiros a
terceiro estranho à sucessão.
A questão é regulada pelo Código Civil em vigor, vindo a seguir transcritos
os artigos a respeito:
"Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa
estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto".
"Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão,
poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o
requerer até 180 (cento e oitenta) dias após a transmissão".
Exsurge dos dispositivos legais supracitados o direito de preferência dos
herdeiros quanto aos direitos da herança.
No caso que aqui se analisa, é fato que o autor Leonardo Gonçalves de Souza
é herdeiro do bem descrito alhures em face da herança deixada por sua irmã,
bem como é fato que o réu Renato Pereira dos Passos é terceiro estranho à
sucessão.
Extrai-se também dos autos que o apelante Renato Pereira dos Passos
adquiriu, através de contrato particular de compromisso de compra e venda, o
referido imóvel, figurando como promitentes vendedoras Olívia Gonçalves de
Oliveira, irmã viva de Durvalina Gonçalves de Souza, bem como Maria
Prudência de Souza, Maria Guilhermina de Souza Barreto e Matilde Conceição
de Souza, estas sucessoras de Alice Gonçalves de Souza, irmã falecida da
Sr.ª Durvalina (f. 48-50).
Portanto, as coerdeiras alienaram a terceiro seus direitos sucessórios e, ao
que consta dos autos, o requerente não foi notificado para que exercesse seu
direito de preferência.
Conforme o art. 1.795 do CC transcrito alhures, o prazo para o coerdeiro que
não teve conhecimento da cessão haver para si a quota cedida é de 180 dias
após a transmissão.
Compulsando os autos, tenho que, no caso em exame, não se operou a
decadência.
De acordo com o que dispõe o art. 1.793 do CC, o quinhão de que disponha o
coerdeiro pode ser objeto de cessão por escritura pública e, como pode ser
conferido nos autos, tal formalidade não foi observada pelas partes que
firmaram o negócio à f. 11-13.
A imprescindibilidade de que a questão seja tratada através de escritura
pública se justifica pelo fato do direito à sucessão aberta é tido, por lei,
sendo por isso formalidade essencial inclusive à validade do negócio.
A respeito do tema, trago o comentário da autora Maria Helena Diniz:
"Requisito formal da cessão. Como o direito à sucessão aberta é tido, por
lei, como coisa imóvel (CC, art. 80, II), a cessão da herança só poderá ser
feita, sob pena de nulidade (CC, art. 166, IV), por meio de escritura
pública, mesmo que a herança contenha apenas direitos pessoais ou bens
móveis" (Código civil anotado. 9. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 1.233).
Ao que consta dos autos, a alienação dos direitos hereditários se deu
através de contrato particular e não foi registrada em momento algum no
Cartório competente, inexistindo no feito escritura pública que demonstre o
contrário.
Dessa maneira, não há se cogitar na decadência do direito do autor, visto
que, no máximo, pode ser considerado o momento em que foi apresentada a
contestação nos autos da usucapião, ou seja, dia 23.04.2007 (f. 91), como
aquele no qual o requerente tomou ciência do negócio efetuado pelo réu com
as coerdeiras.
Frise-se que o depoimento apontado pelo apelante é prova isolada nos autos,
não sendo capaz de afastar as demais questões acima expostas.
Firme em tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada
a sentença no que concerne à ação ordinária de direito de preferência.
Custas, pelo apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Marcelo Rodrigues e
Marcos Lincoln.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.
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