Não é necessário o comparecimento em juízo de todos os integrantes da
família para que se proceda à retificação de erros gráficos nos registros
civis dos ancestrais. Foi o que decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ).
Integrantes de uma família de origem italiana entraram com ação na justiça
para retificar suas certidões de nascimento e casamento em decorrência de
erro gráfico no seu sobrenome, que havia sido registrado como Barticiotto,
quando o certo seria Bartucciotto. Pediram também a correção dos registros
de seus ancestrais, bem como de certidões de óbito. Eles sustentavam que a
falha no momento do registro impedia a concessão da pretendida cidadania
italiana.
O Ministério Público havia opinado pelo indeferimento do pedido, por
entender que a mudança causaria desagregação nas anotações registrais
brasileiras. A sentença, reconhecendo erros gráficos nos primeiros registros
civis dos ancestrais, concedeu a retificação, por considerar que a pretensão
era legítima e razoável. A decisão foi mantida na segunda instância.
No recurso ao STJ, o Ministério Público argumentou que haveria necessidade
da presença em juízo de todos os integrantes da família para a retificação
do sobrenome, “uma vez que a decisão extrapola a esfera de interesse dos
recorridos, alcançando demais herdeiros, sob pena de ruptura da cadeia
familiar”.
O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que o nome civil
está intimamente vinculado à identidade da pessoa, mas sua inalterabilidade
é relativa. Segundo esse entendimento, o nome estabelecido por ocasião do
nascimento possui “ares de definitividade”, sendo sua modificação admitida
somente nas hipóteses determinadas em lei ou reconhecidas como excepcionais
pela justiça.
Direito constitucional
Depois de lembrar que a dupla cidadania é um direito assegurado pela
Constituição, nos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela
lei estrangeira, o ministro disse que muitos nomes de imigrantes sofreram
alterações por ocasião de sua chegada ao Brasil ou mesmo com o passar do
tempo, especialmente em virtude do desconhecimento dos idiomas de origem por
parte dos serventuários dos cartórios. Citando o artigo 57 da Lei de
Registros Públicos, Salomão considerou que cabe ao juiz autorizar a
retificação do sobrenome diante de motivo justo.
“Os recorridos pretendem encaminhar a documentação exigida para a obtenção
da cidadania italiana, necessitando, para tanto, do suprimento de
incorreções na grafia do patronímico, sem o que teriam obstadas a sua
pretensão. Eis o justo motivo”, afirmou. Contudo, destacou o relator, a
jurisprudência do STJ determina ainda outro requisito para a realização do
procedimento: a ausência de prejuízo a terceiros.
Para Salomão, o prejuízo a terceiros poderia ocorrer, por exemplo, se o
requerente estivesse respondendo a ações civis ou penais ou se tivesse seu
nome incluído em serviço de proteção ao crédito. Porém, ele observou que nem
o juiz nem o tribunal de segunda instância – aos quais competia analisar as
provas do processo – fizeram menção a restrições desse tipo.
O ministro reconheceu ainda a desnecessidade da inclusão de todos os membros
da família como coautores da ação, por entender que não cabe falar em
litisconsórcio, pois se trata de procedimento de jurisdição voluntária em
que “não há lide nem partes, mas tão somente interessados”. Segundo ele,
seria incabível, no caso, cogitar de litisconsórcio necessário,
principalmente no polo ativo – em que o litisconsórcio é sempre facultativo.
Além disso, acrescentou, “as retificações pretendidas, ao contrário do que
assevera o Ministério Público, poderão igualmente beneficiar outros
parentes, uma vez que facilitam a obtenção da cidadania italiana”. Salomão
concluiu que “a retificação dos assentos que registram incorreção de grafia
significa o resgate da realidade histórica do tronco familiar e sua
adequação ao registro público”.
REsp 1138103
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