JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO PÚBLICO - PROCURAÇÃO IN REM SUAM -
REQUISITOS - AUSÊNCIA DE PREÇO E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO - MANDATO AD NEGOTIA
- EXTINÇÃO - FALECIMENTO DO MANDANTE - ATOS POSTERIORES NULOS
- Dada a relevância jurídica da procuração in rem suam, que se equivale à
definitiva transmissão de direitos, impossível admiti-la por mera dedução,
devendo ficar cabalmente comprovada pelos elementos inscritos no instrumento
de mandato. Quando envolver a transferência de imóvel, a procuração em causa
própria deve ser lavrada de maneira semelhante à escritura de compra e
venda, inserindo-se, ainda, as cláusulas especiais in rem propriam e da
irrevogabilidade.
- Se não configurada a procuração em causa própria, mas tão somente a
procuração ad negotia, os poderes do mandatário se extinguem com o
falecimento do mandante, sendo os atos posteriores, praticados em seu nome,
nulos.
Apelação Cível n° 1.0431.05.022803-7/001 - Comarca de Monte Carmelo -
Apelante: Terezinha Alves Mundim - Apelado: Gracielle Cunha Mundim e outro -
Relator: Des. Tarcísio Martins Costa
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Osmando Almeida,
incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar
provimento.
Belo Horizonte, 7 de junho de 2011.Tarcísio Martins Costa - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. TARCÍSIO MARTINS COSTA - Cuida-se de recurso de apelação interposto por
Terezinha Alves Mundim contra a sentença de f. 100-103, proferida pelo digno
Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Monte Carmelo, que, nos autos da ação
declaratória de nulidade de registro público, manejada por Gracielle Cunha
Mundim e Guilherme Henrique Mundim Cunha, em desfavor da recorrente, julgou
procedente o pedido, declarando que a procuração de f. 30 não é "em causa
própria" e, por via de consequência, inválida a compra e venda do imóvel e o
seu registro. Condenou a requerida, ainda, ao pagamento dos ônus
sucumbenciais, suspensa, contudo, a exigibilidade em razão da gratuidade
judiciária concedida.
Interpostos embargos de declaração pela requerida (f. 109-110), foram eles
acolhidos (f. 111).
Consubstanciada em suas razões de f. 113-116, pretende a apelante a reforma
do r. decisum, alegando, em síntese, que os autores são seus sobrinhos e que
o outorgante - Heraldo Alves Mundim - era seu irmão; que, no ano de 1994,
realizaram uma permuta de terra, quando foi vendida uma parte de suas terras
e o dinheiro repassado ao irmão. Em troca, este lhe outorgou a referida
procuração, "em causa própria", do imóvel descrito na inicial, objeto do
registro; que o contrato de compra e venda foi assinado em janeiro de 2002,
quando o outorgante ainda era vivo. Acrescenta que, na procuração outorgada,
está descrita a área transmitida, não havendo dúvidas quanto à sua validade;
que, em se tratando de "procuração em causa própria", é irrevogável o
mandato conferido; que a prova testemunhal comprova referida permuta e que,
somente dois anos após o falecimento do seu irmão/outorgante, os apelados
vieram reclamar a nulidade do registro.
Contrarrazões em óbvia infirmação, pugnando pelo desprovimento do apelo (f.
119-122).
Presentes os pressupostos de sua admissibilidade, conhece-se do recurso.
Preliminares não foram trazidas, nem as vi de ofício, a serem enfocadas.
Cinge-se a controvérsia em saber se o mandato outorgado por Heraldo Alves
Mundim à requerida revestia-se dos requisitos in rem suam, a validar o
negócio jurídico de compra e venda do imóvel objeto da Matrícula 8.921,
Registro 1, do CRI de Monte Carmelo, constituída de 20,57,00 ha de campos,
localizado na Fazenda Castelhana e Boa Vista, e seu registro público.
A procuração em causa própria - procuratio in rem suam, ao contrário do que
ocorre no mandato ordinário, é outorgada para atender ao exclusivo interesse
do mandatário, e os poderes e direitos ali referidos lhe são definitivamente
cedidos. Daí o entendimento de parte da doutrina sobre a natureza mista
desse negócio: representação na forma, alienação (gratuita ou onerosa) em
essência.
Obviamente, tratando-se de ato de alienação, inoperante é a revogação do
mandato, e/ou a morte do mandante, porque a transferência dos direitos ali
referidos já se operou, não havendo mais interesse ou legitimidade para
desfazer o negócio.
Essa a lição de Orlando Gomes:
"Intuitivamente, a procuração em causa própria é irrevogável não porque
constitua exceção à revogabilidade do mandato, mas porque implica
transferência de direitos" (Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, p.
356).
Dada, pois, a importância desse ato, que implica transmissão de direitos,
impossível admitir-se a procuração em causa própria por mera dedução, não
apenas porque, na forma, a procuração apenas outorga os poderes
expressamente consignados no instrumento, mas, também, quanto à essência,
porque para aperfeiçoamento da alienação é imprescindível o consenso livre e
desembaraçado dos contratantes, não havendo compra e venda de imóvel por
"mera presunção".
Daí por que, além de definir poderes expressos, deve a procuração em causa
própria conter cláusula expressa quanto à sua natureza e dispensa da
prestação de contas, e não apenas a cláusula de irretratabilidade e
irrevogabilidade, o que, obviamente, não equivale à transmissão do bem.
Especialmente, quando envolva a transferência de imóvel, como se argui no
presente caso, a procuração in rem suam, ao contrário do que tenta fazer
crer a recorrente, deve ser feita tal qual a escritura de compra e venda,
com perfeita individuação do imóvel, forma de pagamento, menção ao
recolhimento de impostos, etc.
Nesse ponto, peço vênia para trazer à colação os ensinamentos do aplaudido
De Plácido e Silva (em sua clássica obra Tratado do mandato e prática das
procurações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, p. 518-519):
"A procuração em causa própria, em princípio, consubstancia, além do
mandato, o contrato pelo qual se convenciona o negócio ou a operação, que
vão ser tratados ou executados como próprios pelo mandante. Nessas
circunstâncias, no instrumento, em que se materializa o mandato
propriamente, devem ser atendidas todas as exigências legais acerca do
negócio ou da convenção que ali se firma. [...] Nas vendas, torna-se
indispensável a individualização dos bens. Se móveis, pelos seus nomes
técnicos, e quando possível, pela indicação de números, marcas ou quaisquer
outros sinais particulares de identificação. Quando imóveis, além de todo
esclarecimento acerca da propriedade, de quem foi havida, registro
imobiliário, necessária a indicação dos confrontantes ou das limitações dela
com os prédios vizinhos. [...] desde que com a própria procuração, se deseje
efetivar a transferência do domínio, deve esta ser formulada em teor
semelhante à escritura de venda: conter a descrição do imóvel a ser vendido,
mencionando ou fazendo referência ao título de aquisição anterior, inclusive
o número de registro imobiliário (transcrição), fixar o preço da venda e
declarar havê-lo recebido, dando, assim a quitação ao comprador (mandatário)
e se comprometendo, afinal, em fazer valiosa a mesma venda e responder por
evicção. Atendidos os requisitos relativos à venda ou cessão, na parte
especialmente procuratória, dará poderes irrevogáveis e em causa própria
para praticar todos os atos indispensáveis à perfeição jurídica e definitiva
conclusão do contrato, que serve de objeto do mandato".
Como bem sabido, a procuração "em causa própria" atribui ao mandatário a
qualidade de dono da coisa e é suficientemente apta para proporcionar a
transcrição no registro imobiliário para o mandatário ou terceiros.
Não descurando do reconhecido esforço da apelante na defesa da tese
recursal, o fato é que a presente lide não versa sobre legítima "procuração
em causa própria", prevista no art. 1.317 do C.Civil de 1916 e 685 do
C.Civil de 2002, razão pela qual não se aplicam os efeitos típicos desse
instituto, como muito bem asseverou o douto Julgador, litteris:
"Na hipótese, contudo, o documento de f. 30 não traz nenhuma menção ao valor
do negócio supostamente realizado entre o falecido Heraldo, pai dos autores,
e a requerida, razão pela qual essa procuração não pode ser considerada como
"em causa própria", nos exatos termos do art. 685 do Código Civil de 2002"
(f. 101).
No presente caso, a apelante não tem domínio, porque a procuração não traz a
cláusula in rem suam de que dispõem os artigos acima citados.
Em exame, constata-se a ausência do preço e da forma de pagamento, dados
essenciais em qualquer modalidade de compra e venda e que, portanto, tornam
a procuração "em causa própria" desprovida de aptidão para disponibilizar o
domínio do imóvel em favor da requerida, ora apelante.
Ora, se somente mediante a reunião de todos os requisitos acima mencionados
é que existe o título causal capaz de proporcionar o novo registro, a falta
do preço (f. 30) torna inábil a procuração "em causa própria", para
proporcionar a transmissão da propriedade como desejado.
Ou seja, os elementos consignados no instrumento indicam tratar-se de
procuração ad negotia, sendo mera gestão dos negócios relativos ao imóvel
ali descrito, e não de procuração em causa própria para transferência
daquela propriedade rural.
Cabe assinalar que os poderes especiais ali conferidos devem ser
interpretados restritivamente, não podendo deduzir-se vontades não expostas
de maneira clara e objetiva, sob pena de gerar insegurança jurídica às
partes e a terceiros interessados, e cessam pelo falecimento do mandante,
que, in casu, ocorreu em 03.03.2002.
Ultrapassada essa questão, aplicam-se as regras gerais do mandato, referidas
nos arts. 1.301 e seguintes do Código Civil de 1916.
Pois bem, falecido o mandante, em 03.03.2002, não pode prevalecer a suposta
compra e venda do bem imóvel, e o seu registro ocorrido em 11.11.2004.
Assim sendo, deve a procuração de f. 30 ser considerada cassada a partir de
03.03.2002 e consequentemente anulados todos os atos negociais e notariais
que se seguiram para a transmissão do bem, pois a mandatária não mais
possuía poderes de representação e negociação, pelo que deve ser mantida a
sentença guerreada.
Com tais considerações, nega-se provimento ao apelo, mantendo-se in totum a
respeitável sentença vergastada.
Custas recursais, pela apelante, observado o disposto no art. 12 da Lei
1.060/50.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Antônio Braga e
Generoso Filho.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.
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