O direito de companheiro à metade de imóvel dado como garantia em contrato
não prevalece sobre a validade da hipoteca em execução, se, quando da
assinatura do contrato, o companheiro devedor omitiu a existência da união
estável. Com essa conclusão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) acolheu o recurso especial interposto pelo Banco do Brasil
contra Neuza Oliveira, moradora do Rio Grande do Sul. O ministro Humberto
Gomes de Barros relatou o caso. A decisão da Turma foi unânime.
A Turma reconheceu a validade da penhora executada pelo Banco do Brasil no
contrato de hipoteca firmado pelo companheiro de Neuza Oliveira. Para o
ministro Gomes de Barros, “não deve ser preservada a meação da companheira
do devedor que agiu de má-fé, omitindo viver em união estável para oferecer
bem do casal em hipoteca, sob pena de sacrifício da segurança jurídica e
prejuízo do credor”. O ministro salientou que, à época da assinatura do
contrato – 1991 –, não havia mecanismos de o banco exigir documentos para
ter conhecimento da existência da união estável.
União estável omitida
O contrato foi assinado pelo companheiro de Neuza Oliveira e na época, ele
deu como garantia o imóvel do casal e se declarou “desquitado” no documento,
omitindo o fato de viver em união estável. Quando o banco decidiu executar a
penhora, a execução foi contestada por Neuza Oliveira com embargos de
terceiro (tipo de ação judicial que busca o reconhecimento de direito de
terceiro).
No processo, Neuza Oliveira declarou que o bem foi adquirido pelo casal após
o início de sua união estável. Por esse motivo, segundo ela, o companheiro
não poderia dar o imóvel em garantia sem sua autorização, pois ela tem
direito à metade do bem.
O Juízo de primeiro grau acolheu o pedido de Neuza Oliveira. A sentença foi
confirmada, em parte, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
O Tribunal reconheceu o direito da meeira de embargar a execução para
proteger sua parte no bem. Segundo o TJ, para ter reconhecida a união
estável não é exigível decisão judicial para o caso concreto. O TJ-RS
destacou que a qualificação do companheiro como “desquitado”, no contrato,
“não impede o reconhecimento do direito à meação decorrente da união
estável”.
O Banco do Brasil recorreu ao STJ pedindo a declaração da validade da
hipoteca. Entre seus argumentos, a defesa institucional alegou que o
contratante teria agido de má-fé ao omitir sua convivência em união estável
no momento em que deu o imóvel em garantia no certame. O banco também
afirmou que, à época do contrato, não era possível verificar a existência de
união estável porque ainda não existia lei sobre o assunto e, além disso, o
companheiro se apresentou como “desquitado”. Neuza Oliveira também
apresentou recurso especial, mas o processo não foi admitido e, por isso,
não subiu para análise do STJ.
Boa-fé e segurança jurídica
O ministro Humberto Gomes de Barros acolheu o recurso do Banco do Brasil
para rejeitar os argumentos de Neuza Oliveira contra a validade da hipoteca.
O relator destacou que o TJ-RS, em julgamento, reconheceu a existência da
união estável anterior à assinatura da hipoteca em favor do banco. “Esse
fato não pode ser alterado em recurso especial”, salientou o ministro
lembrando a vedação ao exame de provas, como comanda a Súmula 7 do STJ. Com
isso, segundo o relator, de acordo com o artigo 1.725 do Código Civil,
deve-se “concluir que a recorrida (Neuza Oliveira) é mesmo proprietária de
metade do imóvel dado em hipoteca por seu companheiro”.
No entanto, o ministro destacou que a Lei n. 9.278, que regulamenta o artigo
226 da Constituição Federal, só surgiu em 1996. “Assim, os efeitos da união
estável em relação ao patrimônio ainda não estavam previstos em lei. Não se
sabia, àquela época, que futuramente a união estável seria equiparada ao
casamento em comunhão parcial de bens.” O relator ressaltou que, naquele
momento, “era impossível que o banco exigisse do devedor a outorga uxória
(documento que atesta o consentimento da companheira à apresentação do bem
como garantia no contrato), ou ato que o valha, pois não tinha como saber da
existência da união estável”.
Segundo o ministro, “a se admitir que a recorrida ponha a salvo sua meação,
em prejuízo do banco recorrente, estaríamos estimulando a conduta desleal do
devedor (companheiro). A possibilidade de fraudes seria enorme, até porque
não é possível que o credor tenha ciência inequívoca da situação de fato em
que se envolve o devedor”. Para o relator, se a decisão fosse diferente,
seria privilegiada “a má-fé nas relações jurídicas”.
No caso em questão, “dentre os direitos conflitantes, é menos lesivo à vida
em sociedade resguardar o do credor. As conseqüências da adoção da tese
contrária conduziriam a uma situação de insegurança jurídica insustentável”,
declarou Gomes de Barros. Por fim, o ministro destacou que Neuza Oliveira
também acionou o companheiro na Justiça por ele ter omitido a união estável
ao banco.
Autor: Elaine Rocha
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