REsp 1027925/RJ
Relator Ministro MASSAMI UYEDA
DJ 09/09/2008
RECURSO ESPECIAL Nº 1.027.925 - RJ (2008/0024822- 4)
RELATOR: MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE: LUIS VITORIANO VIEIRA TEIXEIRA
ADVOGADO: MARCIO BRUNO MILECH E OUTRO(S)
RECORRIDO: CARLOS JORGE SOARES DE AZEVEDO - ESPÓLIO
REPTE: EDNEA MARIA COSTA AZEVEDO
ADVOGADO: CLÁUDIO BASTOS COPELLO
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA - NEGATIVA
DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - INOCORRÊNCIA - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - EXERCÍCIO
DO DIREITO DE REGRESSO CONTRA O TABELIÃO - POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE -
OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE, CELERIDADE E DA ECONOMIA
PROCESSUAL - RESPONSABILIDADE CIVIL DOS TITULARES DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE
REGISTRO - NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE CULPA OU DOLO - RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA - RECURSO PROVIDO.
DECISÃO
Vistos.
Aceito a prevenção, porquanto proferi decisão no Agravo de Instrumento n.
625.235-RJ determinando a subida do presente recurso (fls. 913/914 e
932/933), e, em conseqüência, determino a redistribuição deste recurso
especial ao subscritor desta.
Cuida-se de recurso especial interposto por LUIS VITORIANO VIEIRA TEIXEIRA,
com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Constituição
Federal, em que se alega violação dos artigos 70, I, II e III, 72, § 2º,
267, VI, § 3º, 473, 458 e 535 I e II, do Código de Processo Civil; 158, 1060
e 1061 do Código Civil; e 28 da Lei nº 6.015/73.
Verifica-se, da análise dos autos, que DAIZO ADMINISTRADORA LTDA ajuizou
ação de anulação de escritura de compra e venda de imóvel, sob o rito
ordinário, em face de ESPÓLIO DE CARLOS JORGE SOARES DE AZEVEDO, assentando
que, em 16 de março ou maio de 1990, tomou conhecimento de que um imóvel de
sua propriedade fora alienado para o reú, por ato praticado pelo senhor
Antônio Dias de Figueiredo, representante e sócio da empresa-autora.
Entretanto, consigna, na exordial, que referido sócio não participou do ato
de alienação, mas teve sua assinatura falsificada. O ESPÓLIO DE CARLOS JORGE
SOARES DE AZEVEDO, em sede de contestação, após sustentar que não tinha
conhecimento de qualquer vício do ato de alienação, denunciou à lide o
Tabelião da Serventia do 18º Ofício de Notas da Comarca da Capital/RJ, LUIZ
VITORIANO VIEIRA TEIXEIRA.
O r. Juízo de Direito da 14ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ, anotando
tratar-se de venda a non domino, nula, portanto, de pleno direito, julgou
procedente o pedido autoral, para "declarar a nulidade da escritura pública
de 16/05/1990, do 18º Ofício de Notas, Livro nº 5.198, fl. 79, e,
conseqüentemente, do contrato de compra e venda nela consubstanciado,
restituindo as partes ao 'status quo ante'", condenando, ainda, os réus ao
pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no valor de R$
3.000,00 (três mil reais). O Juízo sentenciante julgou o pedido de
denunciação da lide procedente, para condenar o denunciado, LUIZ VITORIANO
VIEIRA TEIXEIRA, ao pagamento das perdas e danos causados aos réus, ESPÓLIO
DE CARLOS JORGE SOARES DE AZEVEDO, em virtude da anulação do negócio de
compra e venda, no valor correspondente ao imóvel cuja propriedade perderam,
a ser apurado em liquidação por arbitramento (fls. 310/316).
Interposto recurso de apelação pelo denunciado, LUIZ VITORIANO VIEIRA
TEIXEIRA, e recurso adesivo pelo réu, ESPÓLIO DE CARLOS JORGE SOARES DE
AZEVEDO, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou
provimento ao primeiro e conferiu parcial provimento ao segundo, em acórdão
assim ementado:
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA COM PEDIDO DE CONDENAÇÃO EM
PERDAS E DANOS FALSIFICAÇÃO DA ASSINATURA DO REPRESENTANTE LEGAL DA
REQUERENTE, LEGÍTIMA PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL. DENUNCIAÇÃO À LIDE DO NOTÁRIO
ACOLHIDA E, PORTANTO, SUPERADA POR FORÇA DE AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RESPONSABILIDADE PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS AOS DENUNCIANTES E QUE DEVEM SER
SUPORTADOS PELO DENUNCIADO. HONORÁRIOS QUE MERECEM ELEVAÇÃO. IMPROVIMENTO DO
RECURSO PRINCIPAL E PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.
I - Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da
Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que
assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviços públicos - § 6º do artigo 37 também da Carta da
República;
II - Assim, comprovado que os fatos se deram na Vigência da Constituição de
1988, não se discute a responsabilidade do tabelião, mesmo porque após o seu
"visto" no documento evidenciando a sua responsabilidade pessoal como anota
o julgado, aliada essa circunstância ao fato de que a ele cabia exercer a
disciplina como delegatário de serviço público, inserindo a sua
responsabilidade, também, no risco da exploração da atividade econômica,
III - A sentença condenou o litisdenunciado no pagamento aos Réus das perdas
e danos por eles suportados e que respondem ao preço do imóvel que perderam
em virtude do julgado em valor a ser apurado em liquidação por arbitramento
e, portanto, atendeu ao comando do art. 76, do Código de Processo Civil, não
se falando em sentença condicional:
IV - Os honorários em favor do litisdenunciante merecem elevação dentro da
análise do que dispõe o art 20, § 3º do Código de Processo Civil;
V - Improvimento do recurso principal, acolhendo-se parcialmente o recurso
adesivo. (fls. 423/427).
No presente apelo nobre, busca o recorrente a reforma do v. acórdão,
sustentando, em síntese, não caber, na espécie, denunciação da lide, pois
não incide qualquer das hipóteses do art. 70, CPC. Anota que, nos termos do
artigo 72, § 2º, do citado diploma legal, não se procedendo à citação no
prazo marcado, a ação prosseguirá unicamente contra o denunciante. Aduz que,
em observância ao mandamento constitucional contido no artigo 236, CF, a
responsabilidade dos notários se subsume à lei infraconstitucional , que, à
época dos fatos, era regida pelo artigo 28 da Lei nº 6.015/73, em que
assenta ser subjetiva a responsabilidade destes. Afirma, também, inexistir
relação de preposição com o responsável pela lavratura do ato, pois a
escritura anulada foi elaborada por técnico judiciário juramentado do Estado
do Rio de Janeiro, sujeito ao poder hierárquico exclusivo da Corregedoria
Geral de Justiça, mostrando-se, por conseguinte, ausente o nexo de
causalidade entre sua conduta e o evento danoso.
Sobre a extensão das perdas e danos, assinala a necessidade de se
restabelecer o status ante quo, nos termos da escritura anulada.
Aponta que, a despeito da oposição dos embargos de declaração, o acórdão
remanesceu omisso e obscuro acerca dos temas retromencionados. Por fim,
anota a existência de dissenso jurisprudencial acerca da matéria suscitada
(fls. 446/475).
O recorrido apresentou contra-razões às fls. 517/520.
É o relatório.
O inconformismo do recorrente merece prosperar.
Com efeito.
Observa-se, da análise dos autos, que não há se alegar, como quer o
recorrente, negativa de prestação jurisdicional. In casu, embora o resultado
não tenha sido favorável ao ora recorrente, o Tribunal a quo analisou todos
os temas relevantes suscitados pelas partes.
É certo que o órgão julgador não é obrigado a se manifestar sobre todos os
pontos alegados pelas partes, mas somente sobre aqueles que entender
necessários para o julgamento do feito, de acordo com seu livre
convencimento fundamentado (CPC, art. 131), utilizando-se dos fatos, provas,
jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender
aplicável ao caso (nesse sentido: STJ, AgRg no Ag nº 638.361/PB, Rel. Min.
José Delgado, Primeira Turma, v.u., j. 03/03/2005, DJ 19/12/2005; STJ, AgRg
no REsp nº 705.187/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, v.u., j.
15/09/2005, DJ 26/09/2005).
Assim, resultado diferente do pretendido pela parte não implica,
necessariamente, omissão ou ofensa à legislação infraconstitucional.
Sobreleva consignar, também, que as preliminares aventadas pelo recorrente
acerca do cabimento da denunciação da lide, conforme exposto pelas
Instâncias ordinárias, já foram analisadas por ocasião da interposição de
agravo de instrumento, no qual o r. Juízo procedeu ao juízo de retratação.
Ressalta-se, ademais, que a denunciação da lide, estribada no artigo 70,
III, do Código de Processo Civil, refere-se, de forma genérica e abrangente,
a todas as hipóteses de direito de regresso, previstas em lei ou em
contrato, em que o denunciante, utilizando-se da prerrogativa de exercer seu
direito de regresso na própria ação em que é demandado, já que poderia
fazê-lo por meio de ação autônoma, denuncia à lide terceiro que, em tese,
responderá pelo prejuízos sofridos pelo denunciante, se este vier a sucumbir
na ação principal.
Nesse sentido, esta a. Corte já decidiu:
[...] A denunciação da lide é, em regra, uma faculdade, nada impedindo que o
denunciante exerça, em ação autônoma, o seu direito de regresso. 9.
Sobressai, assim que a idéia da denunciação está vinculada a de direito de
regresso, que lhe é preponderante, sendo certo que a admissibilidade da
denunciação não significa a sua procedência, assim como a admissibilidade da
ação pelo preenchimento das condições do direito de agir afasta, apenas, a
carência da ação, não influindo sobre o mérito. 10. Denunciação à lide
requerida com fulcro no art. 70, III, do CPC, dispositivo que contém redação
genérica e prevê todas as situações de regresso contempladas na lei ou no
contrato. REsp 550095/SC, relator Ministro Luiz Fux ,DJ 25.10.2004 p. 224
Não se olvida, ainda, que a denunciação da lide, como modalidade de
intervenção de terceiros, deve observar os princípios da instrumentalidade,
da celeridade e da economia processual, sob pena de se mostrar inviável o
seu cabimento. Na espécie, constata-se que a denunciação da lide,
expressamente admitida pela autora da ação principal, em nada obstou o
andamento desta, tanto que as ações, a principal e a acessória (denunciação
da lide), foram conjuntamente julgadas, não pendendo sobre a primeira
qualquer recurso (o recurso adesivo interposto pelo réu na ação principal
cingiu-se única e exclusivamente quanto à majoração dos honorários
advocatícios), não havendo razão, portanto, para, na espécie, não se admitir
a denunciação da lide.
Razão, contudo, assiste ao recorrente no que se refere à questão afeta a sua
responsabilização civil, na qualidade de Tabelião de Serventia.
Por definição constitucional, as atividades notariais e de registro são
serviços públicos exercidos em caráter privado por delegação do Poder
Público (ut artigo 236, caput, CF). Sobreleva consignar, também, que o
Supremo Tribunal Federal, em iterativos julgados, tem deixado assente que os
notários e registradores são agentes públicos, o que torna o Estado
responsável, direta e objetivamente, pelos danos por eles causados a
terceiros. Permite-se ao Estado, assim, promover ação de regresso contra os
titulares de serviços notariais e de registro (ou de seus prepostos), desde
que demonstrada a culpa ou o dolo. (ut AgRRE 209.354, Rel. Carlos Velloso,
DJ 16.04.99; RE 201.595, Rel. Marco Aurélio, DJ 20.04.01; RE 175.739, Rel.
Marco Aurélio, 26.02.99; RE 116.662, Rel. Moreira Alves, DJ 16.10.98; RE
187.753, Rel. Ilmar Galvão, DJ 13.08.99; e RE 330395/SP, Rel. Min. Gilmar
Medes, DJ 17/11/2006).
À margem da discussão relacionada aos preceitos constitucionais, é certo
que, na espécie, a escritura de compra e venda anulada foi lavrada em 1990,
portanto já sob a égide da Constituição Federal de 1988, em que há
disposição expressa acerca da regularização da matéria por lei (ut artigo
236, § 1º, CF), bem com da Lei nº 6.015/73, recepcionada por aquela, que
dispõe sobre os Registros Públicos e dá outras providências.
O artigo 28 da referida Lei infraconstitucional , ao delimitar a
responsabilidade civil dos registradores, dispôs que: "Além dos casos
expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos
os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que
indicarem, causarem, por culpa ou dolo, os interessados no registro."
Oportuno deixar assente que as legislações que se seguiram à edição desta,
regulando especificamente a matéria, foram elaboradas no mesmo sentido (ut
artigo 22 da Lei nº 8935/94 e artigo 38 da Lei nº 9492/97).
Inafastável, por conseguinte, a necessidade de se comprovar, para fins de
responsabilização civil dos titulares de serviços notariais e de registro, a
atuação culposa ou dolosa destes.
Não é outro, aliás, o entendimento de abalizada doutrina que sobre o tema
dispôs que: "[...] Os notários e registradores responderão, por via de
regresso, perante o Poder Público, pelos danos que eles e seus prepostos
causarem a terceiros, nos casos de dolo ou culpa, assegurando-se-lhes o
direito de ação regressiva em face do funcionário causador direto do
prejuízo; IV - Nada impede, contudo, que o prejudicado ajuíze a ação
diretamente contra o titular do Cartório, desde que se disponha a provar-lhe
a culpa (latu sensu), posto que, contra o Estado, tal seria dispensado,
bastando a demonstração do nexo de causalidade e do dano" (Rui Stoco -
Tratado de Responsabilidade Civil - 6ª Edição, p. 577 - Editora Revista dos
Tribunais)
Bem de ver, assim, que o Tribunal de origem, ao considerar objetiva a
responsabilidade do Tabelião por ato seu e de escrevente técnico lotado em
sua Serventia, também destou da orientação jurisprudencial pacífica desta a.
Corte que entende ser subjetiva a responsabilidade dos titulares de serviços
notariais e de registro, conforme se depura do seguinte julgado:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO -
EVENTO DANOSO CAUSADO POR ATO DE TABELIONATO NÃO OFICIALIZADO - LEGITIMIDADE
PASSIVA - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - AÇÃO DE REGRESSO - NEXO DE CAUSALIDADE.
1. Provado nos autos que a fraudulenta alienação imobiliária só se realizou
em face de apresentação de falsa procuração pública, cabe ao Estado
responder pela indenização por ato ilícito do seu preposto.
2. Os tabelionatos são serventias judiciais e estão imbricadas na máquina
estatal, mesmo quando os servidores têm remuneração pelos rendimentos do
próprio cartório e não dos cofres públicos.
3. Embora seja o preposto estatal também legitimado para responder pelo
dano, sendo diferentes as suas responsabilidades, a do Estado objetiva e a
do preposto subjetiva, caminhou a jurisprudência por resolver em primeiro
lugar a relação jurídica mais facilmente comprovável, ressalvando- se a ação
de regresso para apurar-se a responsabilidade subjetiva do preposto estatal.
4. Nexo causal devidamente estabelecido pela perda de um negócio jurídico
oneroso, só praticado pela apresentação de uma procuração falsa.
5. Recurso especial improvido." (REsp 489511/SP, Relatora Ministra Eliana
Calmon, DJ 04.10.2004). Confira-se, ainda: Resp 481.939/GO, relator Ministro
Teori Albino Zavascki, DJ. 21.3.2005.
Em face de tal desfecho, as questões remanescentes restam, por óbvio,
prejudicadas.
Assim sendo, amparado no artigo 557, § 1º -A, do Código de Processo Civil,
dá-se provimento ao recurso especial, para afastar a responsabilidade
objetiva do Tabelião, determinando-se, pois, que o Tribunal de origem
prossiga no exame da apelação.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 1º de abril de 2008.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Ministro
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