DECISÃO
MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. VINCULAÇÃO DA
RENDA DOS RESPONSÁVEIS INTERINAMENTE POR SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS AO TETO
REMUNERATÓRIO CONSTITUCIONAL. LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.
Relatório
1. Mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado por Luiz
Gonzaga Clímaco Neto, em 20.8.2010, contra ato do Corregedor Nacional de
Justiça que "determinou que [os que] estão provisoriamente à frente dos
cartórios não podem mais receber acima do teto salarial do serviço público
estadual, hoje fixado em R$ 24.117,61" (fl. 2 da petição inicial).
O caso
2. O Impetrante noticia que "foi nomeado, em virtude de habilitação em
concurso público, para exercer o cargo de Oficial do Registro de Imóveis,
Pessoas Jurídicas, Títulos, Documentos e Tabelionato de Notas, Distrito de
Aragominas-TO, em 25.3.1994[, e,] em 5.6.2001, (...) foi removido, por
permuta, daquela função para a de titular do 1º Cartório de Notas de
Araguaína-TO" (fl. 2 da petição inicial).
Em 12.7.2010, foi publicada a decisão do Corregedor do Conselho Nacional de
Justiça, a qual determinou que:
"6. O serviço extrajudicial que não está classificado dentre aqueles
regularmente providos é declarado revertido do serviço público ao poder
delegante. Em consequência, os direitos e privilégios inerentes à delegação,
inclusive a renda obtida com o serviço, pertencem ao Poder Público (à
sociedade brasileira).
6.1 O interino responsável pelos trabalhos da serventia que não está
classificada dentre as regularmente providas (interino que não se confunde
com o notário ou com o registrador que recebe delegação estatal e que não é
servidor público, cf. ADI 2602-MG) é um preposto do Estado delegante, e como
tal não pode apropriar-se da renda de um serviço público cuja delegação
reverteu para o Estado e com o Estado permanecerá até que nova delegação
seja efetivada.
6.2 O interino, quando ocupante de cargo público (cf. é verificado em alguns
Estados que designam servidores do Tribunal para responder por serviços
vagos), manterá a remuneração habitual paga pelos cofres públicos. Por outro
lado, interino escolhido dentre pessoas que não pertencem ao quadro
permanente da administração pública, deve ser remunerado de forma justa, mas
compatível com os limites estabelecidos para a administração pública em
geral, já que atua como preposto do Estado.
6.3 Nenhum responsável por serviço extrajudicial que não esteja classificado
dentre os regularmente providos poderá obter remuneração máxima superior a
90,25% dos subsídios dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal, em
respeito ao artigo 37, XI, da Constituição Federal;
6.4 O valor da remuneração do interino também deverá ser lançado na folha de
pagamento e no balancete mensal do serviço extrajudicial (cf. Anexo), a
título de despesa ordinária para a continuidade da prestação do serviço;
6.5. As despesas necessárias ao funcionamento do serviço extrajudicial,
inclusive as pertinentes à folha de pagamento, serão igualmente lançadas no
balancete mensal de prestação de contas;
6.6. A partir da publicação desta decisão, a diferença entre as receitas e
as despesas deverá ser recolhida, até o dia dez de cada mês, aos cofres
públicos, sob a classificação Receitas do Serviço Público Judiciário, ou a
fundo legalmente instituído para tal fim (art. 98, § 2º, da CF, c.c. o art.
9º da Lei n. 4.320/1964).
6.7 Conforme estabelece o artigo 3º, § 4º, da Resolução n. 80 do Conselho
Nacional de Justiça, aos interinos é defeso contratar novos prepostos,
aumentar salários dos prepostos já existentes na unidade, ou contratar novas
locações de bens móveis ou imóveis, de equipamentos ou de serviços, que
possam onerar a renda da unidade vaga de modo continuado, sem a prévia
autorização do respectivo tribunal a que estiver afeta a unidade do serviço.
Todos os investimentos que comprometam a renda da unidade vaga deverão ser
objeto de projeto a ser encaminhado para a aprovação do respectivo tribunal
de justiça".
3. O Impetrante sustenta a ilegalidade da decisão acima transcrita e
argumenta que:
"a percepção da integralidade dos emolumentos da serventia é direito
inafastável do titular de um cartório. Ademais, a Lei n. 8.935/94
estabelece:
¿Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no
exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos
integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas
hipóteses previstas em lei¿.
(...)
Por mais que se façam interpretações livres, que se criem conjecturas, a
verdade é que os chamados "interinos" são notários e registradores (ao menos
até o dia em que sejam retirados do posto que ocupam).
O Impetrante é notário e tem direito à percepção dos emolumentos integrais.
O pretenso fundamento para a decisão do [Conselho Nacional de Justiça] é o
art. 37, XI, da [Constituição da República].
(...)
Na verdade, os notários e registradores não são ocupantes de cargo, função
ou emprego públicos. Não recebem remuneração ou subsídio. Não são ligados à
Administração Pública direta, indireta, autárquica ou fundacional.
Os notários e registradores são delegatários do serviço público. (...) O
serviço é exercido em caráter privado. Não há que se falar em aplicação do
teto remuneratório a esses profissionais.
(...)
Certamente não foi o [Conselho Nacional de Justiça] quem delegou a atividade
notarial e registral aos 'interinos' que ocupam tais serventias. Assim, a
pretensa competência do [Conselho Nacional de Justiça] para 'reverter' o
serviço judicial ao poder delegante não deriva da competência que teria -
por óbvio - quem delegou o serviço extrajudicial. Quem delegou o serviço
extrajudicial foi o Tribunal de Justiça, que haveria de ser quem poderia
'reverter' tal serviço.
Afora isso, somente decisão judicial poderia reverter o serviço
extrajudicial para o poder delegante" (fls. 4-6 da petição inicial, grifos
no original).
Requer "a concessão de medida liminar, determinando a suspensão dos efeitos
da decisão do [Conselho Nacional de Justiça], no que diz respeito ao ponto
em que limita a percepção dos emolumentos (...) aos limites do teto
remuneratório do serviço público". Pede seja concedida a segurança, "em
todos os seus termos, reconhecendo o [seu] direito (...) de perceber a
integralidade dos emolumentos pertinentes à serventia extrajudicial que
ocupa" (fl. 8 da petição inicial).
Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO:
4. De início, cumpre observar que o Impetrante não instruiu os autos com
cópia do ato apontado como coator, nos termos do art. 6º da Lei 12.016/2009.
Contudo, por cuidar o ato ora atacado de decisão da Corregedoria Nacional de
Justiça com 15.449 páginas e por ter o Impetrante indicado a data de sua
publicação no Diário de Justiça Eletrÿnico, a ausência de cópia dessa
decisão nos autos, excepcionalmente, não implica o indeferimento da petição
inicial.
5. A decisão do Conselho Nacional de Justiça nos autos do Processo n.
0000384.41.2010.2.00.000, apontada como coatora, foi proferida em 12.7.2010,
e o presente mandado de segurança foi impetrado em 20.8.2010, pelo que se
verifica que não houve, na espécie, a extinção do direito nos termos do art.
23 da Lei 12.016/2009.
6. Ressalta-se, ainda, o cabimento da presente impetração, pois compete ao
Supremo Tribunal Federal o controle dos atos proferidos pelo Conselho
Nacional de Justiça, do qual é órgão a Corregedoria Nacional de Justiça, nos
termos do art. 7º do Regimento Interno daquele Conselho.
Nesse sentido, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
3.367/DF, Relator o Ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal
decidiu que o Conselho Nacional de Justiça tem "competência relativa apenas
aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal
Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o
Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional.
Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra "r", e § 4º, da CF" (ADI
3.367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJ 13.4.2005).
7. Na espécie, demonstra-se a existência de pelo menos um dos requisitos
legais expressamente exigidos para o deferimento de medida liminar em
mandado de segurança, a saber, a relevância do fundamento (art. 7º, inc.
III, da Lei 12.016/2009).
O Impetrante manteve-se na condição, ainda que precária, de responsável
pelos trabalhos da serventia de Araguaína/TO até que ela fosse regularmente
provida.
Contudo, ao limitar a renda percebida pelo Impetrante em contrapartida às
atividades dessa serventia - em atenção ao previsto no art. 37, inc. XI, da
Constituição da República -, parece, nesse juízo precário de delibação, ter
o Conselho Nacional de Justiça atuado além de sua competência
constitucional.
8. Na presente impetração, é certo que o indeferimento da medida liminar não
acarretaria, incontornavelmente, a ineficácia da medida se, ao final, vier a
ser deferida, como também exige a norma do art. 7º, inc. III, da Lei
12.016/2009.
Isso porque o reconhecimento do direito à totalidade das receitas
provenientes das serventias extrajudiciais, independentemente de vinculação
ao teto remuneratório constitucional, teria como consequência a restituição
dos valores indevidamente recolhidos aos cofres públicos.
Ainda que contornáveis, os efeitos imediatos da decisão ora atacada podem
provocar prejuízos que devem ser evitados neste momento processual, em razão
da relevância do fundamento em que se ampara o pedido do Impetrante, o que
justifica, nesse ponto, a suspensão do ato apontado como coator.
Pelo exposto, defiro a medida liminar para suspender os efeitos da decisão
do Corregedor Nacional de Justiça no Processo n. 0000.384.41.2010.2.00.0000
do Conselho Nacional de Justiça, apenas na parte em que determina que
"nenhum responsável por serviço extrajudicial que não esteja classificado
dentre os regularmente providos poderá obter remuneração máxima superior a
90,25% dos subsídios dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal, em
respeito ao artigo 37, XI, da Constituição Federal".
9. Notifique-se o Conselho Nacional de Justiça para, querendo, prestar
informações no prazo improrrogável de dez dias (art. 7º, inc. I, da Lei n.
12.016/2009 e art. 203 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).
Oficie-se, com a urgência que o caso requer, aos órgãos responsáveis pelo
cumprimento da decisão.
10. Na sequência, vista ao Procurador-Geral da República (art. 12 da Lei n.
12.016/2009 e art. 205 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).
Publique-se.
Brasília, 27 de agosto de 2010.
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora |