TJMG decide que a averbação da Reserva Legal não é requisito para o registro de escrituras

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Apelação Cível nº 000.297.454-1/00


Ementa: A reserva legal será instituída como forma de preservar as florestas e matas nativas existentes, evitando-se o desmatamento e a degradação do imenso potencial florístico brasileiro.

Apelação Cível nº 000.297.454-1/00 - Comarca de Ibiraci - Apelante(s): Dinamérico Gomes e outros - Apelado(s): Oficial Cart. Reg. Imóveis Ibiraci - Relator: Exmo. Sr. Des. Carreira Machado.
Acórdão
Vistos, etc., acorda, em Turma, a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 28 de novembro de 2002.
DES. CARREIRA MACHADO - Relator
Notas Taquigráficas
O Sr. Des. Carreira Machado:
Voto

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Dinamérico Gomes e outros, f. 70-83, à sentença proferida pelo Juiz de Direito da Comarca de Ibiraci, f. 64-68, que em Mandado de Segurança, impetrado pelo apelante contra ato do Oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Ibiraci, denegou a segurança pleiteada.
Os apelantes argumentam que adquiriram propriedade rural na Comarca de Ibiraci e quando foram registrá-la o oficial do cartório local negou o pedido, com fundamento no Provimento nº 50 da Corregedoria de Justiça de MG e no artigo 16 do Código Florestal, condicionando o registro à averbação da reserva legal na matrícula do imóvel. Aduzem que a Medida Provisória n. 2.166-67 alterou o referido artigo e a sua correta interpretação determina que a averbação se dê somente nas áreas ainda cobertas de florestas e de vegetações nativas e não, como sentenciou o Juiz, em qualquer área.
Juntaram as Escrituras de Compra e Venda referentes ao imóvel rural matriculado sob o nº R-9-621, registrado no livro 77, fls. 075/076-verso no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Ibiraci:
- Escritura de Compra e Venda de imóvel rural outorgada por Vicente Arias Neto e outros, como vendedores, e Luís Antônio Gomes, como comprador, registrada no livro nº 114, fls. 061/062-verso, f. 18-19-verso-TJ;
- Escritura de Compra e Venda de imóvel rural outorgada por Vicente Arias Neto e outros, como vendedores, e Antônio Andrade Peixoto e outros (inclusive o impetrante José Alves de Andrade Peixoto) como compradores, registrada no livro nº 114, fls. 059/060-verso, t. 21-22-verso;
- Escritura de Compra e Venda de imóvel rural outorgada por Vicente Arias Neto e outros, como vendedores, e Dinamérico Gomes como comprador, registrada no livro nº 114, fls. 055/058, fl. 24-26-verso.
O artigo 16 do Código Florestal foi alterado pela Medida Provisória nº 2.166-67, passando a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 16 - As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:
I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;
II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo;
III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e
IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.
§ 1º - O percentual de reserva legal na propriedade situada em área de floresta e cerrado será definido considerando separadamente os índices contidos nos incisos I e II deste artigo.
§ 2º - A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabelecidos no regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas no § 3º deste artigo, sem prejuízo das demais legislações específicas.
§ 3º - Para cumprimento da manutenção ou compensação da área de reserva legal em pequena propriedade ou posse rural familiar, podem ser computados os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas.
§ 4º - A localização da reserva legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente ou, mediante convênio, pelo órgão ambiental municipal ou outra instituição devidamente habilitada, devendo ser considerados, no processo de aprovação, a função social da propriedade, e os seguintes critérios e instrumentos quando houver:
I - o plano de bacia hidrográfica;
II - o plano diretor municipal;
III - o zoneamento ecológico-econômico;
IV - outras categorias de zoneamento ambiental; e
V - a proximidade com outra Reserva Legal, Área de Preservação Permanente, unidade de conservação ou outra área legalmente protegida.
§ 5º - O Poder Executivo, se for indicado pelo Zoneamento Ecológico Econômico - ZEE e pelo Zoneamento Agrícola, ouvidos o CONAMA, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura e do Abastecimento, poderá:
I - reduzir, para fins de recomposição, a reserva legal, na Amazônia Legal, para até cinquenta por cento da propriedade, excluídas, em qualquer caso, as Áreas de Preservação Permanente, os ecótonos, os sítios e ecossistemas especialmente protegidos, os locais de expressiva biodiversidade e os corredores ecológicos; e
II - ampliar as áreas de reserva legal, em até cinquenta por cento dos índices previstos neste Código, em todo o território nacional.
§ 6º - Será admitido, pelo órgão ambiental competente, o cômputo das áreas relativas à vegetação nativa existente em área de preservação permanente no cálculo do percentual de reserva legal, desde que não implique em conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo, e quando a soma da vegetação nativa em área de preservação permanente e reserval legal exceder a:
I - oitenta por cento da propriedade rural localizada na Amazônia Legal;
II - cinquenta por cento da propriedade rural localizada nas demais regiões do País; e
III - vinte e cinco por cento da pequena propriedade definida pelas alíneas "b" e "c" do inciso I do § 2º do art. 1º.
§ 7º - O regime de uso da área de preservação permanente não se altera na hipótese prevista no § 6º.
§ 8º - A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código.
§ 9º - A averbação da reserva legal da pequena propriedade ou posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público prestar apoio técnico e jurídico, quando necessário.
§ 10 - Na posse, a reserva legal é assegurada por Termo de Ajustamento de Conduta, firmado pelo possuidor com o órgão ambiental estadual ou federal competente, com força de título executivo e contendo, no mínimo, a localização da reserva legal, as suas características ecológicas básicas e a proibição de supressão de sua vegetação, aplicando-se, no que couber, as mesmas disposições previstas neste Código para a propriedade rural.
§ 11 - Poderá ser instituída reserva legal em regime de condomínio entre mais de uma propriedade, respeitado o percentual legal em relação a cada imóvel, mediante a aprovação do órgão ambiental estadual competente e as devidas averbações referentes a todos os imóveis envolvidos".
Como se vê, a reserva legal será instituída como forma de preservar as florestas e matas nativas existentes, evitando-se o desmatamento e a degradação do imenso potencial florístico brasileiro. Preserva-se o que ainda existe.
Nesse sentido:
"Desapropriação - Estação Ecológica Juréia-Itatins - Artigo 535, Inciso II, do Código de Processo Civil - Artigos 1º, 2º e 16, do Código Florestal - Reserva Legal - Mata de Preservação Permanente - Não há qualquer omissão no que tange à questão objeto dos embargos declaratórios, que examinou suficientemente o tema e expôs seu posicionamento com clareza. O Código Florestal estabelece, em seu artigo 16, que devem ser excluídos da exploração econômica 20% de todas "as florestas de domínio privado". exceção feita àquelas "sujeitas ao regime de utilização limitada" e "ressalvadas as de preservação permanente", estas últimas definidas nos artigos 2º e 3º do mesmo diploma". (REsp nº 162547 - Relator Ministro Franciulli Netto, DJU 02.04.2001 - p. 00280).
Entender que o legislador deu à expressão sentido mais amplo, abrangendo áreas de cultivo, já sem a cobertura florística original, obrigando que o proprietário de imóvel rural com estas características reserve 20% da área para reinserção da vegetação nativa, revela-se ofensivo ao direito de propriedade constitucionalmente garantido, não encontrando suporte na norma legal.
Assevero que a melhor hermenêutica aconselha que os parágrafos de um artigo de lei sejam interpretados em consonância com o disposto no seu caput.
O Provimento nº 50 da Corregedoria de Justiça regulamenta a averbação da área de reserva legal de forma genérica, nos termos do § 8º do artigo 16 do Código Florestal, não se aplicando ao caso em exame pelos motivos já aduzidos acima. Ele dispõe:
"Art. 1º - A averbação da área de reserva legal no registro de imóveis obedecerá às disposições da Lei Federal nº 4.771, de 15/09/65, com as alterações da Medida Provisória nº 1.956-50, de 26/05/2000, e das publicações subsequentes, e da Lei Federal nº 6.015, de 31/12/73, com as modificações da legislação posterior.
Art. 2º - "A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação de área, com as exceções previstas neste Código" (art. 16, § 8º, do Código Florestal).
Art. 3º - Os emolumentos pela averbação da reserva legal no registro de imóveis devem ser cobrados em consonância com o disposto na Lei Estadual nº 12.727, de 30/12/97, com as alterações e acréscimos da Lei nº 13.438, de 30/12/99, Anexo I, Tabela 4, nº I, alínea e, e Nota V.
§ 1º - A "averbação da reserva legal de pequena propriedade ou posse rural familiar é gratuita", nos termos do artigo 16, § 9º, da Lei Federal nº 4.771, 15/09/65.
Art. 4º - Este provimento entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogados o Provimento nº 23, de 24/10/97, e o Provimento nº 30, de 02/03/98".
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, reformo a sentença e concedo a segurança para que o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Ibiraci abstenha-se de exigir dos impetrantes a prévia averbação da área de reserva legal como requisito para que se proceda aos registros das escrituras de compra e venda acima relacionadas e cujo traslado acompanham este mandamus.
Custas de 1ª e 2ª Instâncias pelo impetrado.
O Sr. Des. Almeida Melo:
Voto
Pelo que consta, trata-se da exigência do registrador, em função do Provimento nº 50/2000, no sentido de se averbar área de reserva legal, no registro de transmissão de propriedade rural constituída de terras de cultura, cerrado e campos (f. 18-v-TJ; 21-v-TJ e 24-TJ).
Procurou-se cumprir o art. 16 do Código Florestal, alterado pela Medida Provisória n. 2.166-67, que disciplina a supressão de florestas e outras formas de vegetação nativa.
A exigência é descabida quando se trate de terras de cultura, cerrado e campos, por não serem florestas ou vegetações nativas que tenham preservação amparada pelo citado Código. A cultura é criada e mantida pelo homem. Não é nativa. O cerrado é a vegetação composta de arbustos enfezados, de galhada tortuosa, entre os quais vegetam as gramíneas que servem de pasto ao gado. O campo é a extensão de terra, arável ou arada, que não possui vegetação nativa e importante. Trata-se de vegetação herbácea, raras árvores, poucos acidentes, que homem aproveita para a plantação.
A noção básica da proteção florestal diz respeito à defesa da cobertura vegetal necessária à terra que reveste (art. 1º da Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, que contém o Código Florestal). Somente nesta acepção compreendem-se "outras formas de vegetação nativa", acrescidas pela alteração da Medida Provisória n. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001.
Seja supressão, seja exploração, o art. 16 do Código Florestal sempre relaciona-se com floresta ou área cuja vegetação nativa seja cobertura da terra que deva ser preservada.
No caso dos autos, não se encontra floresta nem vegetação nativa que constitua objeto de exploração ou de supressão. Simples transmissão da terra no estado em que se encontra.
Logo, a averbação da área de reserva legal, ditada pelo § 8º do art. 16 do Código Florestal pressuporia o fato de alguma exploração ou supressão e não poderia ser alterada por ocasião de transmissão, desmembramento ou retificação.
Não sendo o caso de exploração ou supressão de floresta ou forma de vegetação nativa, não há a precedente averbação a ser mantida averbada.
Dou provimento à apelação, concedo a segurança, para que a transmissão da propriedade, nos três casos de Mandado de Segurança, faça-se, sem a exigência de averbação de área de reserva legal se por outro motivo não for exigível, ou seja, se a exigência não decorre de exploração ou supressão de floresta ou de vegetação de cobertura que se preserva.
O Sr. Des. Hyparco Immesi:
Voto
De acordo.
SÚMULA: DERAM PROVIMENTO.