Dação em pagamento - Mandatário - Procuração - Poderes para compra e venda - Extrapolação dos poderes - Nulidade do contrato

CONTRATO DE DAÇÃO EM PAGAMENTO - MANDATÁRIO - PROCURAÇÃO POR INSTRUMENTO PÚBLICO - PODERES ESPECIAIS INERENTES À COMPRA E VENDA - EXTRAPOLAÇÃO DOS PODERES PELO MANDATÁRIO - RECONHECIMENTO DE DÍVIDA - IMPOSSIBILIDADE - NECESSIDADE DE PODER ESPECIAL - NULIDADE DO CONTRATO - EMBARGOS INFRINGENTES QUE SE ACOLHEM

- Verificando que o contrato denominado de "compra e venda de imóvel" possui cláusulas inerentes a reconhecimento de dívida e transferência da propriedade do imóvel para saldar a dívida reconhecida, é de se reconhecer que o negócio realizado se trata de "dação em pagamento", nos termos da lei.

- Se o mandatário recebeu poderes especiais, tão somente para realizar a venda do imóvel e com determinação de posterior prestação de contas, não pode praticar ato de reconhecimento de dívida e transferir o imóvel em "dação em pagamento" para saldar a dívida por ele mesmo reconhecida, porquanto tais atos dependem de poderes especiais expressos, figurando como extrapolação dos poderes especiais inerentes à venda simples do imóvel.

- Se o contrato de "dação em pagamento" é firmado por mandatário que não possui os poderes especiais para tal, é de se conferir a anulabilidade do referido instrumento, principalmente se não houve ato de ratificação pelo mandante.

Embargos Infringentes Cível n° 1.0223.03.106634-1/003 em Apelação Cível nº 1.0223.03.106634-1/001 - Comarca de Divinópolis - Embargante: José de Assis Franco, representado por Miguel de Oliveira Franco - Embargado: Musse João Hallak - Relator: Des. Luiz Carlos Gomes da Mata

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em acolher os embargos infringentes, vencidos o Revisor e o Segundo Vogal.

Belo Horizonte, 28 de maio de 2009. - Luiz Carlos Gomes da Mata - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA - Trata-se de embargos infringentes opostos por José de Assis Franco, em razão da divergência de votos por ocasião do acórdão constante de f. 146/155, que decidiu pela rejeição de preliminar à unanimidade, com provimento ao recurso de apelação, vencida a ilustre Desembargadora Revisora. O voto minoritário, a que pretende o embargante reavivar, confirmou a sentença de primeiro grau, que julgou improcedente o pedido de adjudicação compulsória do imóvel descrito no instrumento particular de f. 12.

Sustenta o embargante a nulidade do instrumento contratual utilizado pelo embargado como base de seu pedido, tendo em vista que o procurador que teria representado o embargante na referida avença não teria poderes para a formalização de dação em pagamento, sendo esse o verdadeiro negócio jurídico realizado, conforme agasalhado pelo voto minoritário da lavra da eminente Desembargadora Cláudia Maia.

Tece considerações outras, pedindo o embargante, ao final, pela prevalência do voto minoritário apontado.

O acórdão constante de f. 146/155, rejeitou por unanimidade a preliminar de cerceamento de defesa e, no mérito, deu provimento à apelação, para julgar procedente o pedido de adjudicação compulsória do imóvel descrito no instrumento particular de f. 12, reformando a sentença proferida em primeira Instância, sendo vencida a ilustre Desembargadora Cláudia Maia, reitero.

Contrarrazões constantes de f. 182/189, pugnando pela manutenção da decisão constante do acórdão.

Preparo constante de f. 179.

Esse é o relatório. Decido.

Conheço dos embargos infringentes opostos, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.

Reside o cerne da questão em se é possível ou não a outorga de escritura e a adjudicação compulsória do imóvel descrito como lote de terreno n. 30, da quadra 40, zona 18, situado em Divinópolis-MG, em favor do embargado, por decorrência de um contrato denominado "instrumento particular de compra e venda com quitação de preço através de procurador também para assinatura da escritura definitiva". Referido contrato foi realizado com o fim de quitação de uma dívida no valor de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais), decorrente dos serviços advocatícios prestados pelo embargado ao cliente, já falecido, e agora representado pelo espólio.

Passo à análise dos documentos acostados aos autos.

O contrato firmado, constante de f. 12, foi assinado pela pessoa de Cléber Adriano de Carvalho, em 23.08.1999, em caráter irretratável e irrevogável, e, embora denominado de "compra e venda", refere-se na verdade a um contrato de dação em pagamento, porquanto o imóvel apontado e objeto da avença se destina à quitação da dívida existente de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais) e devida pelo falecido José de Assis Franco ao embargado, Musse João Hallak.

À f. 14, verifico a existência do instrumento de procuração pública, onde o falecido, José de Assis Franco, conferia poder especial à pessoa de Cléber Adriano de Carvalho para vender a área de 280,00m2 a ser desmembrada do lote de n. 303 da quadra 04, zona 18, da cidade de Divinópolis, com posterior prestação de contas, instrumento este firmado em 17.08.1999.

A título de esclarecimento, vejo que o falecimento do Sr. José de Assis Franco se deu em 18.01.2000, conforme consta das primeiras declarações de f. 47.

A contestação apresentada pelo espólio, constante de f. 57 a 74, traz em seu bojo expressa impugnação ao contrato de "compra e venda" do imóvel, sustentando tratar-se de dação em pagamento, o que extrapola os poderes de representação conferidos pelo instrumento de procuração pública firmado entre o falecido e a pessoa do Sr. Cléber Adriano de Carvalho, acrescentando, ainda, a discrepância existente entre o valor do imóvel e a suposta dívida existente para com o embargado.

A sentença proferida, constante de f. 97 a 106, considerou que o contrato de "compra e venda" firmado corresponde, na verdade, a um contrato de dação em pagamento, como forma de permuta, onde se entrega um bem para pagamento de uma dívida. Considerou, ainda, a sentença que a procuração pública firmada concedeu poderes à pessoa do Sr. Cléber, objetivando a compra e venda do imóvel, que consiste em transferência do domínio, mediante o pagamento do preço em dinheiro, e que, ao firmar o contrato de "dação em pagamento", estaria o procurador extrapolando os poderes recebidos, porquanto não lhe havia sido conferido o poder especial para firmar o contrato de "dação em pagamento".

Ora, a meu ver, ressoa claro dos autos que o outorgado, Sr. Cléber A. de Carvalho, não possuía poderes para assinar o contrato de dação em pagamento, indevidamente denominado pelo embargado como "contrato de compra e venda".

Quando se fala em dação em pagamento, não significa tão somente efetuar uma transferência de bem, mas também reconhecer a existência de uma dívida, que é o motivo da transferência de um bem.

O instrumento de procuração pública constante de f. 14 e 14-verso é claro quanto aos poderes outorgados pelo Sr. José de Assis Franco ao Sr. Cléber Adriano de Carvalho, e que ora transcrevo: "[...] com poderes gerais e especiais para vender a quem lhe convier com prestação de contas ao outorgante o lote de terreno com a área de 280,00m2 [...]".

Da análise daquela procuração, vê-se claramente que o Sr. Cléber recebeu poderes para efetuar a venda do imóvel com posterior prestação de contas.

Não há na procuração qualquer poder especial para o reconhecimento de dívida do outorgante ou para que realizasse a dação em pagamento do imóvel apontado, desatendendo os termos do art. 1.295, § 1º, do CC/1916, que dispõe: "Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos, que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos".

Dessa interpretação, note-se que o contrato firmado não se trata de alienação, mas sim de dação em pagamento, que, por sua vez, se inclui no artigo citado como "quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária''. Portanto, não há que se dar interpretação extensiva aos poderes constantes do mandato firmado.

Esclareça-se que os poderes firmados dependem de demonstração inequívoca da vontade e que deve ser firmada por instrumento público. Logo, não se pode dar interpretação diversa do instrumento firmado, pois, se fosse vontade do outorgante em conferir poderes para a realização da dação em pagamento, o teria feito expressamente e pormenorizadamente, não sendo possível conferir ao poder de venda o entendimento de, também, reconhecer dívidas de forma a possibilitar a dação em pagamento.

Frise-se que o contrato objeto da ação proposta, embora denominado como "contrato de compra e venda", se refere a uma dação em pagamento, além de constituir uma verdadeira confissão de dívida, contrato este firmado pelo outorgado, embora o mesmo não possuísse poderes especiais para o reconhecimento de dívidas ou para que realizasse a transferência de bens mediante a dação em pagamento.

Verifico mais, não foi acostado aos autos qualquer outro documento firmado pelo falecido, a confirmar o reconhecimento da dívida apontada no contrato realizado, ou para confirmar os atos praticados pelo outorgado, Sr. Cléber, nem mesmo há prova nos autos de que tenha havido a ratificação do ato, de forma expressa, nos termos do art. 662 do CC.

Em que pese os votos que me antecederam e prolatados por ocasião do julgamento do recurso de apelação reformando a sentença prolatada, com a devida vênia, discordo quanto à assertiva de que o contrato de dação em pagamento seja uma simples alienação. No meu modesto inteligir, reitero que o contrato de dação em pagamento não se reveste em ato de alienação, mas sim de quitação de dívida, pois pressupõe um prévio reconhecimento de uma obrigação ou dívida de uma parte para com a outra, a fim de possibilitar a própria transferência do bem. Assim, enquanto na compra e venda o contrato pode ser feito por quaisquer partes, sendo uma delas a proprietária do bem, na dação em pagamento, exige-se uma relação jurídica anterior, cominando com a existência prévia de uma obrigação do proprietário do bem para com o seu credor.

Logo, conforme se extrai destes autos, a pessoa que recebeu os poderes para realizar a compra e venda do imóvel excedeu-se em seus poderes, visto que, ao concordar com a dação em pagamento, estava concordando previamente com o reconhecimento de uma dívida, poder este que não lhe foi conferido pelo instrumento de procuração outorgado. E como tal, inexistindo a comprovação da ratificação do ato pelo outorgante, é de se conferir a nulidade do contrato firmado entre o agravado e o mandatário, confirmando a decisão proferida pelo Juiz a quo.

Em julgado análogo, no qual o objeto da discussão residiu justamente na validade do mandato outorgado e nos atos praticados de confissão e reconhecimento de dívida, a lide assim foi resolvida:

"O ponto nuclear de toda a celeuma prende-se à questão da validade da inserção dos embargantes, na condição de intervenientes hipotecantes, representados por mandatário, em escritura de confissão de dívida pactuada entre o banco credor e os primeiros executados''.

Prima facie, nenhum óbice existe quanto à constituição de garantia hipotecária, em escritura pública de confissão de dívida, por procurador com poderes específicos para tanto, por se tratar de instrumento válido e não defeso em lei. Ao contrário, encontra expressa previsão legal, consoante preceitua o art. 661, § 1º, do CC/2002, litteris:

"O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§ 1º Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos".

Ao que se extrai, mesmo não constando do instrumento de procuração outorgado pelos embargantes poderes específicos para a constituição da garantia hipotecária (f. 25 verso), esta foi inserida na escritura pública de confissão de dívida, lavrada pelo Cartório do 1º Ofício de Notas da Capital (f. 17 verso).

Não se pode perder de vista que, em se tratando de garantia hipotecária firmada por mandatário, é essencial que a este sejam conferidos expressamente poderes especiais para tal desiderato.

Nada obstante, como bem pontuou o ilustre Juiz singular:

"[...] não consta de forma expressa que os embargantes outorgavam poderes ao mandatário para, em nome deles, firmar reconhecimento ou confissão de dívida muito menos gravá-los como devedores solidários colocando-os na condição de intervenientes hipotecantes" (f. 47).

Nesse contexto, a condição de intervenientes hipotecantes dos embargantes, inserta na escritura pública de confissão de dívida, não tem amparo legal, à falta de poderes específicos, agindo, por conseguinte, o procurador, com excesso de mandato, por praticar ato sem que para ele estivesse regularmente habilitado" (Processo: 2.0000.00.506275-1/000 - TJMG - Parte do voto do eminente Relator Desembargador Tarcísio Martins Costa).

Ainda de acordo com a jurisprudência, trago à tona outro julgado, emanado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

"Ementa: Ação ordinária de declaração de nulidade de alienação de bem com excesso de mandato. Ação de busca e apreensão e embargos de terceiro sobre o mesmo bem. Demonstrada de modo plenamente satisfatório a ocorrência de dação em pagamento por mandatário sem poderes para tanto, a alienação de bem nessas circunstancias mostra-se absolutamente nula e a alegação de transação, inconsistente. Recursos desprovidos'' (Apelação Cível nº 597047059 - Décima Quinta Câmara Cível - Tribunal de Justiça do RS - Relator: Ricardo Raupp Ruschel - Julgado em 30.09.1998).

Sendo, portanto, essas as razões apresentadas, em que reitero que o contrato constante de f. 12 não se trata de compra e venda, mas de "dação em pagamento", com reconhecimento de uma dívida no valor de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais), cujo ato de reconhecimento e mesmo confissão não foi objeto da procuração outorgada pelo mandante, é que mantenho a sentença proferida em Primeira Instância, por seus próprios fundamentos.

Pelo exposto, acolho os embargos infringentes, para manter inalterada a sentença monocrática, por seus próprios fundamentos, resgatando, na presente enseada, o voto solteiro da conceituada Desembargadora Cláudia Maia.

DES. FRANCISCO KUPIDLOWSKI - Data venia aos argumentos expendidos pelo ilustre Des. Relator, mantenho o voto por mim manifestado quando do julgamento da apelação, no qual atuei como Relator, e dei provimento à apelação para julgar procedente o pedido de adjudicação compulsória do imóvel descrito nos autos.

Com esses adminículos, rejeito os embargos infringentes.

DES.ª CLÁUDIA MAIA - Estou acolhendo os embargos para que prevaleça o meu voto minoritário proferido quando do julgamento da apelação.

DES. NICOLAU MASSELLI - Peço licença para divergir do eminente Relator, para acompanhar, novamente, as razões esposadas no voto proferido pelo eminente Desembargador Francisco Kupidlowski quando do julgamento do recurso de apelação, no sentido de julgar procedente o pedido de adjudicação compulsória do imóvel descrito nos autos.

Com essas considerações, estou divergindo do insigne Relator, para rejeitar os presentes embargos infringentes.

DES. ALBERTO HENRIQUE - Estou votando com o Relator, acolhendo os embargos.

Participaram do julgamento os Desembargadores Francisco Kupidlowski, Cláudia Maia, Nicolau Masselli e Alberto Henrique.

Súmula - ACOLHERAM OS EMBARGOS INFRINGENTES, VENCIDOS O REVISOR E O SEGUNDO VOGAL.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 16/08/2010.

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