Crime contra a administração pública - Loteamento irregular - Venda de lotes - Pena pecuniária - Adequação

CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - LITISPENDÊNCIA - NÃO CARACTERIZAÇÃO - LOTEAMENTO IRREGULAR - VENDA DE LOTES - TIPO PENAL CARACTERIZADO - CONDENAÇÃO MANTIDA - PENA PECUNIÁRIA - CUMPRIMENTO - ADEQUAÇÃO

- Verificado que as partes não são as mesmas nas duas ações penais, como também as suas causas de pedir são distintas, resulta descaracterizada a suposta litispendência entre estes dois feitos.

- Comprovado que o acusado vendia terrenos, componentes de loteamento que não possuía a imprescindível inscrição no registro imobiliário, resultam configuradas as condutas inscritas no art. 50, I, e no seu parágrafo único, I, da Lei nº 6.766/79, a determinar a prevalência da sua condenação.

- Em não sendo boas as reais condições financeiras do acusado, necessária é a adequação do cumprimento da prestação pecuniária, sob pena de tornar ineficaz o caráter pedagógico desta pena restritiva de direito.

Apelação Criminal n° 1.0674.06.001610-4/001 - Comarca de Silvianópolis - Apelante: José Fagundes Azevedo - Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Corréu: Wilherme Csizmar Junior - Relator: Des. Delmival de Almeida Campos

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em prover em parte o recurso.

Belo Horizonte, 7 de abril de 2009. - Delmival de Almeida Campos - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. DELMIVAL DE ALMEIDA CAMPOS (convocado) - Cuida-se de apelação interposta por José Fagundes Azevedo contra sentença que julgou procedente a denúncia ofertada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, condenando-o a cumprir a pena de um ano de reclusão, em regime aberto, por incurso no art. 50, I, parágrafo único, I, da Lei nº 6.766/79. A pena privativa de liberdade do acusado foi substituída por uma restritiva de direitos, consistente no pagamento de pecúnia a uma instituição beneficente.

As razões recursais das partes e a manifestação da ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça foram objeto de sintética dissertação no relatório de f.

Conhece-se do recurso, por atender os seus requisitos de admissibilidade.

Em preliminar, o apelante alega haver litispendência deste feito com mais dois outros processos, sob o nº 1197/02 e o nº 1105/02, em curso nesta comarca, por incidirem sobre os mesmos fatos e fundamentos jurídicos, mas o juiz deixou de reunir tais feitos ao seu julgamento conjunto, o que lhe causa evidente prejuízo, em razão de ser julgado duas vezes pelo mesmo fato. Assim, entende que patenteia o vício do bis in idem, a contaminar a eficácia da sentença sob foco.

Sem razão o apelante, uma vez que se extrai da incompleta cópia de f. 368 que o Processo nº 1197/02, embora noticie conduta penal idêntica àquela versada nesta ação penal, possui partes distintas e tal conduta incide sobre objetos diversos do que são focalizados neste feito. Portanto, não se caracteriza na espécie vertente a tríplice identidade de partes, pedido e causa de pedir com aquelas vertidas no aludido Processo nº 1197/02, pelo que não se há falar em litispendência.

Sobre o tema, calha trazer à baila a elucidativa lição de Júlio Fabbrini Mirabete, verbis,

"Os elementos que identificam a demanda, impedindo outra pela litispendência são: a) o pedido (petitum), a res petita, que na ação penal é, em regra, a aplicação de sanção penal; b) as partes (personae), são as partes em litígio; a causa de pedir (causa petendi), a razão de fato pela qual o autor pede a condenação, no penal o fato criminoso. Numa expressão bem simples, se o mesmo autor, com o mesmo fundamento de fato, faz o mesmo de fato, faz o mesmo pedido, contra o mesmo réu, a demanda é a mesma que a anterior. Se varia qualquer desses elementos entre os dois processos, não há identidade de demanda" (Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Atlas, p. 217).

No que concerne à suposta litispendência entre o feito focalizado e o Processo nº 1105/02, vislumbro que inexiste prova sobre esse fato, cujo encargo de produzi-la pertencia a quem alegou a existência desse hipotético vício, ou seja, o apelante. E, como não efetivou essa prova, deve-se desconsiderar esta arguição do apelante.

Por conseguinte, rejeito a preliminar em apreço.

No âmbito meritório, o apelante aduz que não pertencia mais ao quadro societário da empresa empreendedora do loteamento, quando ocorreram as vendas irregulares dos terrenos, inclusive nem sequer participou de qualquer transação a tanto, logo entende que não poderia ser responsabilizado por esse ilícito penal.

Vez mais não se pode conceder razão ao apelante, pois o documento de f. 270 noticia que vendeu a sua participação na empresa loteadora em setembro de 2001, contudo, examinando-se os contratos de promessa de compra e venda e das propostas de venda de f. 30/94, emerge o fato de que vários lotes de terrenos foram comercializados antes da suprarreferenciada data, demonstrando a participação do apelante em tais transações. Essa participação é corroborada pelo pedido, formulado pelo apelante ao cartório do registro imobiliário da Comarca de Silvianópolis, para sustar a abertura das matrículas individualizadas dos terrenos do referido loteamento. É o que dispõe o documento de f. 123. As testemunhas Ronildo Pessoa de Morais e Antônia Grasiela Moreira, nos seus depoimentos de f. 289 e f. 304, informaram que o apelante e o seu sócio participaram da venda de vários lotes. Dessarte, inconteste é a responsabilidade do apelante nas aludidas transações imobiliárias.

Lado outro, o apelante assevera que a documentação do loteamento estava regular na prefeitura local e que o registro imobiliário do mesmo estava sendo providenciado, cuja tramitação estava dentro do prazo de lei, pelo que não se caracteriza a conduta penal apontada na denúncia, a impor a sua improcedência.

Essa argumentação do apelante não merece guarida, uma vez que a certidão de f. 96, expedida pelo Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Silvianópolis, narra que somente em março de 2002 foi protocolado pedido de inscrição registral do loteamento sob foco. Ademais, os terrenos que compunham mencionado loteamento não possuíam matrículas individualizadas, segundo informado no documento de f. 123. Portanto, resulta que a venda pelo apelante desses terrenos, nessas condições irregulares, caracteriza as condutas tipificadas no art. 50, I, e no parágrafo único, I, da Lei nº 6.766/79, o que determina a sua responsabilização penal, a tanto.

Por fim, o apelante sustenta que a pena restritiva de direitos foi muito exacerbada, desconsiderando as suas condições pessoais e financeiras, o que determina a reforma do dispositivo sentencial correspondente aos fins de adequá-la a tal finalidade.

Nesse aspecto, entendo que se deverá conceder guarida a esse argumento do apelante, pois exerce o ofício de comerciário, segundo consta do documento de f. 233, o que gera a presunção de que as suas condições financeiras não são das melhores. Essas circunstâncias evidenciam que a prestação pecuniária, alusiva ao pagamento de dez salários-mínimos, pagos de uma só vez, convola-se numa pena pesada, em demasia, ao apelante, acarretando-lhe, sem dúvidas, dificuldades ao seu cumprimento, inclusive em prejuízo ao sustento da família, o que redunda na ineficácia do caráter pedagógico da reprimenda. Isso exige a sua adequação às peculiaridades do caso concreto aos fins de que essa pena pecuniária seja atendida de forma parcelada, ou seja, dez parcelas mensais consecutivas. Assim, considero que dessa maneira restará atendida a reprimenda aplicada ao apelante e não prejudicará o sustento de sua família.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo para reformar, em parte, a sentença à finalidade de parcelar a pena pecuniária para ser quitada em dez parcelas mensais sucessivas. Permanecem inalteradas as demais disposições da sentença.

Custas, ex lege.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Eduardo Brum e Judimar Biber.

Súmula - RECURSO PROVIDO EM PARTE.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico do TJMG - 02/03/2010.

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