APELAÇÃO - CONTRATO IMOBILIÁRIO - PRESCRIÇÃO TRIENAL QUANTO À REPETIÇÃO DE
INDÉBITO - INDEXAÇÃO PELO SALÁRIO-MÍNIMO - IMPOSSIBILIDADE - SUCUMBÊNCIA
PARCIAL - CUSTAS E HONORÁRIOS MEIO A MEIO - COMPENSAÇÃO - POSSIBILIDADE
- À repetição de indébito aplica-se o prazo de prescrição de três anos
previsto no art. 206, § 3º, IV, do CC, mas não abarca a revisão de contrato,
que pode ser ampla.
- A utilização do salário-mínimo como indexador das parcelas do contrato é
nula e afronta disposição constitucional (art. 7º, IV, da CF).
- Constatado o acolhimento parcial dos pedidos, as custas e honorários são
divididos meio a meio, nos termos do art. 21 do CPC.
- É possível a compensação das verbas de sucumbência ainda que esteja uma
das partes litigando sob pálio da assistência judiciária gratuita.
Apelação Cível n° 1.0672.07.249194-3/001 - Comarca de Sete Lagoas -
Apelante: Morro Vermelho Empreendimentos Imobiliários Ltda. - Apelada:
Lucíneia Ribeiro Cabral - Relator: Des. Tiago Pinto
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, em acolher parcialmente a prejudicial
de prescrição. Dar parcial provimento.
Belo Horizonte, 2 de abril de 2009. - Tiago Pinto - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. TIAGO PINTO - Trata-se de ação de revisão de contrato cumulada com
repetição de indébito ajuizada por Lucinéia Ribeiro Cabral a Morro Velho
Empreendimentos Imobiliários Ltda. Nela, a autora diz ter firmado contrato,
em 19.12.1999, para aquisição do lote 02 da quadra 55 do bairro Verde Vale,
em Sete Lagoas, a ser quitado pelo valor de R$ 6.678,00. O preço foi
dividido em 48 prestações mensais e sucessivas, cada uma no valor de um
salário-mínimo vigente na época do pagamento. Em 18.03.2002, disse ter feito
a primeira negociação com a empresa, isso quando estava com 12 parcelas em
atraso. Nessa oportunidade, restou acertado que as parcelas restantes,
vencidas e vincendas, em número de 34 prestações de um salário-mínimo,
seriam subdividas para 60% do salário mínimo, o que resultariam 57 parcelas
desse novo valor para adimplemento integral do contrato. Apontando como
abusivo o reajuste do contrato pelo salário-mínimo e o descumprimento
contratual da ré quanto às providências de implantação de infraestrutura,
pediu a redução no preço em 50%; devolução em dobro do que pagou a mais;
entrega, após a quitação, dos documentos para regularização do lote;
nulidade da cláusula que atrela os valores e a correção pelo salário-mínimo
com devolução em dobro ou de forma simples dos valores decorrentes da
aplicação do indexador e condenação nos ônus sucumbenciais. Em sede de
tutela antecipada, a autora requereu a nulidade da cláusula que dispôs sobre
o salário-mínimo; a substituição do índice pelo da caderneta de poupança e
autorização para depósito judicial das parcelas, sem correção pelo
salário-mínimo.
A antecipação dos efeitos da tutela foi indeferida (f. 49).
Na contestação, em resumo, diz a empresa-ré que a pretensão está prescrita,
com base no art. 206, § 3º, IV e V, do CC; que a autora está em mora,
devendo ser reconhecido o direito seu, da ré, de rescisão contratual ou que
seja condenada a pagar a diferença do imóvel em execução. Nega que tenha
obrigação de implantar a infraestrutura urbana do loteamento. Diz ser
possível a aplicação da equivalência salarial e que o reajuste do salário
mínimo se dá em índice bastante inferior àqueles que refletem a perda do
valor da moeda. Além disso, poderia a autora requerer a modificação do
indexador. A repetição do indébito é indevida porque o valor do bem está
dentro do valor de mercado.
Da sentença, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, declarando nula
a cláusula que vincula o reajuste das prestações ao salário-mínimo,
substituindo o indexador pelo índice da caderneta de poupança e determinando
a compensação do crédito pago a maior e, ainda, condenando a empresa no
pagamento das custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da
causa, apela a ré.
Nas razões recursais (f. 102/116), alega a ré que houve prescrição da
pretensão da autora, com base no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, porque
a grande maioria das prestações foi quitada há mais de três anos. Destaca
que o que é imprescritível é a pretensão voltada para a revisão, mas não a
de repetição do indébito, que tem prazo de três anos.
Aponta não haver irregularidade na indexação em salários-mínimos, pois foi
opção da compradora, ora apelada, sendo que poderia tal indexação ser
substituída pelo índice da caderneta de poupança por simples requerimento da
apelada. Esclarece que a equivalência salarial, além de livremente acertada
entre as partes, foi instituída de modo a evitar um desequilíbrio entre as
receitas e despesas da adquirente, refletindo a realidade financeira da
apelada.
Bate pela inaplicabilidade das regras consumeristas e respeito ao pacta sunt
servanda. Assim, deverá ser autorizada a cobrança dos encargos legais e
contratuais incidentes sobre as parcelas vencidas e não quitadas.
Com base no que dispôs a sentença, entende a apelante que as verbas
sucumbenciais devem ser invertidas, passando a apelada a responder por no
mínimo 50% das custas. Sucessivamente, que seja possível a compensação,
considerando o enorme número de ações subscritas pelos mesmos causídicos da
apelada. Ainda sobre a sucumbência, diz que a base dos honorários
advocatícios deve ser o valor da condenação, não o valor da causa.
Dessa forma, pede o provimento do recurso para que seja acolhida a
prescrição; mantida a cláusula de reajuste originalmente contratada;
sucessivamente, seja autorizada a aplicação de multa moratória de 10%, juros
de 1% a.m., a incidir sobre toda parcela vencida antes e no decorrer da
ação; seja declarada a mora da apelada em face da inexistência de depósito;
seja invertida a condenação aos ônus de sucumbência ou declarada a
compensação dos honorários e seja alterada a base de cálculo dos honorários,
passando a incidir sobre o valor da condenação.
Não foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Da preliminar de mérito - prescrição.
A hipótese é para reconhecimento da existência de cláusulas contratuais
abusivas com pedido de restituição de quantias pagas a maior.
Nesse caso, a disposição prevista no Código Civil, no art. 206, § 3º, IV, de
fato, é aplicável, mas somente quanto ao pedido de repetição de indébito.
Não se pode impor o prazo trienal para a revisão do contrato, que pode ser
ampla e não sofre o limite temporal do artigo citado.
A propósito:
"Revisão - Contrato compra e venda imóvel - Inovação recursal - Decisão
ultra petita - Prescrição - 206, § 3º, IV - Código Civil - Correção
prestação - Salário-mínimo - Vedação constitucional - Repetição indébito -
Forma simples - Honorários de sucumbência. - Há inovação recursal se a
parte, em seu recurso, pleiteia revisão do contrato por ausência de
infraestrutura no loteamento, e não houve discussão da matéria em 1ª
instância, sob pena de ofensa ao disposto no art. 515, § 1º, CPC e aos
princípios do duplo grau de jurisdição, do contraditório e da ampla defesa.
- Há decisão ultra petita se o julgador excede os limites da lide,
declarando inexistência de mora do devedor, não sendo formulado pedido nesse
sentido. - Aplica-se a prescrição prevista no art. 206, § 3º, IV, do CC, ao
pedido de repetição de indébito, e não ao pedido de revisão de contrato por
existência de cláusula abusiva. - É vedada qualquer vinculação do
salário-mínimo para qualquer fim nos termos do art. 7º, IV, da Constituição
Federal, que não pode ser utilizado como índice de correção das parcelas do
contrato de compra e venda. - A repetição do valor pago a maior deve ser de
forma simples, pois há a previsão contratual do encargo, se não resta
demonstrada a má-fé do credor. - Havendo sucumbência recíproca, cada parte
deve arcar com parcela das despesas processuais e dos honorários
advocatícios, estes fixados conforme art. 20, § 3º, CPC. Primeiro recurso
conhecido em parte. Preliminar acolhida. Prescrição acolhida em parte.
Recursos não providos" (TJMG, Apelação nº 1.0672.07.240859-0/001(1), Rel.
Des.ª Evangelina Castilho Duarte, DJ de 02.10.2008).
Dessa forma, acolho a preliminar de prescrição somente para limitar a
repetição de indébito das parcelas efetivamente pagas, anteriores a três
anos, contados do ajuizamento da ação.
No mérito.
O thema decidendum versa sobre revisão de contrato de compra e venda firmado
entre as partes.
Por oportuno destacar que, estando a apelante e a apelada claramente
enquadrados nas noções de fornecedor/consumidor, o Código de Defesa do
Consumidor, norma de ordem pública, cogente e de absoluto interesse social,
autoriza a relativização do pacta sunt servanda e a consequente nulidade da
cláusula do contrato de compra e venda. Além disso, como o contrato
imobiliário encerra uma operação de crédito, incidem, na espécie, as normas
do Código de Defesa do Consumidor.
A disposição contratada (cláusula 2 - f. 9) à qual se controvertem as partes
tem a seguinte redação:
"O comprador no ato da assinatura desse contrato pagará a importância de R$
150,00 como sinal do negócio e obriga-se a pagar ao vendedor o restante de
R$ 6.528,00 da seguinte forma: 48 parcelas mensais de 1,00 salário mínimo
vigente à época do pagamento.
Parágrafo único - As parcelas serão pagas mensal e consecutivamente,
corrigidas pelo índice da poupança, cumulativamente, da data da compra até o
efetivo pagamento, sendo que na falta deste índice o mesmo será substituindo
por outro indicado pelo promitente vendedor".
Também na cláusula segunda do adendo firmado para renegociação da dívida,
manteve-se o reajuste das parcelas pelo salário mínimo, agora por 60% dele
(f. 10).
As referidas disposições contratuais que atrelaram as parcelas ao
salário-mínimo, como bem avaliou o Juízo de primeira instância, são nulas
até mesmo porque vedadas constitucionalmente (art. 7º, IV, CF).
Nesse sentido, são refertas as decisões:
"Revisional - Contrato de compra e venda de imóvel - Vinculação da prestação
ao salário-mínimo - Impossibilidade - Restituição em dobro - Má-fé -
Inocorrência - Ônus da sucumbência. - Constatada a vinculação da prestação
ao valor do salário-mínimo, o que é vedado à inteligência da norma do art.
7º, IV, da Constituição da República de 1988, a desvinculação é medida que
se impõe. - Para a aplicação da penalidade prevista no parágrafo único do
art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, mister faz a ocorrência da má-fé.
'Se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por
inteiro, pelas despesas e honorários' (CPC, art. 21, parágrafo único). Não
se reduz a verba honorária de sucumbência, se a mesma remunera condignamente
o trabalho do patrono da parte adversa. Preliminar e prejudicial rejeitadas
e apelações não providas" (TJMG, Apelação Cível nº
1.0672.07.256021-8/001(1), Rel. Des. Roberto Borges de Oliveira, DJ de
19.08.2008).
O critério adotado pela apelante para reajustamento das parcelas não foi o
de equiparação salarial, pois não são as prestações vinculadas à remuneração
da apelada, mas estabelecidas com base nos aumentos anuais estabelecidos
pelo governo para o salário-mínimo, o que independe das variações do salário
da compradora. Diante disso, não sendo possível juridicamente o critério da
forma como foi adotado no contrato, não pode se manter vigente.
Então, sobre esse ponto, nada há para ser modificado na sentença.
No que tange ao pedido para cálculo da dívida com incidência dos encargos de
multa moratória e multa, nada há para ser provido, pois a mora é
consequência natural do não pagamento, o que independe de pronunciamento. E
as quantias devidas, sopesada a alteração do indexador do contrato serão
apuradas em liquidação de sentença. Além disso, o pedido, em sede de tutela
antecipada para depósito das parcelas, foi indeferido pelo Juiz monocrático
(f. 48).
As cominações devidas em razão da sucumbência ficaram a encargo da ré
apelante, sendo elas custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
A irresignação da apelante nesse ponto tem sustentação.
Os pedidos da autora foram acolhidos em parte. Por conseguinte, sopesados os
pedidos e o que foi acolhido, houve sucumbência parcial, e as verbas devem
ser divididas meio a meio nos termos do art. 21 do CPC.
Não existe vedação legal para o estabelecimento da base de cálculo dos
honorários pelo valor da causa e o percentual de 10% atendeu ao tipo de ação
e ao trabalho desempenhado pelos patronos das partes.
Admite-se compensação dos honorários, ainda que, como na hipótese, uma das
partes esteja litigando sob o pálio da justiça gratuita.
A propósito:
"Agravo regimental. Recurso especial. Sucumbência recíproca. Compensação.
Beneficiário da assistência judiciária gratuita.
I. - Havendo sucumbência recíproca, os honorários advocatícios devem ser
compensados.
II. - A compensação dos honorários, também, alcança o beneficiário da
assistência judiciária gratuita. Agravo improvido" (AgRg no REsp 923.385/RS,
Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. em 16.10.2008, DJe de
03.11.2008).
Diante do exposto, acolho a preliminar de prescrição quanto à repetição de
indébito, declarando prescrito o direito da apelada quanto à repetição de
indébito das parcelas efetivamente pagas anteriores a três anos, contados do
ajuizamento da ação. Dou parcial provimento ao recurso para alterar o
dispositivo da sentença quanto às verbas sucumbenciais, determinando que as
partes paguem meio a meio as custas e os honorários advocatícios, estes
fixados em 10% sobre o valor da causa. No mais, fica mantida a sentença tal
como disposta.
Custas recursais, 60% para a apelante e 40% para a apelada. Suspensa a
exigibilidade quanto à apelada, que litiga sob o manto da assistência
judiciária gratuita.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Maurílio Gabriel e
Tibúrcio Marques.
Súmula - ACOLHERAM PARCIALMENTE A PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO. DERAM PARCIAL
PROVIMENTO.
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