Priscila de Castro Teixeira Pinto Lopes
Agapito
A Secretaria da Fazenda de Joinvile está fazendo um levantamento dos imóveis
comprados por contratos de gaveta, sem recolhimento do devido imposto
municipal (ITBI), e promete entrar na Justiça para cobrar o tributo. O
jornal A Notícia publicou uma nota sobre o assunto e a seguinte declaração
do secretário Márcio Florêncio: “Ainda não consigo calcular o valor possível
de arrecadar, mas já recebemos algumas informações dos cartórios.” (A
Notícia, edição online, 29/10/2009).
O iRegistradores perguntou à 29ª tabeliã de notas da capital, Priscila
Agapito, quais as consequências jurídicas que pode acarretar esse tipo de
compra e venda de imóvel.
Priscila Agapito – “Bem, comecemos pelos conceitos equivocados: ninguém faz
‘contrato de gaveta’ em cartório. O contrato de gaveta é o instrumento
particular, no qual as partes firmam um ‘compromisso de compra e venda’.
Muitas vezes, esses direitos de compromissário comprador e promitente
vendedor são cedidos, sucessivamente, e de maneira particular, sem o
recolhimento dos impostos devidos à Fazenda, seja ela municipal ou estadual.
Isso sim gera enorme transtorno para o adquirente final, pois, para que ele
tenha a propriedade consolidada em seu nome, terá de encontrar todos os
participantes dessa cadeia e fazer com que cada adquirente recolha o tributo
devido à Fazenda e assine a escritura definitiva. Missão praticamente
impossível quando essa cadeia se torna muito longa. Nesses casos é muito
comum depararmos com vários cedentes e cessionários já falecidos, o que
implicará a necessidade de inventário, expedição de alvará, etc.
iR – E quanto o contrato é firmado pelo tabelião?
Priscila Agapito – Quando o contrato é firmado no cartório perante o
tabelião de notas – seja o mero compromisso de compra e venda, seja a
escritura definitiva –, o instrumento é público e será revestido de todas as
formalidades legais, incluindo as obrigações tributárias, se devidas.
iR – Um contrato particular de gaveta pode representar riscos verdadeiros
para o adquirente?
Priscila Agapito – O instrumento público – firmado perante um tabelião de
notas e sob sua orientação, traz segurança jurídica completa aos usuários,
posto que o ato estará livre dos chamados defeitos do negócio jurídico, como
por exemplo: erro, dolo, coação, lesão, etc. Além disso, o ato é revestido
de fé pública, que é a garantia da autenticidade, aposta pelo oficial
público. Ele também orientará o adquirente a respeito da necessidade de
pesquisa sobre a vida pregressa do vendedor, para aferição de risco ou não
daquela transação.
O que ocorre, muitas das vezes, é outro fato, chamado simulação: às vezes,
os contratantes escondem, do próprio tabelião e do fisco, o real valor do
negócio que está sendo ali encetado. Trata-se do popular ‘passar a escritura
por baixo’.
iR …Mas isso é muito comum…
Priscila Agapito – Isso sim, além de ser crime de sonegação tributária, é
causa de nulidade do ato, por força do Código Civil de 2002. A
municipalidade, que é o ente público detentor do direito de receber o
tributo ITBI, no caso de transações onerosas (compra e venda, p. ex.), ou
mesmo a Fazenda do Estado, no caso do ITCMD (para atos gratuitos, doações ou
inventários) têm o direito de pedir a decretação de nulidade do ato, uma vez
descobertos esses tipos de fraudes.
iR Quer dizer, então, que o cidadão pode ter a sua escritura anulada?
Priscila Agapito – A população, muitas vezes leiga, não tem a real noção da
gravidade de uma atitude como essa. É dever do tabelião orientar o cidadão
sobre todas as consequências – civis, tributárias e penais – dessa conduta.
Além disso, o tabelião, como responsável solidário desses tributos, deve
terminantemente negar-se a lavrar o ato se perceber tratar-se de sonegação
ao fisco. Muitos adquirentes às vezes acabam cedendo ao ‘pedido do vendedor’
para ‘passar a escritura por um valor mais baixo’ alegando estes vendedores
não terem como declarar o dinheiro recebido perante a Receita Federal
(Imposto de Renda) e seduzem os adquirentes dizendo que com isso, também
eles recolherão menos impostos.
iR quais as consequências práticas desse costume?
Priscila Agapito – O que esquecem de dizer é que no caso desse adquirente
querer vender posteriormente o imóvel, se o futuro adquirente for mais
esperto e não concordar em ‘passar a escritura por baixo’, ele terá que
pagar outro imposto chamado lucro imobiliário. Ou seja, o primeiro
adquirente atraiu para si um problema que não era dele, ou seja, a prestação
de contas do vendedor original perante o IR, sonegou um imposto, cometendo
crime e infração civil, e ainda sairá no prejuízo por talvez ser tributado
com o lucro imobiliário. Concluímos, portanto, que tal prática não compensa
, por mais tentadora que possa parecer.
A recomendação para quem não quer ter problemas mais adiante é procurar
sempre um tabelião, cuja orientação gratuita proporciona a certeza de um
negócio bem feito, com total segurança jurídica, o que evita futuros
litígios judiciais.”
Publicado por: Fátima Rodrigo
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