A Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) decidiu que o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de
separação convencional de bens não participa da sucessão como herdeiro
necessário, em concorrência com os descendentes do falecido. A Turma acolheu
o pedido de três herdeiros para negar a procedência do pedido de habilitação
no inventário, formulado pela viúva do pai.
A questão começou quando os filhos solicitaram o inventário sob o rito de
arrolamento dos bens do pai, que faleceu em janeiro de 2006. Eles declararam
que o falecido deixou bens imóveis a inventariar e que era casado com a
madrasta pelo regime de separação convencional de bens, conforme certidão de
casamento, ocorrido em março de 2005, e escritura pública de convenção
antenupcial com separação de bens.
A viúva, na qualidade de cônjuge sobrevivente do inventariado, manifestou
discordância no que se refere à partilha e postulou sua habilitação no
processo de inventário, como herdeira necessária do falecido. Em decisão
interlocutória, o pedido foi deferido determinado a manifestação dos demais
herdeiros, filhos do falecido.
Os filhos se manifestaram alegando que à viúva somente seria conferido o
status de herdeira necessária e concorrente no processo de inventário na
hipótese de casamento pelo regime de comunhão parcial de bens, ou de
separação de bens, sem pacto antenupcial. De acordo com eles, o regime de
separação de bens, adotado pelo casal, foi lavrado em escritura pública de
pacto antenupcial, com todas as cláusulas de incomunicabilidade,
permanecendo a viúva fora do rol de herdeiros do processo de inventário sob
a forma de arrolamento de bens.
Em primeira instância, o pedido foi acolhido para declarar a viúva
habilitada como herdeira do falecido marido. A sentença determinou, ainda,
que o inventariante apresentasse novo esboço de partilha, no qual ela fosse
incluída e contemplada em igualdade de condições com os demais sucessores do
autor da herança. O entendimento foi de que provado que a viúva era casada
com o falecido sob o regime de separação de bens convencional, ou seja, foi
feito um pacto antenupcial, não sendo o caso de separação obrigatória de
bens, onde o cônjuge não seria considerado herdeiro necessário, daí
resultando que concorre com os sucessores em partes iguais. Opostos embargos
de declaração (tipo de recurso) pelos herdeiros, estes foram rejeitados.
Os filhos do falecido interpuseram agravo de instrumento (tipo de recurso)
sustentando violação ao próprio regime de separação convencional de bens,
que rege a situação patrimonial do casal não só durante a vigência do
casamento, mas também quando da sua dissolução, seja por separação, divórcio
ou falecimento de um dos cônjuges. Eles informaram também que o pai foi
casado, pela primeira vez com a mãe deles e que ela morreu tragicamente em
um acidente de carro no carnaval de 1999. Em março de 2005, ele casou-se com
a madrasta, 31 anos mais jovem, no regime de separação convencional de bens,
inclusive dos aquestos (bem adquirido na vigência do matrimônio), tal como
está declarado expressamente na escritura do pacto antenupcial. Dessa
segunda união não advieram filhos, já que o quadro de poliartrite de que
sofria o pai, e cujos primeiros sinais surgiram no início de 1974, evoluía
grave e seriamente, exigindo, inclusive, no ano de 2004, delicada
intervenção cirúrgica para fixação da coluna cervical, somando-se a isso
tudo uma psoríase de difícil controle.
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) negou o agravo. Para o
TJ, a regra do artigo 1.829 do Código Civil (CC) de 2002 aplica-se ao
cônjuge sobrevivente casado sob regime de separação convencional. Opostos
embargos de declaração pelos herdeiros, estes foram rejeitados.
Inconformados, os filhos do falecido recorreram ao STJ sustentando que a
viúva requereu, nos autos do inventário, a remessa do processo ao partidor
para que fosse feita uma partilha destinando a ela a sua parte afim de que o
inventário tivesse um fim, recebendo cada um o seu quinhão. Alegaram também
que o pleito dela foi acolhido em primeiro grau, o que resultou no esboço de
partilha sobre o qual já foram instados a se manifestar. Por fim,
argumentaram que a entrega de eventual parte para a viúva, enquanto não
decidida definitivamente a questão relativa à sua qualidade de herdeira, é
medida que deve ser sobrestada, quer pelo fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação, quer para evitar futura nulidade da partilha, na
hipótese de eventual exclusão da viúva.
Ao decidir, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que não remanesce,
para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco
à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que
obriga as partes na vida e na morte. A separação obrigatória a que se refere
o art. 1.829, I, do CC/02 é gênero que congrega duas espécies: a separação
convencional e a legal. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não
é herdeiro necessário.
Segundo a ministra, o casal escolheu voluntariamente casar pelo regime da
separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em
escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes
e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.
A relatora ressaltou, ainda, que se o casal firmou pacto no sentido de não
ter patrimônio comum e, se não requereu a alteração do regime estipulado,
não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi
deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre
e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o
cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os
descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado.
“O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a
interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas
licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida
familiar, robustece a única interpretação viável do artigo 1.829, inciso I,
do CC/02, em consonância com o artigo 1.687 do mesmo código, que assegura os
efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido, bem como preserva
a autonomia privada guindada pela eticidade”, acrescenta.
REsp 992749
|