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Ementa: Apelação cível. Condomínio. Imóvel
divisível. Venda de fração a terceiro - Preempção. Ação manejada por
condômino. Improcedência.
- Sendo o imóvel rural divisível, havendo, pois, aptidão de a parte
vendida ser destacada do todo, sem alteração da destinação dele, por não
se constatar nem indivisibilidade natural, nem legal, não se delineia o
direito de preempção dos condôminos.
- A resultante da harmonização do comando do art. 504 do Código Civil
com a vedação do parágrafo único do art. 1.314 do mesmo estatuto implica
o desfazimento do condomínio, pela divisão que há de sobrevir, pois que
um dos efeitos necessários do ato da venda de fração do imóvel, em tal
sítio, é, exatamente, o de findar ou reduzir a unidade condominial.
Apelação Cível ndeg. 1.0155.04.007507-1/001 - Comarca de Caxambu -
Relator: Des. Luciano Pinto
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das
notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento ao
recurso.
Belo Horizonte, 11 de maio de 2006. - Luciano Pinto - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. LUCIANO PINTO - Presentes os pressupostos de admissibilidade,
conheço do recurso.
Vejo que razão assiste aos apelantes.
In casu, a sentença julgou procedente o pedido inicial ao fundamento de
que teriam os autores o direito de preempção, ressaltando-se o fato de
não terem sido notificados da venda, haja vista a situação condominial
reinante entre as partes, o que implicaria a ineficácia do negócio,
porque, a seu aviso, enquanto não se estabelecer a divisão efetiva do
imóvel, a coisa continua indivisível (f. 102/103).
Não é assim.
Pretender que, enquanto não haja divisão do imóvel, este continue
indivisível, implica contradictio in adiecto, porque o vocábulo
parassintético nominal, constituído pelo adjetivo indivisível, formou-se
por sufixação: ível, que tal como ável, ével, óvel e úvel indicam
aptidão, possibilidade de praticar ou receber uma ação (o que se
constata em qualquer gramática). (V.g., Napoleão Mendes de Almeida.
Gramática Metódica da Língua Portuguesa. 31. ed., São Paulo: Saraiva,
1982, p. 393.)
Assim, indivisível é aquilo não apto à divisão, daí decorrendo a
contradictio apontada.
Além, ao dizer que o imóvel continua indivisível, a sentença conclui seu
argumento sem premissa que o sustente, porque não se referiu nem à
eventual indivisibilidade natural (que implicasse alteração de
substância) nem à eventual indivisibilidade legal (inexistente, no
caso).
Ora, o art. 504 do novel Código Civil tem o mesmo conteúdo do art. 1.139
do Código Beviláqua, salvo o prazo decadencial, cujo termo de 6 meses
agora se registra como de 180 dias.
Isso implica que, quanto ao direito aqui posto em discussão, o comando
legal sobre o pressuposto do exercício do direito de preferência
permaneceu com a mesma inteligência, já pacificada pelas glosas dos
doutos.
O fato é que o exercício da preempção somente tem lugar em condomínio de
coisa indivisível.
Carvalho Santos, em seus clássicos escólios, ao discorrer sobre o art.
1.139 do Código Beviláqua, assinala:
"1 - A proibição diz respeito ao condomínio em coisa indivisível, isto
é, em coisa que não se pode partir sem alteração de substância, ou
porque, pela divisão, se torna imprópria a seu uso.
Donde se conclue (sic) que a venda de parte de coisa divisível é
possível e independe das condições deste artigo." (Carvalho Santos J. M.
Código Civil Brasileiro Interpretado, v. XVI, 2. ed., Rio de Janeiro:
Ed. Freitas Bastos, 1938, p. 169.)
A questão se resume na extensão semântica do vocábulo indivisível, que
figura no art. 504 do Código Civil e figurava no art. 1.139 do anterior
Código.
Pontes de Miranda, no Tomo XXXIX do seu Tratado de Direito Privado (3.
ed. Rio: Borsói, 1972, p. 223) entende que a palavra "indivisível" deve
ser lida como "indivisa", por ser de aviso que, nesse tópico, o sistema
brasileiro veio da fonte portuguesa, onde o vocábulo indiviso consta do
texto da lei.
Não me ponho de acordo com o eminente jurista, porque o só argumento de
que a fonte alienígena provê de modo mais extensivo não implica,
logicamente, que a novel fonte tenha pretendido o mesmo alcance da
anterior, pelo simples fato de que, caso quisesse fazê-lo, teria
repetido as expressões do Código Português, tal como por ele citado, no
qual, no artigo de lei correspondente, além do vocábulo indivisível,
também consta a palavra indiviso.
A meu ver, quando o nosso Código Civil acrescentou ao substantivo coisa
o qualificativo indivisível simplesmente entendeu dar a esse último a
conotação semântica que lhe é ínsita, ou seja, de anunciar que a coisa
qualificada não é apta à divisão. Somente isso.
O sentido da possibilidade da venda da coisa divisível, por
interpretação, a contrario sensu do art. 504 do Código Civil, está em
que o legislador prevê a possibilidade da extinção do condomínio,
mediante a venda das partes ideais, por isso que na lição de Carlos
Roberto Gonçalves se colhe isto:
"Se a coisa é divisível, nada impede que o condômino venda a sua parte a
estranho, sem dar preferência aos seus consortes, pois estes, se não
desejarem compartilhar o bem com aquele, poderão requerer a sua
divisão." (Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro, v. III,
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 220.)
Nesse contexto, se se pretender que se deva extrair do art. 504 do
Código Civil a idéia implícita de que quando ali se diz coisa
indivisível se está também a dizer coisa indivisa, deve-se, por
conseqüência, então, aceitar que, em nenhuma hipótese, pode haver a
venda de fração condominial a estranho sem que haja direito de
preempção, contudo, tal raciocínio equivocado iria implicar a absoluta
inutilidade do art. 1.314 e de seu parágrafo único do mesmo Código.
Isso porque o art. 1.314 permite o alheamento (rectius: venda) de fração
ideal a terceiro, sendo que o parágrafo único do mesmo artigo, quando
determina que nenhum dos condôminos pode dar posse de parte da coisa
comum a terceiro, sem o consenso dos demais, tão-só, na harmonia do
sistema, reconhece a possibilidade da venda, mas ressalva que a posse
dela decorrente só pode ser pela via consensual (e, quando tal via não
sobrevenha, por óbvio, a mesma harmonia do sistema resolve a situação
com a ação de divisão, quando a parte vendida é então destacada, haja
vista a natureza divisível do todo).
Ora, imaginar que o art. 1.314 e seu parágrafo único do Código Civil têm
comandos vãos, em face de uma leitura (diga-se: equivocada) do art. 504
do mesmo Código, implica violação ao sistema do Código, além de desprezo
ao bordão de que a lei não tem palavras demais.
Além disso, mesmo se se pretendesse que haveria uma contradição entre os
artigos 504 e 1.314 do Código Civil, em razão do argumento sedes
materiae, o art. 504 se sobrelevaria, dada a dimensão de peso (dimension
of weight).
Assim, como o art. 504 do Código Civil figura no tópico das relações
contratuais e como na presente demanda se busca a ineficácia do
contrato, por óbvio, em razão da sede da matéria, ele é sobrelevante e o
fato de ele assinalar a vedação da alienação por condômino de coisa
indivisível impõe, por lógica inelutável, o entendimento de que quando a
coisa seja divisível possa haver a venda.
Isso de tal artigo estar a cavaleiro não implica a perda da juridicidade
do art. 1.314 e seu parágrafo único, do mesmo Código Civil, porque, como
já dito, a situação há de resolver-se por superveniente divisão, para
destaque da parte vendida, dando-se, pois, completa harmonia ao sistema.
Veja-se a lição de Rodolfo L. Vigo:
"Cuando se trata de normas, una de ellas no puede ser válida, si la
outra que la contradice también lo es, por eso la opción por una de
ellas supone el desplazamiento afuera del sistema jurídico de la outra,
y esta decisión se toma apelando a consideraciones que trascienden a las
normas. Los principios cuentan com la 'dimensión de peso o importancia'
(dimension of weight), de modo que quien debe resolver el conflicto
tiene que tener en cuenta el peso relativo de cada uno de los principios
implicados en el caso, y la preferencia por uno no conlleva la pérdida
de juridicidad del principio descartado." (Rodolfo L. Vigo.
Interpretación Jurídica. Benos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, p.
136.)
No REsp nº 60.656-0/SP, o Min. Eduardo Ribeiro, após discorrer sobre a
diversidade de entendimentos em relação à questão, assim se pronunciou:
"Com todo o respeito de que é merecedor esse entendimento, peço vênia
para manter-me fiel ao acolhido nesta Terceira Turma. Para que aquele
outro se pudesse aceitar, seria necessário admitir-se que a expressão
'indivisível', contida no artigo 1.139 do Código Civil, equivale a
'indivisa', aumentando-se notavelmente a restrição estabelecida pela
lei. E isso não se me afigura viável".
Com efeito, caso se pretendesse fazê-la mais ampla, abrangendo também as
divisíveis, embora não divididas, bastaria se houvesse consignado que ao
condômino não era dado vender sua parte a estranhos. Não seria mister
referência a coisa indivisa, já que o condomínio supõe a indivisão.
Fez-se constar, entretanto, que não poderia efetuar a venda o condômino
"em coisa indivisível", e a exegese ora em exame importa supressão
dessas palavras.
Interessante salientar, de outra parte, que, segundo relata Agostinho
Alvim, não havia, no texto do projeto de Código Civil, originário da
Câmara, alusão a coisa indivisível. Dizia simplesmente: "Não podem os
condôminos vender a estranhos sua respectiva parte...". A modificação
resultou de emenda introduzida no Senado, por Rui Barbosa, que observou
não se dever aplicar a norma a qualquer espécie de propriedade comum,
mas só à coisa indivisível (Da Compra e Venda - Forense, p. 114/5).
Note-se, ainda, que, embora criticando a emenda do Senado, afirme Clóvis
não se justificar a distinção, reconhece que, "dando o Código direito de
preferência ao condômino, quando a coisa é indivisível, segue-se que não
há esse direito, quando a coisa for divisível - inclusio unius, exclusio
alterius" ( Código Civil Comentado - Francisco Alves - 6. ed. v IV - p.
306). E, em outra obra, ao cuidar do direito de preferência do
condômino, refere-se sempre a coisa indivisível (Direito das Coisas -
Forense - 4. ed. - v I - p. 212, nº III e p. 220 nº X).
Ora, em nenhum momento da petição inicial foi dito que o imóvel em
questão é indivisível, mas, tão-só, indiviso.
De resto, como se trata de imóvel rural, com área total aproximada de
91,20 ha, obviamente, trata-se de imóvel divisível, sobretudo quando se
verifica que a fração ideal vendida foi de 1/5 da propriedade, o que
corresponde, aproximadamente, a 18,24 ha, vale dizer, uma pequena
propriedade rural, plenamente divisível, sem que haja alteração de sua
destinação, porque a parte vendida pode ser destacada do todo, em futuro
procedimento divisório.
Assinale-se, uma vez mais, que, como o art. 1.139 do Código Beviláqua
convivia, embora em harmonia não fácil, com o art. 633 daquele mesmo
Código, do mesmo modo o atual Código o art. 504 há de conviver com o
parágrafo único do art. 1.314.
No retromencionado REsp 60.656-0/SP, o Min. Eduardo Ribeiro se referiu à
convivência do art. 1.139 com o art. 633 do Código Beviláqua, concluindo
pela possibilidade de sua convivência e aludindo ao fato de que o
condomínio pode-se desfazer, no caso, pela divisão.
Com efeito, possível a venda, a situação fática superveniente há de ser
resolvida pelas partes civiliter modo, haja vista que, dentre as várias
opções que lhes possam convir, reponta a da divisão, destacando-se,
então, a fração vendida.
Assim, eficaz a venda, os direitos reais do comprador, sobretudo de uso
e gozo, ficam dependentes do ato divisão, ao influxo da harmonia que
nasce da congruência do parágrafo único do art. 1.314 do Código Civil
com o art. 504 do mesmo Código.
Veja-se a magistral lição de Lafayette:
"Cada comproprietário dispõe livremente de sua parte ideal (55) e em
relação a essa parte, pode, independentemente do consentimento dos
outros, exercer em geral todos os direitos que se encerram no domínio,
como aliená-la, constituir servidões e hipotecas. É, porém, de notar que
os direitos reais concedidos a terceiros ficam dependentes do fato
material da divisão." (Lafayette Rodrigues Pereira. Direito das Coisas.
Edição histórica, v. 1, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 120.)
No caso, a venda não se deu de parte fisicamente determinada, por isso
que ocorreu de modo apto, sendo de ressaltar, finalmente, que a parte
vendida corresponde a 18,24 ha, aproximadamente, o que implica fração
acima do módulo rural da localidade, não havendo, pois, indivisibilidade
natural, nem, ainda, indivisibilidade legal.
Forte nessas razões, dou provimento ao recurso e julgo improcedente a
demanda.
Custas, pelos autores e honorários, estes fixados em 15% sobre o valor
da causa, corrigidos na forma da Súmula 14 do STJ.
O valor depositado pelos autores para o exercício do direito de
preferência poderá ser por eles levantado ao trânsito em julgado deste
acórdão, deduzidas as custas em que foram condenados e deduzidos os
honorários também constantes da condenação.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Márcia De Paoli
Balbino e Lucas Pereira.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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