Com a abertura do Ano Judiciário, em 1º
de fevereiro, começa a expectativa para o julgamento de ações que envolvem
uma série de temas de grande repercussão social. Questões como o direito
previdenciário no contexto da união entre pessoas do mesmo sexo e a
interrupção da gravidez para os casos de anencefalia do feto devem entrar na
pauta de julgamentos do STF ainda neste primeiro semestre.
Com a previsão da aposentadoria compulsória do ministro Eros Grau, em agosto
deste ano, quando completa 70 anos, os processos que estão sob a relatoria
dele devem ser privilegiados na pauta, como é o caso da ação sobre a Lei de
Anistia.
Confira abaixo os temas relevantes que podem ser julgados pelo Supremo ainda
neste primeiro semestre:
Trancamento de pauta na Câmara
Um dos processos que pode ter o julgamento retomado já neste primeiro
semestre é o Mandado de Segurança (MS 27931) em que os líderes partidários
do PPS (Partido Popular Socialista), Fernando Coruja, do Democratas (DEM),
Ronaldo Caiado e do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), José
Aníbal, contestam ato do presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer do
PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).
Tal ato permite que mesmo com a pauta de votações da Câmara trancada por
medidas provisórias pendentes de apreciação, outras matérias sejam votadas
em plenário, como Propostas de Emenda Constitucional (PEC), Projetos de Lei
Complementar (PLC), Projetos de Resolução (PR) e Projetos de Decreto
Legislativo (PDL).
O julgamento foi interrompido em dezembro do ano passado devido a um pedido
de vista da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. O relator da matéria,
ministro Celso de Mello, foi o único a votar até agora e considerou legítima
a interpretação do presidente da Câmara ao dispositivo constitucional
(Artigo 62, parágrafo 6º). Após o voto do relator contrário ao mandado de
segurança, a ministra Cármen Lúcia pediu vista.
Câmara Legislativa
E a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4362, que trata da
autorização da Câmara Legislativa do Distrito Federal para processar o
governador também deverá ser julgada ainda neste primeiro semestre.
A ação foi ajuizada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel,
contra o inciso XXIII do artigo 60 da Lei Orgânica do DF. O dispositivo só
autoriza a abertura de ação contra o governador após o voto favorável de
dois terços dos deputados distritais.
A ação está sob relatoria do ministro Dias Toffoli que, em dezembro do ano
passado, decidiu levar o caso para julgamento de mérito pelo Plenário. O
ministro aplicou ao processo o rito abreviado para análise de ADIs, previsto
no artigo 12 da Lei 9.868/99 (Lei das ADIs).
GEAP
Outro julgamento que pode ser retomado também neste início de ano é o
convênio de prestação de serviços de saúde da GEAP (Fundação de Seguridade
Social) com outros órgãos e entidades da administração pública não
participantes de sua gestão. A questão está em discussão no Supremo no
Mandado de Segurança (MS 25855), em que a Federação Nacional dos Sindicatos
de Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social contesta decisão do
Tribunal de Contas da União (TCU) que proibiu a celebração de tais
convênios.
O Plenário do Supremo terá de decidir se a GEAP é pessoa jurídica de direito
privado; se os negócios jurídicos celebrados entre a fundação e os órgãos da
administração pública que não lhe patrocinam têm natureza jurídica de
contrato ou convênio, e se a GEAP pode prestar serviços de assistência à
saúde aos servidores de órgãos e entidades, que não de seus patrocinadores,
sem procedimento licitatório.
O julgamento será retomado com o voto-vista do ministro Ricardo Lewandowski.
Já votou pela legalidade dos convênios, o ministro Carlos Ayres Britto
(relator) e contra a legalidade a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Sobre
o mesmo tema serão julgados os mandados de segurança 25919, 25934, 25928,
25922, 25901, 25891, 25866 e 25942.
Poder de investigação do MP
Até que ponto vai o poder de investigação do Ministério Público? A questão
está em debate no Supremo Tribunal Federal e deverá ser decidida pelo
Plenário, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 84548, impetrado pela defesa
de Sérgio Gomes da Silva, conhecido como "Sombra", acusado de ser o mandante
do assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel, do Partido
dos Trabalhadores (PT).
Dois ministros se pronunciaram sobre o tema até agora. O relator, ministro
Marco Aurélio, considera que o MP não tem competência para realizar
investigação. Já o ministro aposentado Sepúlveda Pertence votou no sentido
contrário, entendendo que o MP tem como atribuição, também, realizar
investigações. O julgamento deverá ser retomado com o voto-vista do ministro
Cezar Peluso.
Lei de Anistia
A discussão sobre a questão de anistia para crimes políticos durante o
regime militar sempre foi polêmica no Brasil. Mesmo após 30 anos de sua
sanção, completados no ano passado, a constitucionalidade da Lei de Anistia
está sendo questionada no Supremo.
A questão se apresenta na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF 153), em que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contesta o artigo
primeiro da lei. A OAB defende uma interpretação mais clara do dispositivo
relativo ao perdão dos crimes conexos “de qualquer natureza” quando
relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política.
Segundo a entidade, a lei “estende a anistia a classes absolutamente
indefinidas de crime”, como aos autores de crimes comuns praticados por
agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de
autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra
opositores ao regime político da época. A ação está sob a relatoria do
ministro Eros Grau.
Cartórios
A questão da realização de concursos públicos para serviços notariais e de
registro também deve ser julgada pelo STF na Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) 14, ajuizada na Corte pela Associação dos Notários
e Registradores do Brasil (Anoreg).
A entidade pede que seja declarada a constitucionalidade do artigo 16 da Lei
8.935/94, com a redação alterada pela Lei 10.506/02. Com isso, pede a
suspensão de todos os concursos públicos para remoção nos serviços notariais
e de registro, que não atendam à determinação da nova redação do
dispositivo. A ministra Ellen Gracie é a relatora da matéria.
Anencefalia
Um dos temas mais polêmicos em tramitação na Suprema Corte também deverá
entrar em discussão no plenário: a possibilidade de interrupção da gravidez
de fetos anencéfalos (sem cérebro). O julgamento será retomado com a
apresentação do voto do ministro Marco Aurélio, relator da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54.
A ação foi ajuizada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Saúde (CNTS). A entidade quer a descriminalização da antecipação do parto em
caso de gravidez de feto anencéfalo. A CNTS alega ofensa à dignidade humana
da mãe, prevista no artigo 5º da Constituição Federal, o fato de ela ser
obrigada a carregar no ventre um feto que ela sabe que não sobreviverá
depois do parto.
Contudo a questão é bastante controversa e foi tema de audiência pública em
2008 com representantes do governo, de especialistas e entidades religiosas
e da sociedade civil.
Quilombos
Um tema que afeta diretamente cerca de três mil comunidades formadas por
pessoas remanescentes de quilombos no Brasil também pode ser debatido pelo
Plenário do STF neste 1º semestre. Trata-se da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 3239, em que o antigo Partido da Frente Liberal
(PFL) e atual Democratas (DEM) contesta o Decreto 4.887/03, que regulamenta
dispositivo constitucional sobre a ocupação de terras de quilombolas (artigo
68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT).
Segundo o partido político, o decreto que trata da propriedade dos
remanescentes das comunidades de quilombos invade esfera reservada à lei e
disciplina procedimentos que implicarão aumento de despesa. O relator da
matéria é o ministro Cezar Peluso.
União homoafetiva
A discussão sobre o reconhecimento ou não dos direitos previdenciários para
parceiros do mesmo sexo que vivem uma união homoafetiva também pode ser
decidida pelo STF neste primeiro semestre. A questão será analisada na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, proposta pelo
governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em março de 2008.
O governador fluminense pede que o Supremo aplique o regime jurídico das
uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões
homoafetivas de funcionários públicos civis em todo o país. Sustenta Sérgio
Cabral que os casais homossexuais devem ter os mesmos direitos que os casais
heterossexuais em relação a dispositivos do Estatuto dos Servidores Públicos
Civis do Estado do Rio de Janeiro. Tais dispositivos tratam de concessão de
licença, previdência e assistência (incisos II e V do artigo 19 e artigo 33
do Decreto-Lei 220/75).
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