Concurso MG - Jurisprudência Mineira - Carreira Jurídica para efeito de pontuação


CORTE SUPERIOR

CONCURSO PÚBLICO - NOTÁRIOS E REGISTRADORES - TÍTULO - CARREIRA JURÍDICA - CONCEITUAÇÃO DADA PELA COMISSÃO EXAMINADORA - FATO OCORRIDO POSTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DO EDITAL - INALTERABILIDADE - LEGALIDADE - MANDADO DE SEGURANÇA - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - ORDEM DENEGADA

Ter a Comissão examinadora do concurso de serviços notariais e de registro público, no uso das prerrogativas que lhe foram conferidas pela lei do edital e com base em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, definido e conceituado como cargos de carreira jurídica, para fins de pontuação dos títulos referentes à aprovação do candidato em concurso público para cargo de carreira jurídica, os de magistrado, do Ministério Público, de defensor público e de advogado/procurador concursados e delegado de polícia não fere direito líquido e certo de candidatos que possuem aprovação em concurso público para cargos de técnico judiciário, técnico processual e analista processual, cujo requisito exigido é a escolaridade de bacharel em direito. Tais cargos, a despeito da exigência dessa escolaridade, não se confundem com carreira jurídica. Não houve ofensa ao princípio da isonomia, nem alteração das regras do concurso, sendo de se denegar a segurança impetrada.
V.v.: - Se, depois de encerradas as inscrições, após realizadas as provas de conhecimento e divulgação dos resultados, a comissão examinadora do concurso público para notários e registradores restringe, para efeito de pontuação na aferição de títulos, o conceito de carreira jurídica, estabelecendo que somente serão considerados como cargos de carreira jurídica os de magistrado, do Ministério Público, de defensor público, de advogado/procurador concursados e de delegado de polícia, mostra-se evidente que os critérios estabelecidos no edital foram alterados após iniciada a primeira fase do certame, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, na medida em que o edital constitui lei interna do concurso a cuja observância estão submetidos não só o candidato, como também a Administração Pública. (Des. Almeida Melo, José Antonino Baía Borges e Lucas Sávio V. Gomes)

Mandado de Segurança nº 294.686-1/00 - Comarca de Belo Horizonte - Relator: Des. Hugo Bengtsson

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda a Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em denegar a ordem, vencidos os Des. Almeida Melo, José Antonino Baía Borges e Lucas Sávio V. Gomes.
Belo Horizonte, 11 de dezembro de 2002. - Hugo Bengtsson - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Proferiu sustentação oral, pelo impetrante, o Dr. Plínio Salgado.
O Sr. Des. Hugo Bengtsson - Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Valério Horta Maciel contra atos dos Exmos. Srs. Des. Presidente da Comissão de Concurso dos Serviços Notariais e de Registro Público e Presidente do Conselho da Magistratura do Estado de Minas Gerais, como consta do relatório.

Consta do Edital 001/99:

"Item 1.10:

... apresentar títulos, mediante requerimento ao Presidente da Comissão Examinadora... assim consideradas as seguintes, com a respectiva valoração: 
V - aprovação em concurso público para cargo de carreira jurídica - 01 (um) ponto para cada aprovação comprovada por certidão da Entidade que tenha promovido o concurso, até o máximo de 04 pontos" (fls. 37).

E da Lei nº 12.919/98:

"Art. 17 - O candidato não eliminado nas provas de conhecimento poderá apresentar títulos, considerando-se como tais os seguintes:...
V - aprovação em concurso público para cargos de carreira jurídica" (fls. 47).

A Comissão Examinadora, dentre outras decisões, referentemente a determinados itens do Edital e previsões legais, definiu, para fins de contagem de ponto, especificamente na questão relativa à aprovação em concurso público para cargos de carreira jurídica, o seguinte:

"... a) Somente serão consideradas para efeito de pontuação as seguintes carreiras jurídicas:

- Magistrado
- Ministério Público
- Defensor Público

- Advogado/Procurador aprovado em concurso público

- Delegado de Polícia" (fls. 73).

Embora seja por demais sabido, repisar não custa, o mandado de segurança, em nosso Direito, não é uma ação como qualquer outra. É remédio excepcional, de natureza constitucional, e que só tem cabimento para tutela emergencial de direito líquido e certo violado por ato abusivo de autoridade pública. Por direito líquido e certo, outrossim, entende a unanimidade da doutrina e jurisprudência atuais o que deflui de fatos incontroversos; e, como tais, somente são havidos os que se demonstram, in limine litis, por meio de prova documental.
Nas palavras de Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data, 12ª ed., Revista dos Tribunais, p. 12):
"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: ...".

O que não é o caso dos autos, a meu modesto juízo.

Outrossim, prevê, ainda, o item 17 do mesmo Edital 001/99

"... 17.2 - Os casos omissos ou duvidosos serão resolvidos pela Comissão do Concurso".
Com pertinência, pois, informou a primeira das apontadas autoridades coatoras - Presidente da Comissão Examinadora (fls. 120/121):
"Carreiras jurídicas, como definido na doutrina e na jurisprudência, são aquelas elencadas pelos arts. 135 e 241 da Constituição Federal.

Afirma José Afonso da Silva:

'As carreiras disciplinadas no título referido no art. 135, que é Título IV da Constituição, são: a) a carreira da magistratura (art. 93); b) as carreiras dos Ministérios Públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (art. 128, SSSS 3º e 4º); c) as carreiras da Advocacia-Geral da União (art. 131, SS 1º); d) as carreiras de Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (art. 132); e) as carreiras de Defensores Públicos da União, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Estados (art. 134, parágrafo único); f) a elas se juntam as carreiras de Delegados de Polícia da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, por força da remissão do art. 241.
Todas elas são carreiras jurídicas, primeiro porque exigem formação jurídica como requisito essencial para que nelas alguém possa ingressar; segundo porque todas elas têm o mesmo objeto, qual seja: a aplicação da norma jurídica; terceiro porque, por isso mesmo, sua atividade é essencialmente idêntica, qual seja a do exame de situações fáticas específicas, emergentes, que requeiram solução concreta em face da norma jurídica, na busca de seu enquadramento nesta, o que significa subsunção das situações de fato na descrição normativa, operação que envolve interpretação e aplicação jurídica, campo essencial e comum que dá conceito dessas carreiras'. 
Os Tribunais Superiores têm entendimento idêntico, reiteradamente manifestado nos julgamentos de processos relativos à questão da isonomia salarial.
No RE 235.732-1-DF assim se manifestou o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence:

'A hipótese dos autos é similar a outras decididas pelo Supremo Tribunal Federal que se tem orientado no sentido de que a Constituição Federal não concedeu isonomia direta entre as chamadas carreiras jurídicas apesar de prescrevê-la, a sua implementação depende de lei específica para ser caracterizada'.
7 - O fato de exigir-se como requisito do cargo a escolaridade de bacharel em direito não o transforma em cargo de carreira jurídica, pois ausentes os demais requisitos essenciais à configuração da espécie.
8 - Não tendo o edital explicitado de forma clara as carreiras jurídicas que seriam consideradas para efeito de pontuação de títulos, decidiu a Comissão Examinadora, exercendo as prerrogativas que lhe foram conferidas pelo item 17.2 do Edital nº 001/99, adotar entendimento consagrado pela doutrina e pela jurisprudência na definição de tais carreiras...".

Vê-se, assim, que questionado ato fora praticado com suporte no item 17.2, do edital de concurso, com o objetivo de se preservar a moralidade do certame, sem ofensa alguma ao princípio da isonomia.
A respeito, merece transcrição ensinamento de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 15ª ed. RT, p. 371):
"... A Administração é livre para estabelecer as bases do concurso e os critérios de julgamento, desde que o faça com igualdade para todos os candidatos, tendo ainda o poder de, a todo tempo, alterar as condições e requisitos de admissão dos concorrentes para melhor atendimento do interesse público.

Os candidatos, mesmo que inscritos, não adquirem direito à realização do concurso na época e condições inicialmente estabelecidas pela Administração; esses elementos podem ser modificados pelo Poder Público, como pode ser cancelado ou invalidado o concurso, antes, durante ou após a sua realização. E assim é, porque os concorrentes têm apenas uma expectativa de direito que não obriga a Administração a realizar as provas prometidas. Ainda mesmo a aprovação no concurso não gera direito absoluto à nomeação, pois que continua o aprovado com simples expectativa de direito à investidura no cargo ou emprego disputado".
Não houve, nestas condições e data venia, alteração nas regras do concurso.

Indiscutivelmente, ao exame dos documentos apresentados pelo impetrante, à guisa de títulos (fls. 60/65), a despeito da exigência de ser bacharel em Direito, verifica-se que todos eles se referem a cargos técnicos (Técnico Judiciário da Justiça Federal, Técnico Processual do Ministério Público Federal, Técnico Judiciário da Justiça do Trabalho, Técnico Judiciário do Tribunal de Alçada de Minas Gerais e Técnico Judiciário e Analista Processual do Tribunal de Justiça de Minas Gerais), que não se confundem com carreira jurídica.
Concluindo, não vejo emergir dos autos violação a direito subjetivo do impetrante, muito menos a direito líquido e certo a ser amparado pela presente segurança.
Com estas razões de decidir, denego a ordem.

Custas, ex lege.

O Sr. Des. Orlando Carvalho - Sr. Presidente. Acompanho integralmente o excelente voto de V. Exa., que merece ser publicado dada a sua tecnicidade.
O Sr. Des. Odilon Ferreira - Dou-me por impedido de participar deste feito.
O Sr. Des. Kelsen Carneiro - Acompanho o voto do Relator.
O Sr. Des. Sérgio Resende - Com o Relator.
O Sr. Des. Pinheiro Lago - Com o Relator.
O Sr. Des. Roney Oliveira - Sr. Presidente. Carreira pressupõe movimentação e ascensão funcional através de promoções. São carreiras as da Magistratura, do Ministério Público e da Defensoria, porque lá se possibilita a promoção. Os cargos elencados da Tribuna e também os de Analista Judiciário, Técnico Judiciário, Técnico Processual exaurem-se por si mesmos com a prestação de concurso, não há movimentação através de promoção, são cargos em que se exige diploma de bacharel em Direito, mas não são cargos de carreira jurídica.

Com o Relator.

O Sr. Des. Zulman Galdino - Com o Relator.
O Sr. Des. Schalcher Ventura - Sr. Presidente. Apenas faço uma ressalva quanto à possível interpretação ampliativa do art. 135 da Constituição Federal. No mais, estou inteiramente de acordo com V. Exa. e denego a segurança.
O Sr. Des. Mercêdo Moreira - Sr. Presidente. Declaro-me impedido de participar deste julgamento.
O Sr. Des. Luiz Carlos Biasutti - De acordo com o Relator. 
O Sr. Des. Aluízio Quintão - Sr. Presidente. Acompanho o voto de V. Exa. para denegar a segurança.
O Sr. Des. Almeida Melo - À análise do Edital do Concurso de nº 001/99, verifica-se que a cláusula 10.1 estabeleceu em seu item V, como título, "a aprovação em concurso público para cargos de carreira jurídica", atribuindo 01 ponto para cada aprovação "comprovada por certidão da entidade que tenha promovido o concurso, até o máximo de 04 (quatro) pontos".

Em decisão publicada no Minas Gerais do dia 18.04.2002, encerradas as inscrições para o concurso e após a realização das provas de conhecimentos e a divulgação dos resultados, a Comissão Examinadora restringiu, para efeito de pontuação na aferição de títulos, o conceito de carreiras jurídicas, estabelecendo que "somente serão considerados, para efeito de pontuação, as seguintes carreiras jurídicas: Magistrado, Ministério Público, Defensor Público, Advogado/Procurador aprovado em concurso público, Delegado de Polícia".
Evidente se mostra a alteração dos critérios estabelecidos no edital após iniciada a primeira fase do certame, o que é vedado pelo ordenamento jurídico na medida em que o edital constitui a lei interna do certame, estabelecendo normas a cuja observância estão submetidos não só o candidato, como também a Administração Pública.

O impetrante, através dos documentos de fl. 14 e seguintes, demonstrou ter sido aprovado nos concursos para o preenchimento dos cargos de Técnico Judiciário, Técnico Processual, Analista Processual e Técnico de Apoio Judicial, todos privativos de bacharel em Direito, devendo, portanto, ser acrescidos à sua nota os quatro pontos a que faz jus.
Com a devida vênia, concedo a segurança.

O Sr. Des. Lúcio Urbano - De acordo com o Relator.
O Sr. Des. Sérgio Lellis Santiago - De acordo com o Relator, data venia.
O Sr. Des. Francisco Figueiredo - Sr. Presidente. No caso não houve alteração das regras editalícias, mas, sim, omissão, suprida pela Comissão Examinadora. Acompanho V. Exa.
O Sr. Des. Corrêa de Marins - Sr. Presidente. Declaro-me impedido de participar deste julgamento.
O Sr. Des. Carreira Machado - De acordo com o Relator.
O Sr. Des. José Antonino Baía Borges - Sr. Presidente. Trata-se de matéria que tem despertado a atenção e que me parece ser mais polêmica do que aparenta, de modo que, pedindo vênia aos que entendem de maneira contrária, impressionado não só com a sustentação oral feita, mas também com o voto, conquanto sintético e singelo, carregado de fundamentação, como soem ser os votos do em. Des. Almeida Melo, estou concedendo a segurança.
O Sr. Des. Lucas Sávio V. Gomes - Sr. Presidente. Também acompanho o em. Des. Almeida Melo.
O Sr. Des. Kildare Carvalho - Sr. Presidente. Declaro-me impedido de participar deste julgamento.

Súmula - DENEGARAM A ORDEM, VENCIDOS OS DES. ALMEIDA MELO, JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES E LUCAS SÁVIO DE VASCONCELLOS GOMES


Fonte:  Jornal "Minas Gerais" do dia 28/02/2003.