A
partilha do patrimônio entre concubinos em caso de separação anterior à Lei
n. 9.278/96 deve observar a contribuição de cada um para a formação do
patrimônio, não bastando para a meação a contribuição indireta consistente
na prestação de serviços domésticos e no cuidado na criação dos filhos
comuns. A conclusão, por 4 a 3, é da Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ao dar parcial provimento ao recurso especial de A.C.S., de
São Paulo, para reduzir a 40% o percentual a título de participação da
companheira sobre o valor correspondente aos bens adquiridos sob o regime do
concubinato, no período de 1983 a janeiro de 1996.
I. A L. entrou na Justiça contra o companheiro, requerendo a dissolução de
sociedade de fato, combinada com partilha de bens. Segundo afirmou,
conviveram por um período de 13 anos, durante o qual tiveram três filhos,
nascidos em 1983, 1985 e 1989. Enquanto A .C. da S. trabalhava como sócio
proprietário de duas empresas, ela cuidava do lar e dos filhos, colaborando,
segundo alegou, para a formação do patrimônio líquido adquirido pelo
companheiro durante a união.
Em primeira instância, o juiz reconheceu a existência da união no período
mencionado, determinando, então, a partilha igualitária dos bens, excluindo
aqueles adquiridos após a dissolução da sociedade. O Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJSP) negou provimento às apelações, mantendo a sentença que
determinou a meação (50% para cada um).
No recurso para o STJ, o ex-concubino alegou que a decisão do tribunal
paulista não poderia ter aplicado, por analogia, os dispositivos que regulam
o instituto da união estável, da Lei n. 9.278/96, à hipótese de sociedade de
fato, pois o relacionamento terminou em janeiro de 1996, anteriormente à
vigência da lei (13/05/96). Segundo o advogado, o TJSP fez recair a
presunção do esforço comum, dispensando, dessa forma, a necessidade de prova
a tal respeito.
Desempate
A ministra relatora Nancy Andrighi, não conheceu do recurso especial e
manteve a meação conforme decidido nas instâncias inferiores. “Se o tribunal
de origem reconheceu a contribuição da recorrida, mesmo que indireta, para a
formação do patrimônio comum, não há como desenvolver ilação em sentido
diverso do adotado em primeiro e segundo graus de jurisdição”, afirmou. Os
ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti acompanharam a relatora.
Ao votar, no entanto, o ministro João Otávio de Noronha, que havia pedido
vista do caso, conheceu e deu parcial provimento ao recurso especial para
reduzir a 40% a participação da mulher nos bens. “Não se pretende desprezar
a importância do restrito trabalho doméstico (administração do lar), criação
e formação dos filhos em comum, mas apenas ter-se em conta, como pressuposto
ao direito de meação advinda da ruptura do convívio concubinatário, a direta
e efetiva contribuição para a formação dos bens patrimoniais, o que, a toda
evidência, não restou demonstrado nestes autos”, afirmou.
O ministro observou que, somente a partir do regime da Lei n. 9.278/96, é
que se estabeleceu que os bens adquiridos na constância da união estável por
um ou pelos conviventes passariam a pertencer a ambos, em condomínio ou
partes iguais. Para Noronha, a fixação do percentual não deve implicar
necessariamente meação no seu sentido estrito (50%), sendo recomendável que
o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao tempo de
duração da sociedade, à idade das partes e à contribuição indireta prestada
pela concubina.
Ainda segundo o ministro, as normas legais e orientações jurisprudenciais
versando especificamente sobre concubinato, entre as quais a Lei n. 8.971/94
e a súmula número 380 do Supremo Tribunal Federal, delimitam que a
atribuição à companheira ou ao companheiro de metade do patrimônio
vincula-se diretamente ao esforço comum, consagrado na contribuição direta
para o acréscimo ou aquisição de bens, mediante o aporte de recursos ou
força de trabalho.
Ao decidir pelo percentual de 40%, João Otávio de Noronha fez, ainda,
considerações sobre a aplicação do direito aos casos concretos pretéritos à
Lei n. 9.278/96, isto é, às hipóteses de uniões constituídas e dissolvidas
anteriormente à edição da referida norma legal. “Como decidiríamos sobre os
direitos patrimoniais da concubina nas hipóteses em que, no convívio more
uxorio, além da atividade desenvolvida no lar, criação e formação dos filhos
comuns e cuidados com o próprio convivente, tivesse dinâmica atuação
profissional autônoma ou atividade laboral remunerada fora do âmbito
doméstico, angariando recursos para suas próprias despesas, para melhoria do
bem estar dos filhos e concubino e, naturalmente, para a real formação do
patrimônio comum?”, questionou.
Os ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior acompanharam o
entendimento do ministro Noronha. Verificado o empate, o ministro Ari
Pargendler desempatou a questão, reconhecendo a partilha, mas no percentual
de 40%. O ministro Noronha, que inaugurou a divergência, será o relator para
o acórdão.
REsp 914811
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