A operação de compra e venda de um imóvel em construção tornar-se
irreversível após o recebimento e ocupação pelo comprador. Ou seja, após a
entrega do imóvel, não é mais possível desistir do negócio. O entendimento é
da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O colegiado acolheu,
por unanimidade, o recurso interposto pela Construtora ELO Engenharia e
Empreendimentos Ltda. contra a desistência de um comprador que já ocupava o
imóvel há quase dois anos. O processo foi relatado pelo ministro Aldir
Passarinho Junior.
Para o ministro, deve haver “um limite fático/temporal” para o exercício do
direito de desistência de uma compra e venda de imóvel. Segundo o relator,
ao receber a posse do imóvel e ocupar o local ou alugar a unidade a
terceiros, o proprietário transforma “o apartamento, que era novo, em usado,
iniciando o desgaste que naturalmente ocorre com a ocupação, alterando o
valor comercial do bem, que naturalmente, quando vendido na denominada 1ª
locação, tem maior valia”.
O ministro destacou que há entendimento firmado no STJ no sentido de ser
possível ao adquirente desistir da compra por impossibilidade de pagar as
prestações. O posicionamento do Tribunal, segundo o relator, indica,
inclusive, que a Construtora deve devolver as parcelas pagas, descontando
apenas 25% do valor pago, a título de compensação por seus serviços de
administração, corretagem, propaganda, entre outros.
No entanto, enfatizou o ministro, o recurso em análise apresenta uma
particularidade – o proprietário já recebeu o imóvel. “Não se me afigura,
realmente razoável, que a empresa construtora fique por muitos anos ainda
vinculada à unilateral vontade do comprador desistente, que, até por motivo
de mera conveniência, após residir no imóvel, vem a ‘desistir’ da aquisição,
descartando o apartamento após, convenientemente, dele se servir, por vezes
por alguns ou muitos anos.”
Compra e desistência
Alcides Alves Neto assinou, em maio de 1995, contrato de compra e venda de
uma loja comercial em construção pela ELO Engenharia e Empreendimentos Ltda.
A unidade foi entregue ao comprador em agosto de 1996. Quase dois anos após
receber e ocupar o imóvel, em maio de 1998, Alcides Alves Neto propôs ação
para obter a desistência do negócio por impossibilidade de honrar o
compromisso. Segundo o comprador, o negócio já estava rescindido desde
outubro de 1996, quando deixou de pagar as parcelas.
O pedido do adquirente foi acolhido na primeira instância do Judiciário. O
Tribunal de Alçada de Minas Gerais manteve a sentença. Para o Tribunal, se o
comprador não tem mais interesse em continuar com o vínculo jurídico com a
vendedora do imóvel, deve-se admitir a devolução das parcelas pagas,
corrigidas monetariamente, de acordo com expressa previsão contratual. No
julgamento, o Tribunal autorizou a retenção pela vendedora da multa
compensatória pelo rompimento do contrato.
A ELO recorreu ao STJ alegando que as decisões favoráveis ao comprador
contrariam o artigo 1.092 do Código Civil, além do artigo 49 do Código de
Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), entre outros do Código de Processo
Civil.
Ao relatar o processo no STJ, o ministro Aldir Passarinho Junior acolheu os
argumentos da construtora e modificou as decisões anteriores. “A alienação,
com a posterior ocupação do imóvel pelo comprador, torna-se, penso,
irreversível, não mais possibilitando a desistência unilateral nessas
circunstâncias, dada a desconfiguração da própria essência do negócio, que
objetivava a venda de imóvel novo, que representa, inclusive, o objeto
social das empresas construtoras."
REsp 476780
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