Quem compra imóvel “enrolado” em processo judicial fica sujeito a suportar
as consequências, a menos que consiga provar que não tinha como saber da
existência do litígio – e o ônus dessa prova é todo seu. Do contrário, o
comprador terá de se submeter aos efeitos da decisão que a Justiça vier a
dar à disputa entre o vendedor e a outra parte.
A advertência foi feita na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) pela ministra Nancy Andrighi, relatora de um recurso cujo autor
tentava evitar a perda do apartamento que havia adquirido de um banco. Este,
por sua vez, arrematara o imóvel em leilão, no curso de uma execução
hipotecária.
“O adquirente de qualquer imóvel deve acautelar-se, obtendo certidões dos
cartórios distribuidores judiciais que lhe permitam verificar a existência
de processos envolvendo o vendedor, dos quais possam decorrer ônus (ainda
que potenciais) sobre o imóvel negociado”, afirmou a ministra. A decisão da
Turma, contrária ao recurso, foi unânime.
Em 1986, a Caixa Econômica Federal executou a dívida de um casal no Rio de
Janeiro e levou seu apartamento a leilão, sendo arrematante o Banco Morada
S/A. O casal entrou na Justiça e quase seis anos depois conseguiu anular o
leilão.
Enquanto a Justiça discutia os recursos do caso, em 1996 – quando já havia
sentença anulando a arrematação – o Banco Morada assinou contrato de
promessa de venda com outra pessoa, negócio finalmente concluído em 2001. Em
2007, o casal obteve decisão favorável à reintegração na posse do imóvel e
ao cancelamento de quaisquer registros de transferência da propriedade para
terceiros.
O Código de Processo Civil diz que, na compra de um bem sob litígio, a
sentença judicial estende seus efeitos ao comprador. Segundo a ministra
Nancy Andrighi, essa regra deve ser atenuada para se proteger o direito do
comprador que agiu de boa-fé, “mas apenas quando for evidenciado que sua
conduta tendeu à efetiva apuração da eventual litigiosidade da coisa
adquirida”.
Desde 1985, para a transferência de imóveis em cartório, a legislação exige
que sejam apresentadas certidões sobre existência ou não de processos
envolvendo o bem objeto da transação e as pessoas dos vendedores.
“Não é crível que a pessoa que adquire imóvel desconheça a existência da
ação distribuída em nome do proprietário, sobretudo se o processo envolve o
próprio bem”, acrescentou a relatora. Ela disse ainda que “só se pode
considerar de boa-fé o comprador que adota mínimas cautelas para a segurança
jurídica da sua aquisição”.
O mais grave, no caso, é que, embora não houvesse registro da existência do
processo junto à matrícula do apartamento no cartório de imóveis, ainda
assim o contrato de compra e venda informava que o comprador tinha
solicitado as certidões dos distribuidores judiciais, estando, em princípio,
ciente das pendências existentes sobre o imóvel.
O recurso foi interposto contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região (TRF2), que já havia concordado com a reintegração do casal (os
proprietários originais) na posse do imóvel. Ao tomar essa decisão, o TRF2
observou que nada impedia o comprador de mover ação indenizatória contra o
Banco Morada, tanto pelo valor investido no negócio como por eventuais
benfeitorias realizadas no apartamento.
RMS 27358 |