Contrato particular de promessa de compra e venda sem registro - Pagamento do preço - Venda do imóvel a terceiro - Imóvel hipotecado - Penhora inválida - Função social da propriedade

APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DE TERCEIRO - CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA SEM O DEVIDO REGISTRO - PAGAMENTO INTEGRAL DO PREÇO - PROMITENTE VENDEDOR VENDE O IMÓVEL A TERCEIRA PESSOA - IMÓVEL VEM A SER GRAVADO COM HIPOTECA - PENHORA INVÁLIDA - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

- A ausência de registro no álbum imobiliário do contrato de promessa de compra e venda não invalida o negócio, se evidenciada a boa-fé do adquirente. Apesar da importância do registro do imóvel e da elementar lição de que a propriedade imóvel só se transmite com o registro do contrato no ofício imobiliário, a sua ausência não pode gerar presunção absoluta em desfavor daquele que adquire um imóvel rural e nele vive, com posse tranquila há pelo menos duas décadas.

Recurso não provido.

Apelação Cível n° 1.0708.03.003893-7/001 - Comarca de Várzea da Palma - Apelante: Banco do Brasil S.A. - Apelado: João Teixeira Rocha - Relatora: Des.ª Electra Benevides

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 1º de setembro de 2009. - Electra Benevides - Relatora.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES.ª ELECTRA BENEVIDES - Trata-se de recurso de apelação interposto em face da sentença de f. 206/215, lançada nestes autos dos embargos de terceiro aforados por João Teixeira Rocha em face do Banco do Brasil S.A., decisão esta que julgou procedente o pedido inicial:

"[...] e declaro ineficaz em relação ao autor a hipoteca incidente sobre o imóvel de 101,67 hectares de terras de culturas e campos situados na Fazenda Porto Faria, antiga Cotovelo, no Município de Lassance/MG - matrícula 1.743, Livro 2-M, f. 115 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Pirapora, declarando nula a penhora realizada sobre aludido bem nos autos de execução nº 0708.02.001.714-9'' (f. 214).

E ainda:

"[...] condenou a Instituição Financeira embargada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$ 7.000,00 (sete mil reais)''.

Inconformado com a decisão retromencionada, apela o embargado, alegando que a sentença ora guerreada não merece subsistir, pois afronta o ordenamento jurídico posto (f. 217/221).

Expõe a apelante que não há nos autos provas de que o embargante está de boa-fé.

Informa que a decisão ora recorrida evidencia "o total desprestígio à legislação aplicável (cível, administrativa e tributária)", sobrepondo-se mera alegação de posse mansa e pacífica ao registro procedido no competente Cartório de Registro de Imóveis.

Insurge-se contra o valor atribuído a título de honorários advocatícios, afirmando ser este desproporcional à realidade dos autos.

Ao final, requer seja o recurso conhecido e no mérito provido para reformar a decisão ora guerreada, declarando-se subsistentes tanto a hipoteca quanto a penhora levada a efeito.

Contrarrazões, pelo desprovimento do apelo, refutando as alegações do recorrente (f. 225/230).

É o relatório.

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, especialmente a tempestividade, recebo o recurso.

Analisando detidamente a matéria reportada nos presentes embargos de terceiro, verifico que a controvérsia cinge-se apenas sobre a possibilidade de prevalecer a boa-fé em detrimento de texto expresso de lei (boa-fé do embargante ou o registro existente no Cartório de Registro de Imóveis).

O embargante acosta aos autos contrato particular de promessa de compra e venda onde figura como objeto imóvel registrado em nome da Empresa Varzerauto Veículos Garagem Ltda.

Afirma que adquiriu referido imóvel em 1988, conforme documentos acostados aos autos, sendo, portanto, seu real proprietário.

Aduz que a aquisição do imóvel feita pela Varzerauto em 1989 não pode prevalecer, uma vez que a venda foi feita por pessoa que já não era mais a proprietária.

Conforme é sabido, o contrato de promessa de compra e venda de bens imóveis apenas produzirá os efeitos obrigacionais perante os envolvidos, não abarcando terceiros. Isto é, não basta a liberdade contratual das partes envolvidas, pois fundamental para a transmissão da propriedade é que a ela se siga o efeito da segurança social para o adquirente na circulação de bens, no sentido de que a coisa procede do verdadeiro dono e que a mutação subjetiva de titularidade será respeitada pela coletividade (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nélson. Direitos reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 235).

O direito brasileiro, no que tange à aquisição da propriedade imobiliária, adotou o sistema romano, qual seja o título pelo qual uma pessoa manifesta validamente a vontade de adquirir um bem não é suficiente para lhe transmitir a propriedade, devendo ser complementado pela observância de um modo, que seria o registro.

Julgo ser necessária a reapreciação dos princípios nos quais se baseia a nossa ordem jurídica, o que, por consequência, requer permanente atividade de construção jurisprudencial orientada pela necessidade de compatibilização dos mesmos às necessidades societárias.

Devemos sopesar o direito à propriedade, apenas analisado sob a ótica patrimonialista, e a função social que deve ser atribuída à propriedade, uma vez que:

"[...] a autonomia privada deixou de ser um valor em si. Os atos de autonomia privada, possuidores de fundamentos diversos, devem encontrar seu denominador comum na necessidade de serem dirigidos à realização de interesses a funções socialmente úteis'' (Disponível em: <http://www.lopespinto.com.br/adv/publier4.0/texto.asp?id=374>. Acesso em: 07 maio 2009).

"O direito de propriedade, outrora tido como um direito subjetivo na órbita patrimonial, passa a ser encarado como uma complexa situação jurídica subjetiva, na qual se inserem obrigações positivas do proprietário perante a comunidade'' (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nélson. Direitos reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 201-202).

Assim, entendo que a ausência de registro não inviabiliza o direito do embargante, uma vez que este atribuiu função social à propriedade, tornando-a produtiva, objeto do litígio em questão. Conforme dispõe a Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça:

"Súmula 84. É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido o registro''.

Nesse sentido:

"Recurso especial. Processual civil. Dissídio jurisprudencial. Comprovação. Acórdão recorrido. Fundamento. Ausência de impugnação específica. Súmula 283 do STF. Imóvel. Compromisso de compra e venda não registrado. Embargos de terceiro. Súmula 84 do STJ.

I - Não se conhece o recurso especial pela divergência se inexiste a confrontação analítica exigida nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, § 2º, do RISTJ.

II - A ausência de impugnação a todos os fundamentos em que se assenta o acórdão recorrido enseja o não conhecimento do recurso especial, nos termos do enunciado da Súmula 283 do STF.

III - É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro (Súmula 84 do STJ).

Recurso especial a que não se conhece.

Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Votaram com a Sra. Ministra-Relatora os Srs. Ministros Pádua Ribeiro, Ari Pargendler e Menezes Direito. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Waldemar Zveiter'' (Recurso Especial nº 273573/AL - Terceira Turma do STJ - Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi - j. em 14.11.2000 - Publ. no DJU de 05.02.2001, p. 108).

"Processual civil. Embargos de terceiro.

1. A jurisprudência de ambas as Turmas componentes da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, afastando a restrição imposta pelo enunciado da Súm. 621/STF, norteou-se no sentido de admitir o processamento de ação de embargos de terceiro fundados em compromisso de compra e venda desprovido de registro imobiliário (REsp nº 662, Rel. Ministro Waldemar Zveiter; REsp nº 866, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro; REsp nº 633, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo; REsp nº 696, Rel. Ministro Fontes de Alencar; REsp nº 188 e 247, de que fui Relator).

2. Recurso especial conhecido, mas improvido.

Decisão: Por unanimidade, conhecer do recurso, mas negar-lhe provimento'' (Recurso Especial nº 573/SP - Quarta Turma do STJ - Rel. Min. Bueno de Souza - j. em 08.05.1990 - DJ de 06.08.1990, p. 7.337 - RSTJ, v. 10, p. 314 - RSTJ, v. 49, p. 330).

No presente feito, o embargante prova ter a posse do imóvel há muitos anos (cerca de 20 anos, conforme se depreende da prova testemunhal produzida), e, ainda, que o adquiriu por contrato de promessa de compra e venda firmado com seu ex-proprietário, Raimundo Felix da Silva.

Acosta aos autos, à f. 12, guia demonstrando haver recolhido o imposto devido pela transferência da propriedade do imóvel.

Muito embora não tenha ocorrido o registro da transferência no competente Cartório de Registro Imobiliário, certo é que foi transmitida a posse do bem em caráter definitivo ao ora embargante.

Embora seja inegável a negligência do apelado ao não efetuar o registro do imóvel na forma preceituada, não se pode olvidar que há elementos que permitem concluir que o recorrido é possuidor legítimo do bem.

Apesar da importância do registro do imóvel e da elementar lição de que a propriedade imóvel só se transmite com o registro do contrato no ofício imobiliário, a sua ausência não pode gerar presunção absoluta em desfavor daquele que adquire um imóvel rural e nele vive, com posse tranquila há pelo menos duas décadas.

Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, nego provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a decisão ora recorrida.

Custas, pelo apelante.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Gutemberg da Mota e Silva e Alberto Aluízio Pacheco de Andrade.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 11/08/2010.

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