O juiz Maurício Pinto Ferreira, da 2ª Vara de Sucessões de Belo Horizonte,
declarou o direito de uma viúva à herança sobre os bens do companheiro
falecido e a inconstitucionalidade do artigo 1.790, inciso III do Código
Civil. O artigo dispõe que o companheiro participará da sucessão do outro,
quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Já o
inciso III restringe o direito à 1/3 da herança se houver outros herdeiros.
Determinou aos outros herdeiros a restituição de todos os valores e bens
recebidos a título de herança.
A viúva relatou que foi companheira do falecido por 11 anos. Os demais
herdeiros do espólio, os sobrinhos, não tinham convivência com o falecido.
Segundo ela, alguns não tinham bom relacionamento com ele e outros nem o
conheciam. Contou que o administrador do espólio lhe reservou apenas 1/3 do
patrimônio do falecido, como preceitua o artigo 1.790, inc. III, do Código
Civil, o que considerou injusto.
Para ela, o artigo não observa a igualdade entre as instituições familiares,
especialmente entre casamento e união estável. Requereu, portanto, o
reconhecimento da sua inconstitucionalidade e a aplicação dos dispositivos
referentes à sucessão em caso de casamento sob o regime de comunhão parcial
de bens.
A defesa alegou que o falecido nunca apresentou a companheira à família como
tal e que ela nunca contribuiu para a formação do patrimônio dele.
Argumentou que “igualar a união estável ao casamento é macular este
instituto”.
O juiz Maurício Ferreira salientou que, no esboço da partilha dos bens, os
herdeiros reconheceram a existência da união estável, pois contemplaram a
viúva como companheira do falecido.
Ele explicou que a união estável foi alçada à condição de entidade familiar
pela Constituição Federal. Esta, ao conferir a condição de entidade familiar
à união estável, equiparou-a ao casamento, “posto que o vínculo de afeto,
respeito e solidariedade são idênticos, tendo ambas a finalidade de
desenvolver e proteger seus membros”, assinalou o juiz. Para ele, não há
justificativa para o tratamento desigual entre os institutos que buscam o
mesmo fim.
Para o magistrado, não é aceitável que pessoas que não participaram da
relação familiar, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e patrimonial
do falecido, venham agora se beneficiar da herança em detrimento da
companheira que com ele constituiu uma entidade familiar. “Não terão os réus
direito sucessório sobre os bens deixados pelo falecido, devendo todos os
bens deixados ser destinados à companheira a título de meação e sucessão”,
determinou.
“Em face da isonomia assegurada pela Constituição, família constituída de
fato, bem como em face dos princípios da equidade e da dignidade da pessoa
humana, visível é a afronta do artigo 1.790, inciso III do Código Civil à
Constituição Federal”, observou o magistrado.
Ao declarar a inconstitucionalidade do artigo 1.790, inc. III do Código
Civil, o magistrado aplicou as disposições do CC com relação à sucessão do
cônjuge casado em regime de comunhão parcial de bens (artigos 1.829 e
1.838).
Essa decisão está sujeita a recurso.
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