O Coordenador do
Departamento de Registro de Imóveis da SERJUS/ANOREG-MG e titular do 4º
Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte, Dr. Francisco José Rezende
dos Santos, apresentou ontem (24/04) a palestra “A Reserva Legal e o
Registro de Imóveis - aspectos práticos”, durante o II Congresso Mineiro de
Biodiversidade – COMBIO.
O Congresso é realizado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), Instituto Estadual de Florestas (IEF) e
pelo Instituto Terra Brasilis, no período de 22 a 26 de abril de 2008, no
espaço Expominas, em Belo Horizonte.
Veja abaixo na íntegra a conferência:
"A Reserva Legal e o
Registro de Imóveis: aspectos práticos.
O Registro de Imóveis pratica atos de registro e averbação de títulos que
portam direitos ou atos referentes a bens imóveis.
Para que se procedam aos registros/averbações é feita a chamada qualificação
do título. A qualificação é a compatibilização do documento apresentado com
as normas legais referentes à matéria.
Dependendo da natureza do direito ou do ato a ser praticado é feita a
qualificação do título com graus diferentes de exigências. Assim, os
títulos, se constitutivos de direitos reais, têm uma forma de qualificação;
e os títulos meramente declaratórios, ou que são levados ao Registro de
Imóveis apenas para efeitos de publicidade, têm outro tipo de qualificação.
Se o título é de natureza constitutiva de um direito real, por exemplo, uma
compra e venda de uma propriedade, uma hipoteca, uma doação, a qualificação
é chamada “plena” (verifica o Registrador de Imóveis a capacidade e
legitimidade das partes, legalidade e condições do negócio, pagamentos e
quitações de tributos, verificação de indisponibilidades legais, judiciais e
contratuais, ônus e cargas existentes sobre o imóvel, e o princípio da
continuidade deve ser obedecido, dentre outras exigências). Tais títulos, em
geral, portam direitos reais de natureza derivada, ou seja, o titular
transmite os direitos que possui, na mesma quantidade e qualidade.
Determina o nosso Direito que pelo registro feito em Registro de Imóveis se
transmite a propriedade do imóvel ou o direito real ( art. 1227 e 1.245 do
Código Civil)
Um título declaratório de direitos reais como, por exemplo, um usucapião, ou
uma desapropriação, pois tais títulos tem natureza originária do direito
real, recebem outro tipo de qualificação pelo Oficial do Registro de
Imóveis, esta mais branda, mitigada.
Já existem títulos que são levados ao Registro de Imóveis apenas para
efeitos de publicidade, títulos nos quais o Direito já exista, e já têm a
chamada eficácia jurídica, quando produzem plenamente todos os seus efeitos
independentemente do registro. Dentre tais títulos encontramos, por exemplo,
as penhoras, que são atos processuais, cujos efeitos de garantia processual
já se manifestam no processo judicial quando foi efetuada a penhora, mas que
são levados ao Registro de Imóveis para que se produza o efeito da
publicidade, com isso prevenindo a fraude contra credores.
Alguns atos, da administração, também têm esta característica, como a
declaração de localização do imóvel (se urbano ou rural), o direito de
preferência emitido pela administração previsto no Estatuto da Cidade, as
declarações de áreas de zoneamento dos imóveis, comerciais, industriais e
residenciais, etc.
Neste último tipo de ato registral estão incluídos os Termos de Preservação
de Florestas pelos quais se especificam as Áreas de Reserva Legal.
Qual seria a natureza jurídica das Reserva Legal ?
As Áreas de Reserva Legal são figuras jurídicas criadas pelo Direito
Ambiental, limitadoras da exploração plena da propriedade rural, em sua
atividade extrativa ou agropastoril. São figuras jurídicas que incidem na
propriedade rural como encargos particular e individual, embora revertam em
benefício social e coletivo gratuito.
A limitação administrativa é uma das maneiras pelas quais o Estado, como
organismo político administrativo, no uso de sua autoridade, intervém na
propriedade e nas ações dos particulares. É a limitação administrativa um
estado de sujeição ou de restrição, que o Poder Público impõe ao particular
diretamente ou aos bens destes, de obediência a determinadas normas,
fazendo-o no exercício da sua soberania, dentro dos princípios
constitucionais que lhe são próprios, limitando o pleno direito de
propriedade e intervindo em suas ações particulares.
A limitação administrativa tem características próprias. É uma imposição
geral, gratuita, unilateral por parte da Administração, e de ordem pública.
Tem como finalidade atender às exigências do interesse público e do
bem-estar social.
É muito importante este aspecto da razoabilidade da constrição, pois se
ultrapassadas as regras da moderação, hão de ser arbitrárias, portanto
facilmente aniquiláveis pelos mais diversos remédios jurídicos,
especialmente o mandado de segurança, podendo chegar até a decretação da
ilegalidade ou da inconstitucionalidade.
Uma outra característica das limitações administrativas é que estas não
geram indenização ao particular que as sofre.
A limitação administrativa é uma condicionante ao uso indiscriminado e sem
limites da propriedade e deve expressar-se em forma de normas genéricas de
conduta. Só as leis podem criar limitações administrativas.
As limitações administrativas, em geral, não são levadas aos Registros
Imobiliários para a averbação junto às matrículas dos imóveis. É
desnecessário. A lei lhes dá a publicidade e a eficácia necessárias para o
seu cumprimento por todos.
O que lhe dá vida e eficácia no mundo do Direito é a lei. O Poder Público
fiscaliza o cumprimento da limitação administrativa, em decorrência do Poder
de Polícia que lhe garantem os Direitos Administrativo e Constitucional, e
não pela averbação de uma limitação administrativa nos Ofícios de Registro
Imobiliário. Mas no caso da Reserva Legal, tendo em vista a necessidade de
publicidade de tal limitação e a necessidade de maior eficácia da restrição,
a lei determina a sua averbação na matrícula do imóvel no Cartório de
Registro de Imóveis da sua respectiva circunscrição.
É importante ressaltar que a Reserva Legal não é instrumento contratual, mas
sim institucional. A Reserva é uma instituição do Direito Ambiental prevista
por lei, e não depende de consentimento do proprietário do imóvel para que
seja efetivada. Para o Registro de Imóveis é considerada e deve ser
qualificada como ato, e não como contrato. É um ato de império, praticado
pela autoridade competente, no caso Autoridade Ambiental, no uso das suas
atribuições legais.
A figura jurídica da Reserva Legal, tal como está colocada na lei, por seu
alcance é, sem sombra de dúvida, a mais importante e controvertida, estudada
e discutida figura de limitação administrativa criada pelo Direito
Ambiental, no Brasil. É motivo de grande polêmica no meio rural, pois os
proprietários, além de terem uma grande parte, no mínimo 20%, da sua
propriedade rural limitada quanto à sua destinação natural, seja agrícola,
pecuária ou extrativista, praticamente nada recebem como compensação ou
incentivo pela conservação ambiental dessas áreas, como é feito nos países
que são nossos principais concorrentes no mercado agrícola internacional.
Mas todos, sem exceção, reconhecem a importância da Reserva Legal Ambiental
e a necessidade de sua existência, necessária ao uso sustentável dos
recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à
conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora
nativas, como nos informa a própria lei.
A averbação do termo de preservação que delimita a Reserva Legal, está
prevista no art. 16 do Código Florestal, Lei n. 4.771, de 15 de setembro de
1965, com a nova redação que lhe deu a Medida Provisória n. 2.166, de 24 de
agosto de 2001, que diz:
“§ 8o -A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de
matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a
alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de
desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste
Código.”
A obrigatoriedade desta averbação se dá pela recente modificação efetuada na
Lei de Registros Públicos, pela Lei n. 11.284, de 02 de março de 2006,
quando foi inserido no art. 167, II, o item 22. Tal artigo, combinado com o
artigo 169 da mesma lei, determina que: “todos os atos enumerados no art.
167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel...”
A Reserva Legal assim é obrigatória, quando efetuada deverá ser
obrigatoriamente levada ao Registro de Imóveis para ser averbada na
matrícula do imóvel. Isso não quer dizer que a averbação da reserva seja
pré-requisito para que o proprietário pratique qualquer ato ou negócio
jurídico referente a seu imóvel. Somente não poderá praticar os atos nos
quais a Reserva Legal seja pré-requisito, como por exemplo praticar atos de
manejo florestal na sua propriedade e outros previstos na lei florestal.
Diversas disposições
legislativas deram extensão à Reserva Legal, por exemplo, determinando que
sua averbação fosse gratuita para a pequena propriedade rural.
Ela incide sobre cada propriedade rural, sob forma percentual, em cuja área
não é permitido o corte da vegetação, devendo qualquer intervenção nesta
área ser autorizada pelo órgão ambiental.
Tais áreas são consideradas encargos particular e individual do proprietário
do imóvel, pois obrigam à conservação da vegetação na área demarcada da
Reserva Legal.
Requisitos para a averbação no Registro de Imóveis
1. As Áreas de Reserva Legal só podem ser localizadas em imóvel rural, seja
público ou particular.
2. É imposta em caráter definitivo e em princípio imutável, a não ser por
determinação expressa da autoridade competente.
3. Deve ser especializada no Registro Imobiliário na matrícula do imóvel
rural.
4. A localização da Reserva Legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental
estadual competente ou, mediante convênio, pelo órgão ambiental municipal ou
outra instituição devidamente habilitada, e não escolhida pelo proprietário
aleatoriamente em sua propriedade, fazendo constar tal circunstância em
algum ato, seja escritura pública ou documento particular.
5. Havendo desmembramento ou unificação de imóveis, a Reserva permanece
intocável, no lugar onde foi delimitada pela autoridade ambiental.
7. A averbação da reserva legal da pequena propriedade ou posse rural
familiar é gratuita, devendo tal circunstância constar do título apresentado
ao Cartório, ou comprovada tal particularidade por documentos (exemplo:
declaração do INCRA).
7. Na posse, situação jurídica que não cabe registro em registro de Imóveis,
a Reserva Legal é assegurada por Termo de Ajustamento de Conduta, firmado
pelo possuidor com o órgão ambiental estadual ou federal competente, com
força de título executivo. Assim, neste caso, não é averbável no Registro de
Imóveis.
8. Poderá ser instituída Reserva Legal em regime de condomínio entre mais de
uma propriedade, respeitado o percentual legal em relação a cada imóvel,
mediante a aprovação do órgão ambiental estadual competente e feitas as
devidas averbações referentes a todos os imóveis envolvidos.” (grifos
nossos)
9. A averbação da Reserva poderá ser efetivada pelos proprietários, demais
titulares de direitos sobre o imóvel, pelo Órgão Ambiental, IEF, ou pelo
Ministério Público (o meio ambiente é de uso comum do povo - art. 225,
caput, da CF), indicando apenas ao Oficial a matrícula do imóvel que será
objeto da constrição.
10. Não é necessário o reconhecimento de firma no título apresentado, pois o
mesmo é ato emanado da administração, título público por natureza, e em tais
títulos é dispensável o reconhecimento de firmas. Não é necessário a
assinatura de testemunhas. O instrumento não é contratual.
11. Não é necessário o comprovante de pagamento do Imposto Territorial Rural
para a prática de tal ato.
12. Não é necessário o comprovante do CCIR (Certificado de Cadastro de
Imóvel Rural), expedido pelo INCRA, pois o caso não se encaixa nas
exigências do art. 22, § 1º, da Lei n. 4.947, de 06 de abril de 1966.
13. Não é necessária a certidão de multas florestais, exigida apenas para os
casos de transmissão de imóvel rural, nos termos do art. 37 da Lei n. 4.771,
de 01 de setembro de 1965 - Código Florestal.
14. Não é necessário estar o imóvel georreferenciado, previsto na Lei n.
10.267/2001, que instituiu as medições geodésicas e o Cadastro Nacional de
Imóveis Rurais - CNIR.
15. Não é necessária a apresentação de CND do INSS mesmo que a proprietária
do imóvel seja pessoa jurídica.
16. Os emolumentos devidos ao Oficial de Registro de Imóveis pela averbação
da reserva legal são reduzidos e previstos na Lei Estadual n. 15.424, de 30
de dezembro de 2004, na Tabela 4, Nota IV, e correspondem a R$ 11,35 (onze
reais e trinta e cinco centavos). Outros atos solicitados pelo interessado
serão pagos à parte (certidões, arquivamentos etc.).
CONCLUSÃO
A falta de averbação da Reserva Legal não é empecilho para o exercício de
outros direitos sobre a propriedade imobiliária. Diz a lei (art. 16, § 8º
citado) que depois de averbada a Reserva Legal não é permitida a sua
alteração nos casos de transmissão a qualquer título, de desmembramento ou
de retificação de área.
A finalidade de se averbar a Reserva Legal é dar publicidade à Reserva, para
que futuros adquirentes do imóvel rural, bem como toda a coletividade,
saibam exatamente onde está localizada a Reserva Legal dentro do mesmo e a
respeitem em atendimento à finalidade da lei, que a considera necessária à
conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas."
Francisco José Rezende dos Santos. |