- A quitação válida há de observar os ditames dos arts. 320 e seguintes do
Código Civil, sob pena de o devedor arriscar-se a pagar duas vezes o mesmo
débito.
- O devedor só se exonera da obrigação de pagamento mediante prova cabal,
completa, séria e convincente da quitação da dívida, que pode se dar através
da exibição do próprio título de crédito ou pela apresentação de recibo
correspondente em que se identifica a liquidação do valor contido da citada
cártula.
Apelação Cível n° 1.0428.09.012857-3/001 - Comarca de Monte Alegre de Minas
- Apelante: Ubercoop - Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos
Comerciantes de Confecções de Uberlândia Ltda. - Apelada: Cleusa Ferreira
Dias Gouveia em causa própria - Relator: Des. Duarte de Paula
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, em negar provimento.
Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2009. - Duarte de Paula - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. DUARTE DE PAULA - Inconformada com a r. sentença que julgou
improcedente o pedido de cobrança, contida em ação por ela movida contra
Cleusa Ferreira Dias Gouveia, insurge-se a autora, Ubercoop - Cooperativa de
Economia e Crédito Mútuo dos Comerciantes de Confecções de Uberlândia Ltda.,
buscando reverter a decisão mediante recurso de apelação de f. 59/70.
Alega a apelante parecer haver conluio entre a requerida e a empresa Toninho
Automóveis Ltda., não podendo prevalecer a conclusão do Julgador de que o
endosso teria sido falsificado, pois a assinatura é semelhante e ainda se
encontra acompanhada de recibo da empresa. Ademais, a própria apelada
poderia ter falsificado o recibo apresentado, que se trata de mera cópia,
embora autenticada, não sendo crível que tenha sustado o cheque por
desacordo comercial e mesmo assim efetuado o pagamento desse título sem
exigi-lo de volta, ainda mais sendo ela uma advogada atuando em causa
própria.
Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Trata-se de ação de cobrança que tramitou pelo rito sumário, mediante a qual
pretende a autora receber o valor de cheque prescrito que lhe teria sido
entregue por meio de operação de desconto de título por empresa que lhe é
associada.
A r. sentença julgou improcedente o pedido, afastando a pretensão deduzida
perante a emitente do título, tendo em vista ter esta apresentado recibo de
quitação, afirmando a quitação do cheque cobrado, dado pela empresa
favorecida a quem entregou o título e que por sua vez o descontou perante a
apelante.
A despeito de pretender a apelante descaracterizar a validade do recibo
apresentado, não se pode acolher a sua pretensão, especialmente com base em
alegação de conluio entre a empresa descontária do cheque e a apelada para
forjar o pagamento que, a seu ver, não foi feito.
É de ressaltar que a quitação dos títulos de créditos se faz pela posse do
título pelo devedor, ou com a formalização da quitação, por documento hábil
que expresse a indicação do valor e a espécie da dívida quitada, o nome do
devedor, ou a quem por este pagou, o tempo e lugar do pagamento, com
assinatura do credor, ou do seu representante, na forma prescrita nos arts.
320 e 321 do Código Civil.
Aliás, é entendimento pacífico que:
"Prova-se o pagamento integral do título cambiário pela sua entrega pelo
devedor e pela quitação passada pelo credor no mesmo título ou em separado.
A prova testemunhal é inadmissível, não só em virtude da natureza do título
como porque a importância deste excede a taxa legal" (RT 506:232).
Nesse sentido, cabe ressaltar não ser apenas o resgate do cheque a forma de
comprovar o seu pagamento, até porque, dadas as suas características de que
não se constitui título de crédito causal, sendo apenas um instrumento de
pagamento, que se traduz em uma ordem de pagamento, é inerente ao cheque o
caráter pro solvendo, ou seja, só o efetivo recebimento da correspondente
importância em dinheiro extingue a dívida.
Nesse sentido, leciona Fran Martins:
"Daí, também, a conclusão de que a entrega do cheque ao portador não vale
como pagamento ou quitação do sacador; tal quitação só ocorre quando o banco
sacado efetua o pagamento, servindo o cheque apenas como instrumento para
esse pagamento final. Donde se poder afirmar que não se paga com cheque; é o
cheque apenas um instrumento para o pagamento se efetuar. Resultado dessa
compreensão é que o credor não é obrigado a receber cheque para a quitação
do seu crédito junto ao emitente. O que vai quitar a dívida é o pagamento
feito pelo sacado" (Títulos de crédito. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, v.
II, p. 42).
No caso dos autos, a prova da quitação consiste na exibição de recibo em que
consta expressamente o número do cheque ora cobrado, o nome do banco sacado,
o seu valor e a data de emissão, descrevendo e individualizando no documento
o título cambial, portanto com minúcias, já que este não foi devolvido após
o pagamento, justamente em virtude de já estar em mãos da apelante.
Nesse esteio, apresentando a apelada recibo válido de quitação do cheque,
com todos os dados a ele relativos, passou a estar isenta do dever de por
ele pagar, já que recebeu quitação plena e total da quantia por ele
representada, trazendo, assim, aos autos a prova do fato impeditivo do
direito da autora, que, em contrapartida, não apresentou prova robusta
acerca de sua alegação de alegado conluio entre a apelada e a empresa de
veículos de quem descontou o cheque, não afrontando, destarte, o recibo
apresentado para quitar o título, que deve prevalecer, mesmo em se tratando
de cópia do original, já que se encontra devidamente autenticada por
cartório em sua autenticidade.
Cumpre, de qualquer forma, ressaltar que, tendo a apelante um contrato com a
empresa de automóveis, que recebeu o pagamento antecipado do título mediante
operação de desconto, deve perante essa empresa descontária buscar receber o
valor do cheque cobrado, especialmente porque desconsiderou o endosso que já
havia feito do título e, em decorrência, a transferência dos direitos
creditícios nele representados, optando por embolsar o pagamento feito pela
apelada, sem repassá-lo para a descontadora do título, recebendo duas vezes
seu valor.
Destarte, impõe-se a confirmação da r. sentença, pois resta comprovado
documentalmente que a quitação de fato ocorreu, de forma legal, pela apelada
na empresa destinatária do cheque, que assinou sem dúvida o recibo
apresentado com a contestação.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso, confirmando a r. sentença por seus
próprios e jurídicos fundamentos.
Custas recursais, pela apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Selma Marques e Fernando
Caldeira Brant.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO. |