Pela primeira vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito
a indenização por cobertura vegetal nativa na desapropriação de imóvel rural
para interesse público ou social, desde que, na área de reserva legal,
exista um plano de manejo devidamente confirmado pela autoridade competente.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sustentou, em
todas as instâncias, que o Poder Público não pode indenizar o expropriado
pelas áreas de preservação ambiental, uma vez que elas não podem ser
utilizadas para fins econômicos.
O caso em questão diz respeito à desapropriação para fins de reforma agrária
das Fazendas Ronda, Pica-Pau I, II e III, localizadas nos municípios de São
José do Campestre e Tangará, no Rio Grande do Norte. O acórdão do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região incluiu, no cálculo da indenização, o valor R$
286 mil a título de cobertura vegetal nativa, mas o Incra alegou que a
manutenção do valor, além de ilegal, viola o princípio do justo preço.
De acordo com o ministro João Otávio de Noronha, autor do voto-vista que
conduziu o resultado do julgamento, de fato o entendimento firmado no STJ é
no sentido de que a indenização separada da cobertura florestal depende da
efetiva comprovação de que o expropriado esteja explorando economicamente os
recursos vegetais nos termos de autorização expedida. Isso porque tais
recursos possuem preço próprio: o preço de uma atividade econômica de
extração de madeira de onde aufere lucros.
“Todavia, isso não quer dizer que as propriedades com cobertura florística
original, não comercializadas, não tenham seus respectivos preços afetados.
Há de se considerar que a existência de matas valoriza a propriedade rural e
seu preço de mercado é influenciado por essa realidade”, ressaltou o
ministro em seu voto.
Segundo o ministro João Otávio de Noronha, a reserva legal – área de no
mínimo 20% de cada propriedade onde não é permitido o corte raso – é uma
restrição imposta à área suscetível de exploração que não se inclui na área
de preservação permanente. “Trata-se de área explorável de forma limitada,
porquanto não é permitido o corte raso. Assim, é indenizável, embora em
valor inferior ao da área de utilização irrestrita, desde que exista plano
de manejo devidamente confirmado pela autoridade competente”, sustentou.
Para o ministro, o valor justo da desapropriação é aquele que o expropriado
obteria se o imóvel estivesse à venda e, para chegar a esse cálculo, é
preciso levar em conta a localização, a aptidão agrícola, as áreas
ambientais protegidas, as respectivas dimensões, além da pesquisa de preço
feita em torno das áreas próximas à propriedade. E, na hipótese dos autos,
ressaltou o ministro, é possível observar que, apesar da indenização
separada das matas naturais, o julgador ordinário concluiu que o preço
alcançado era o de mercado: “sendo assim, é de se concluir que o critério do
preço justo foi alcançado”.
Em seu voto,o ministro João Otávio de Noronha destacou, ainda, que, ao
contrário da tese firmada pelo tribunal de origem de que o Código Florestal
(Lei 4.771/65) exige a averbação em cartório para instituição da reserva
legal, sua proteção existe desde o advento da lei. “Com a devida vênia aos
julgadores ordinários, por cento que a averbação da reserva legal em
cartório não é requisito de sua constituição. O proprietário que não efetiva
a averbação apenas descumpre a lei de regência, mas a proteção da respectiva
área existe desde o advento da lei”.
Assim, por maioria de votos, a Segunda Turma do STJ deu parcial provimento
ao recurso, para reconhecer que a cobertura florestal compreendida na área
de reserva legal deve ter o seu valor atribuído em consonância com as
restrições à sua utilização, a ser apurada em liquidação de sentença.
REsp 608324
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