A coabitação não é requisito indispensável para a caracterização da união
estável. A conclusão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,
que deu provimento ao recurso especial de uma mulher de São Paulo. A decisão
afastou a indispensabilidade, e o Tribunal de Justiça paulista terá de
reexaminar o caso para decidir se as demais provas do processo demonstram a
existência da união estável.
Após a morte de companheiro, com quem se relacionou durante catorze anos,
ela entrou na Justiça com ação declaratória de existência de entidade
familiar combinada com liquidação do patrimônio comum contra o espólio do
falecido, representado pelo filho deste.
Segundo alegou, apesar de todos os bens estarem em nome do falecido, foram
adquiridos com os recursos obtidos com o trabalho de ambos, devendo,
portanto, ser reconhecida a união estável para que tenha direito à meação
que lhe cabe, tal como dispõe o artigo 5º da Lei n. 9.278, de 10 de maio de
1996.
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente. Apesar de reconhecer
que as provas testemunhais e documentais não deixam dúvidas quanto ao
envolvimento amoroso do falecido com a autora durante longos anos, o juiz
afirmou que o relacionamento, embora longo e público, não tinha lastro, ou
seja, não tinha como objetivo final a constituição de família.
Ainda segundo o magistrado, uma testemunha revelou que o falecido mantinha
relacionamento paralelo em cidade próxima com outra mulher, a quem também
manifestava, de forma explosiva, o seu afeto e desejo. Sem coabitação, sem
compromisso de fidelidade e sem provas de contribuição para o patrimônio
comum, o juiz considerou não caracterizada a união estável.
Ao julgar a apelação proposta pela autora, o Tribunal de Justiça de São
Paulo manteve a sentença, considerando a inexistência de coabitação e a
ausência de prova de efetiva colaboração dela na formação do patrimônio.
Insatisfeita, interpôs embargos de declaração, mas foram rejeitados pelo
TJSP.
No recurso para o STJ, a defesa sustentou a prescindibilidade da convivência
do casal sob o mesmo teto e do dever de fidelidade para a configuração da
união estável, que depende da intenção de constituição de família (Lei n.
9.278, de 1996, artigo 1º).
A Terceira Turma deu provimento ao recurso especial para afastar a
imprescindibilidade da coabitação. O ministro Ari Pargendler, relator do
caso, observou que a lei específica (Lei n. 9.278/96) não exige a coabitação
como requisito essencial para caracterizar a união estável. Segundo o
ministro, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a
demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato, a
existência da união estável.
“Afastada a indispensabilidade da coabitação para os efeitos do
reconhecimento da união estável, nem por isso o recurso especial deve ser,
desde logo, provido para reconhecê-la”, ressalvou. “O julgamento da apelação
deve prosseguir para que o tribunal a quo decida se os elementos constantes
dos autos demonstram a existência da união estável”, concluiu Ari Pargendler.
A ministra Nancy Andrighi, que foi designada para lavrar o acórdão,
acrescentou, em seu voto, que “apesar das instâncias ordinárias afirmarem
inexistir prova da efetiva colaboração da autora para a aquisição dos bens
declinados no pedido inicial, tal circunstância é suficiente apenas para
afastar eventual sociedade de fato, permanecendo a necessidade de se definir
a existência ou não da união estável, pois, sendo esta confirmada, haverá
presunção de mútua colaboração na formação do patrimônio do falecido e
conseqüente direito à partilha, nos termos do art. 5º da Lei n.º 9.278/96”.
REsp 275839
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