O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que as serventias
extrajudiciais do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) sejam privatizadas, na
medida em que seus titulares deixarem os cargos, por aposentadoria ou
falecimento. Também estabeleceu o prazo de 120 dias para que o Tribunal
baiano elabore plano e cronograma para efetivar a privatização, que serão
acompanhados pela Comissão de Estatísticas e Gestão Estratégica do Conselho.
A decisão foi tomada por unanimidade pelo plenário do CNJ na sessão desta
terça-feira (21/10) e será encaminhada à Procuradoria-Geral da República
para garantir o cumprimento da Constituição que estabelece a privatização
dos serviços notariais e de registro. O Tribunal da Bahia também deverá
apresentar ao Conselho um levantamento das receitas das serventias
extrajudiciais estatais.
A medida atingirá imediatamente 437 cartórios que estão vagos no Estado da
Bahia, de acordo com levantamento feito pelo próprio TJBA, por solicitação
do CNJ, em abril último. Os demais respeitarão as regras de transição
estabelecidas pelo Conselho. A pesquisa mostra que a Bahia é um dos Estados
que ainda possui grande número de cartórios estatizados. Dos 1.158 cartórios
que ficaram vagos após a promulgação da Constituição, em 1988, há 957
estatizados e apenas 26 privados.
Segundo a Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios (Andec),
um dos problemas que a estatização dos cartórios da Bahia traz é a má
qualidade do serviço prestado. "Uma certidão de nascimento na Bahia demora
até 100 dias para ser fornecida", denunciou o presidente da Andec, Humberto
Monteiro da Costa, que fez a sustentação oral, durante a sessão plenária.
A peculiaridade da situação dos cartórios extrajudiciais baianos chamou a
atenção do CNJ que tomou a iniciativa de pedir providências sobre o assunto
(PP nº 200810000021537) e decidir pela privatização a fim de garantir que a
legislação seja cumprida.
Transição - No entanto, o conselheiro Jorge Maurique, relator do processo,
propôs algumas medidas para garantir a transição prevista na decisão.Os
escrivães que já estavam no exercício do cargo antes da promulgação da Carta
de 1988, continuarão no cargo, considerados em extinção, até a sua vacância,
seja qual for a forma de provimento. As funções de subescrivão, subtabelião
e suboficial do registro civil, de imóveis, de títulos e de protesto de
títulos, que ingressaram no cargo após 1988, continuarão com os cargos
estatizados, de acordo com que estabeleciam os concursos a que se
submeteram.
Já os titulares dos cartórios que ingressaram por concurso público após a
Constituição de 1988, mas tem regime estatizado,por força de lei estadual,
continuarão no mesmo regime e, após a vacância desses, deverá ser realizado
concurso público.
Segundo o conselheiro Marcelo Nobre, a decisão do CNJ de privatizar os
cartórios da Bahia foi tomada "com muita cutela, ponderação e tranqüilidade,
para evitar tumultos no Estado" e que o CNJ poderá normatizar "todos os
casos de serviços extrajudiciais do país", para atender a grande quantidade
de solicitações que chegam ao Conselho. Leia abaixo a íntegra do voto do
conselheiro Jorge Maurique, relator do processo.
Agência CNJ de Notícias
Conselho Nacional de Justiça
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS N° 200810000021537
RELATOR : CONSELHEIRO JORGE ANTONIO MAURIQUE
REQUERENTE : CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
REQUERIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
INTERESSADA :ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONCURSOS PARA CARTÓRIOS
ASSUNTO : SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS
A C Ó R D Ã O
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - ASSOCIAÇÃO - INTERVENÇÃO - LEGITIMIDADE - MITIGAÇÃO
DO PRAZO MÍNIMO DE CONSTITUIÇÃO - PRIVATIZAÇÃO DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS
ESTATAIS - SITUAÇÃO DE TRANSITORIEDADE - REGIME ANTERIOR NÃO MAIS
RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
I. Em regra, a associação constituída há menos de um ano não detém
legitimidade para propor ou intervir em processo. Todavia, mitiga-se a
exigência diante da flexibilidade das normas procedimentais em sede de
processo administrativo. Exegese dos arts. 5º, V, "a", da Lei nº 7437/85, e
45, XII, do RICNJ. Precedentes do STF (RE 364051/SP, MS 21098/DF, AgR no MS
21278/RS, MC na ACO 876/BA) e do STJ (RMS 22230/RJ, REsp 705469/MS, RMS nº
12632/RJ, RMS 11365/RO).
II. Com o novo regime constitucional privado das serventias extrajudiciais
(art. 236, §3º, da CF/88), deve ser realizada a transição de regime daquelas
que ainda estão sob regime estatal, em respeito ao art. 32 do ADCT (CNJ: PP
360).
III. Os cargos dos servidores titulares ou subtitulares de serventias devem
ser declarados em extinção (CNJ: PPs 200710000014814 e 200810000000777),
assegurando-se a aqueles que já ingressaram no serviço público, antes ou
depois da CF/88, a permanência nos cargos respectivos, porque foi a regra do
concurso que se submeteram.
IV. É vedado o acesso de subtitulares aos cargos de titulares das serventias
extrajudiciais e o acesso de titulares por remoção, sendo inaplicável
dispositivos de lei estadual nesse sentido, mormente considerando que não há
direito adquirido a regime jurídico anterior (STF: MC na ADI 2135/DF e RE
575089/RS).
V. Pedido de providências a que se determina a privatização de serventias
extrajudiciais estatais, no estado da Bahia, na medida que seus titulares
deixarem seus cargos, bem como o encaminhamento da presente decisão à
Procuradoria-Geral da República, para análise das normas dos arts. 222 e 223
da Lei estadual nº 3731/79 (Lei de Organização Judiciária do Estado da
Bahia) e adoção de medida tendente a sanar eventual frustração do art. 236
da CF/88.
VISTOS,
Trata-se de pedido de providências, instaurado de ofício por este Conselho,
por ocasião do julgamento do recurso administrativo no pedido de
providências nº 3456 (60ª Sessão Ordinária, realizada em 08.04.2008), no
qual se determinou ao Tribunal de Justiça do estado da Bahia que informasse:
(1) quantos cartórios vagaram após a Constituição Federal de 1988; (2)
quantos destes cartórios foram providos e de que forma; e (3) qual o regime
jurídico dos titulares dos ofícios, se estatizados ou privatizados?
O Tribunal informa que os cartórios extrajudiciais encontravam-se ainda sob
regime estatal à época da promulgação da CF/88, com poucas exceções que
funcionavam sob o regime de custas. Acrescenta que as vagas que surgiram a
partir de 05.10.1988, nas comarcas contempladas com o cargo de subtitular,
foram providas por remoção ou por acesso, nos termos do art. 32 do ADCT, que
afasta dos serviços notariais e de registro, já oficializados pela
Administração, a obrigatoriedade de concurso público, em respeito aos
direitos adquiridos dos servidores. Informa que fundamentou a referida
medida na Lei estadual nº 3731/79 (Lei de Organização Judiciária do Estado
da Bahia), cuja disciplina permite que os servidores, submetidos a concursos
anteriores à promulgação da Constituição Federal, tenham preservado o
direito a remoções e a acessos. Como os referidos servidores são custeados
pelo erário, aduz que os serviços notariais e de registros se mantiveram
oficializados. Salienta que, apesar de mantida a estatização desses
serviços, todos os cartórios, inclusive os criados após a promulgação da
CF/88, serão privatizados, em conformidade com o art. 236 da Constituição
Federal e com a Lei nº 8935/94. Registra que (a) 1158 cartórios vagaram após
a Constituição Federal de 1988; (b) após a CF/88, da totalidade dos cargos
providos, 835 foram efetivados por concurso, 140 por acesso e 08 por
remoção; (c) há 26 ofícios privados, 957 estatizados e 437 vagos. Ressalta
que a submissão ao art. 32 do ADCT tem trazido entraves à Administração
judiciária, vez que uma privatização imediata não resolveria, por si só, os
problemas enfrentados, porquanto os servidores dos cartórios extrajudiciais
que não quiserem ser aproveitados, terão de ficar em disponibilidade
remunerada, onerando os cofres públicos. Acrescenta que a Lei de
Responsabilidade Fiscal limita muito os gastos do Judiciário local,
especialmente em razão da destinação de verbas com manutenção dos servidores
em tela, o que levou a Corte solicitar posição do Tribunal de Contas do
estado sobre a possibilidade de exclusão das mencionadas despesas da cota,
fixada em 6% ao Poder Judiciário local, nos termos do art. 20 da LRF,
contudo, não obteve resposta até o momento.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONCURSOS PARA CARTÓRIOS (ANDECC) requer o
ingresso no feito como parte interessada.
É o relatório.
I - Preliminarmente, deve ser excepcionalmente deferido o pedido da
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONCURSOS PARA CARTÓRIOS (ANDECC) para
ingressar no feito, como parte interessada.
Em regra, não detém legitimidade para propor ou intervir judicialmente a
associação constituída há menos de um ano, o que atrairia o óbice, inserto
no art. 5º, inciso V, alínea "a", da Lei nº 7437/85 (aplicado no caso
presente com o permissivo do art. 45, XII, do RICNJ), segundo o qual:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
Considerando-se que a constituição referida pela norma acima evidencia-se
com a inscrição do ato constitutivo no registro competente, nos termos do
art. 46, caput, do Código Civil, e que tal ato foi averbado em 05.05.2008
(movimentação eletrônica de 22/09/2008 às 22:09:32, OUT14, p. 03),
concluir-se-ia que a entidade deveria aguardar até 05.05.2009 para deter
legitimidade, evidenciada por sua estabilidade (ZAVASCKI, Teori Albino.
Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de
direitos. SP: RT, 2006, p. 75).
Nesse sentido, tanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE nº
364051/SP, Min. Marco Aurélio, DJ de 08.10.2004; MS nº 21098/DF, Min.
Sepúlveda Pertence, DJ de 27.03.1992; AgR no MS nº 21278/RS, Min. Ilmar
Galvão, j. 08.10.1992, DJ 20.11.1992; MC na ACO nº 876/BA, Min. Sepúlveda
Pertence, DJ de 01.02.2007), como a do Superior Tribunal de Justiça (RMS nº
22230/RJ, Min. Humberto Martins, DJ 12.04.2007; REsp nº 705469/MS, Min.
Nancy Andrighi, DJ 01.08.2005; RMS nº 12632/RJ, Min. Laurita Vaz, DJ
09.05.2005; RMS nº 11365/RO, Min. Edson Vidigal, DJ 09.10.2000), são claras
quanto à exigência do lapso temporal de um ano de funcionamento da entidade
associativa, de modo a obter legitimidade ativa.
Contudo, diante da flexibilidade das normas procedimentais em sede de
processo administrativo, mitiga-se, excepcionalmente, essa exigência.
Assim, defiro sua admissão no feito.
No mérito, a peculiaridade da situação dos cartórios extrajudiciais baianos
chama atenção deste Conselho, em especial, no que tange à aplicação do
disposto nos arts. 236, §3º, da CF/88, e 32 do ADCT, segundo os quais:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter
privado, por delegação do Poder Público.
§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso
público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique
vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis
meses.
Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de
registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se
o direito de seus servidores.
A leitura conjugada das normas referidas leva a concluir que urge sejam
tomadas as seguintes medidas a respeitar a transitoriedade da situação da
Corte de origem, bem como o atual comando constitucional.
Com relação àqueles que já estavam no exercício do cargo de escrivão antes
da promulgação da Carta de 1988, seja qual for a forma de provimento,
continuarão no cargo até sua vacância, sendo que esses cargos deverão ser
considerados cargos em extinção, nos termos a contrario sensu dos
precedentes exarados por ocasião do julgamento dos PPs nºs 200710000014814 e
200810000000777 (rel. Cons. Paulo Lôbo), continuando com o regime a que
submeteram.
Com respeito aos que após a CF/88 ingressaram nos cargos de subescrivão,
subtabelião e de suboficial do registro civil das pessoas naturais, do
registro de imóveis, do registro de títulos e documentos e das pessoas
jurídicas de protesto de títulos, esses continuam com os cargos estatizados,
porque foi a regra do concurso que se submeteram. Tais cargos serão
igualmente considerados cargos em extinção. Evidentemente que, por
decorrência lógica disso, serão inaplicáveis as normas dos arts. 222 e 223,
da Lei estadual nº 3731/79, a qual assegurava acesso daqueles servidores aos
cargos de escrivão, tabelião e oficial[1], vez que não há direito adquirido
à manutenção de regime jurídico anterior, consoante tem decidido o Supremo
Tribunal Federal (MC na ADI nº 2135-DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJE de
07.03.2008; RE 575089/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE de 22.09.2008).
Já aqueles que ingressaram por concurso público após a Constituição Federal
de 1988 nos cargos de titulares, mas que, por força da lei estadual, seu
regime é estatizado, continuarão mediante tal regime, porquanto também foi a
regra que se submeteram, ao participarem do certame.
Após a vacância desses cargos, deverá ser efetuado concurso público, sendo
que o exercício desses ofícios deverá ser efetuado de forma privada por
delegação, nos termos do art. 236 da Constituição Federal.
Quanto aos cargos vagos - que são 437, segundo informa o TJBA (movimentação
eletrônica de 05/09/2008 às 18:20:56, INF5, p. 04) - deverá a Corte
providenciar concurso público no prazo de 06 meses, consoante já decidiu
este CNJ, verbis:
Pedido de Providências. Serviços Notariais e de Registro Público. Concurso
Público. - "O 236 da Constituição estabelece que os serviços notariais e de
registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público,
mas o exercício das funções depende de prévio concurso público. Concorde-se
ou não com seu conteúdo, haja ou não mais ou menos dificuldades, a norma é
de caráter imperativo, sem exceção a qualquer unidade federativa a Lei
8.935/1994 regulamentou a vacância, sempre temporária, e impôs a realização
imediata do concurso. Determinação de prazo de sessenta dias para que a
Corregedoria Geral de Justiça edite provimento regulamentando a privatização
desses serviços e para publicação do edital de concurso público"
(PP 360, Rel. Cons. Paulo Lôbo, DJU de 08.05.2006)
II - Diante do exposto, determino seja:
(a) declaradas privatizadas todas as serventias extrajudiciais do TJBA, na
medida em que seus titulares deixarem seus respectivos cargos;
(b) concedido ao Tribunal de Justiça da Bahia prazo de 120 dias para,
acompanhado pela Comissão de Estatísticas e Gestão Estratégica do CNJ,
elaborar plano e cronograma de efetivação da privatização, referida no item
I;
(c) promovido e apresentado ao CNJ o levantamento das receitas das
serventias extrajudiciais estatais, referidas no item I;
(d) encaminhada cópia da presente decisão à Procuradoria-Geral da República,
para análise da normas dos arts. 222 e 223, da Lei estadual nº 3731/79 (Lei
de Organização Judiciária do Estado da Bahia), e adoção de medida tendente a
sanar eventual frustração do art. 236 da Constituição Federal de 1988.
É o voto.
Intimem-se e arquive-se.
Brasília, 21 de outubro de 2008.
Conselheiro JORGE ANTONIO MAURIQUE
Relator
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[1] Art. 222 - Aos titulares dos cargos, de Subescrivão, de Subtabelião e de
Suboficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, do Registro de Imóveis,
do Registro de Títulos e Documentos e das Pessoas Jurídicas e de Protesto de
Títulos, será assegurado o acesso, respectivamente, aos cargos de Escrivão,
de Tabelião, de Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, do Registro
de Imóveis, do Registro de Títulos e Documentos e das Pessoas Jurídicas e de
Protesto de Títulos, nos Cartórios da mesma especialização da Comarca.
§ 1º - Nas Comarcas de Salvador, Feira de Santana, Ilhéus, Itabuna e Vitória
da Conquista só poderão ter acesso aos cargos de Tabelião, de Oficial do
Registro de Imóveis, do Registro de Títulos e Documentos e das Pessoas
Jurídicas e de Protesto de Títulos os subtabeliães e suboficiais, que
tiverem concluído o curso de graduação em Direito.
§ 2º - Não havendo serventuário da Justiça na Comarca que faça jus, ao cargo
vago, este será provido por nomeação, mediante concurso público.
Art. 223 - O acesso previsto no artigo anterior será efetuado pelos
critérios alternados de antigüidade e merecimento, este apurado segundo as
normas estabelecidas em provimento da Corregedoria-Geral, precedendo, nesse
caso, indicação do Conselho da Magistratura, sempre que possível, em lista
tríplice.
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