*Walter Ceneviva
Confusão legal em 2007
Na educação, prossegue a entrega do produto "ensino" aos "fregueses" da
indústria universitária nacional
É DIFÍCIL ESCAPAR dos muitos desastres com aviões e helicópteros, as
discussões jurídicas provocadas, as vidas perdidas e os direitos ofendidos
quando se busca um característico marcante para 2007. Ao fim, o paradoxo de
se noticiar que o governo Lula quer transformar Congonhas em aeroporto de
elite, com tarifas muito mais caras, para diminuir o movimento.
No campo do direito, os primeiros dias de 2007 não cuidaram de aviões. Saiu
a lei nº 11.441, com grande influência nos direitos de família e das
sucessões: passou a dispensar intervenção judicial em escrituras públicas
para certas conciliações em inventários, partilhas, separações e divórcios.
É tão interessante que a França imitará o Brasil em 2008. Lá, o divórcio
consensual também será perante o notário, livre de participação judicial,
mas sem a presença dos advogados. Provocará o que o "Figaro" chamou de "La
colère des avocats". Viram, na medida, uma declaração de guerra contra a
advocacia.
No direito penal administrativo, muitas prisões diárias mostraram que a lei
da improbidade dos agentes públicos ainda não os assustou. Recorde de
centimetragem e de minutagem nos veículos impressos e eletrônicos foi,
porém, o debate sobre a extinção da CPMF, convulsionando, no meio da
negociação para substituir o presidente do Senado, assuntos que excederam os
limites de nossa paciência. O temário jurídico-constitucional afogou-se no
oceano das imputações recíprocas, em empate de zero a zero, salvo na crítica
à alta incidência tributária.
O bolso dos contribuintes será visado em 2008, pois saiu em 2007 a lei nº
11.482, que alterou a tabela do imposto sobre a renda de pessoas físicas.
Descobriremos seus efeitos a partir de janeiro próximo.
Depois de sete emendas constitucionais em 2006, as duas de 2007 não
mereceram maior atenção. Entre as leis complementares vieram três, sem
"encantar" a mídia. No rol das ordinárias devemos estar próximos das 170.
Destaco a de nº 11.382/06, que modificou, a partir de janeiro de 2007, a
benefício dos credores, a execução processual. Milhares de normas nos
Estados e municípios continuaram perturbando o universo jurídico brasileiro
sem melhorar o padrão de aplicação da lei.
No campo da educação continua a criação de universidades ou faculdades para
o ensino superior. Também prossegue a entrega do produto "ensino" aos
"fregueses" da indústria universitária, em padrão incompatível com o
interesse nacional e de seus estudantes, em contraste com o preço cobrado.
Chegou-se, no último exame de ordem da OAB-SP à venda, em um cursinho, de
questões resolvidas. Descoberta, a prova foi cancelada, em atitude corajosa
e oportuna do presidente do Conselho paulista, Luiz D'Urso.
Na medicina, louve-se o exame não-obrigatório de suficiência de jovens
médicos promovido pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de
São Paulo). Mostrou, pelo número de notas baixas, a má qualidade do ensino
médico e o esforço para enfrentá-la da entidade profissional, presidida pelo
médico (e advogado) Henrique Carlos Gonçalves. São exemplos a serem
copiados. Alimentam a esperança de aprimoramento nacional. Em visão
genérica, a esperança para 2008 será a de superar dificuldades, sem o trauma
da confusão política que sacrificou a coletividade neste ano.
*Advogado e Colunista da Folha de São Paulo
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